Acordar com as
montanhas à vista e saborear o café da manhã com gostoso ovo mexido com um
pouquinho da famosa farinha de milho Elefante, preparado especialmente pelo
pai, era um prazer que o menino desfrutava todos os dias das férias passadas na
fazenda. Melhor ainda era apreciar os belos cenários das montanhas que se
descortinavam pela janela da imensa copa/cozinha da casa da fazenda. Não
bastasse isso, havia, ainda, na casa da cidade, outra vista mais atraente,
deslumbrante. Incomparável mesmo era contemplar o exuberante maciço azulado da
Serra da Bocaina, que emoldura toda a parte sul da cidade de Lavras. A sacada
da grande casa da chácara, situada onde hoje se localiza a vila Cruzeiro do Sul,
era o lugar preferido para o menino sonhar de olhos abertos ou simplesmente
contemplar os voos planados das aves de rapina que ali se aninhavam. Viria dali
o sonho de Ícaro que o menino acalenta até hoje? As límpidas manhãs, de céu
azul com o sol reluzindo a bela e imponente cordilheira, era um convite à
reflexão sobre as maravilhas da natureza. Os segredos dos cumes dessas magníficas
montanhas ou simplesmente serras, como dizíamos na infância, povoavam a mente
do menino. Como seria chegar até seu topo? O que haveria lá no alto? E do outro
lado? Enxergar-se-ia muito longe, rios, matas, bichos? Um mistério! Mistério
que nunca deixou o menino em paz, pois ainda hoje, diante de qualquer montanha
seu pensamento voa. “Vá, pensamento, vá! Voa em asas douradas, pousa sobre as
encostas e colinas onde os ares são tépidos e macios com a doce fragrância do
solo natal... Reacende em nosso peito a memória, fale-nos do tempo que passou...”.
Contemplar e passear por entre as montanhas de Minas é como ressuscitar a
nostalgia decantada e cantada nessa maravilhosa ópera, Nabuco – Va
Pensiero, escrita pelo gênio Giuseppe Verdi. Ali está retratada toda a
nostalgia, a dor da alma dos escravos hebreus no cativeiro da Babilônia do
tirano rei Nabucodonosor. E assim como os hebreus choravam o fim do exílio e
sonhavam com a volta às encostas e colinas perfumadas da terra de Sion, o
menino que hoje vive nas planuras do planalto central, ao rever as montanhas
alterosas se põe compungido, em profundo silêncio da alma, a relembrar sua
terra querida, tal qual nos versos da ópera.
E hoje, em pleno abril de 2014, bem distante da infância
querida ou mesmo das primeiras obras de reflorestamento e paisagismo executadas
nas fraldas das serras do Curral em BH, do Caraça e do Pico do Itacolomi na
região de Ouro Preto e Mariana, o menino ainda se surpreende em viagem
nostálgica por entre serras, rios e montanhas mineiras. Mais que surpresa, pois as linhas
sinuosas do horizonte lhe eram muito familiares e queridas, pois sabia medi-las
com os olhos, mais que as planuras do planalto central, a despeito de nele ter passado
a maior parte de sua vida. Agora, partindo de Lavras,
rumo a São João Del Rei e desta para Belo Horizonte, não sem antes visitar a
Vila de São José Del Rey, terra de Tiradentes e que hoje leva seu nome, o
percurso não poderia ser mais inspirador. Deslizando a bordo de um carro, pela
rodovia BR 265, o menino vai contemplando, ao longe, a Serra da Bocaina.
Serpenteia o rio Capivari, depois o Rio Grande, já no município de Itutinga,
cruza a Ferrovia do Aço por sobre um despenhadeiro de mais de 200 metros de
altura e finalmente chega à cidade de 300 anos, fundada em 1704 como entreposto
de escoamento da produção aurífera de Ouro Preto com destino ao porto de
Paraty-RJ. Antes mesmo de se chegar à São João Del Rei, uma grande cordilheira,
verdadeiro paredão de rocha é avistada no lado norte da cidade. Foi por causa
desse paredão rochoso de considerável elevação que o menino, em companhia do Ministro da Educação, Hugo Napoleão e do ex-Ministro
da Agricultura, Alysson Paolinelli, deu
grito de alerta a bordo do jatinho HS-125, da FAB (matrícula VU- 93 2117), que
se destinava à Lavras: Ei! Aqui não é Lavras, nem Santo Antônio do
Amparo. É São João Del Rei. O ministro, olhou, confirmou, levantou-se, alertou
ao comandante do jatinho sobre o erro e este, imediatamente recolheu o trem de
pouso, abortou a aterrisagem e arremeteu a aeronave acelerando-a com toda
potência das turbinas Rolls-Royce. E agora? Perguntou o piloto, que não tinha
nenhum outro plano de voo. O menino não se fez de rogado, navegador contumaz como
passageiro em voos comerciais nas rotas Brasília/Rio e outras que sobrevoam a
região, sugeriu: 180º à direita (para se livrar do paredão rochoso), proa na BR
265/ represa de Itutinga/ Rio Grande/ Bom Sucesso e Santo Antônio do Amparo,
aeroporto de destino, pois Lavras não tinha ainda aeroporto asfaltado que
pudesse receber aeronaves a jato. Chamado à cabine, de pé e em voo de baixa velocidade
a 1500 pés de altura, o menino, orgulhosamente “orientava” o piloto naquele voo
de navegação visual. Logo se avistou a grande represa Camargos/Itutinga e
depois, facilmente, Lavras e Santo Antônio do Amparo mais à direita, a terra do
Governador Hélio Garcia, que ali construíra uma boa pista de pouso e onde
muitos lavrenses já esperavam pelo ministro.
E
agora estava ali, novamente, deslizando pela 265 que lhe servira de rota para
aquele inusitado acontecimento de maio de 1988, a bordo de um jatinho que, por ser
militar, supostamente deveria ter um bom plano de voo. Visto do chão a muralha
rochosa de São João Del Rei parecia ser bem mais alta, uma fortificação natural
que protege a histórica cidade do solar dos Neves e se estende até a vizinha
Tiradentes. Do hotel podia-se avistá-la e após os compromissos um passeio a pé
pelo centro histórico revisitando museus, igrejas e o indefectível Solar dos
Neves, palacete em clássico estilo colonial, onde morou o ex-presidente
Tancredo Neves. Os morros e encostas da cidade de Tiradentes que abrigam
museus, igrejas, lojas de antiguidades e muitos restaurantes não deixam de
exercer, também, grande fascínio nos visitantes. Rumando para BH, a caminho do
aeroporto de Confins, serpenteamos por entre montanhas e rios, passando por
locais não menos históricos como Congonhas e os acessos para a cidade de Ouro Preto.
A Lagoa dos Ingleses à margem da BR- 040, outrora bucólico recanto, hoje
totalmente ocupada por condomínios residenciais, bem próximos às inúmeras
minerações que mostram as veias de ferro-manganês, de cor azulada, bauxita
amarelada e enormes tratores e caminhões fora-de-estrada a transportarem o
minério para as usinas siderúrgicas. Minas tem um coração de ouro que pulsa em
peito de ferro, disse o poeta. E é verdade, nunca se viu tantas veios abertos e
concentrados como naquele quadrilátero ferrífero.
Mais
adiante, à esquerda, a Serra do Rola Moça quase chegando à capital mineira.
Belo cenário esculpido em montanhas de ferro, ouro, bauxita, manganês e tantos
outro minerais que a natureza ali depositou. Indescritível beleza aquelas
montanhas interligadas pelo viaduto da Mutuca, cercado por densas matas nativas
quase adentrando a cidade de BH e do mesmo jeito que o menino-engenheiro via a
caminho de seus reflorestamentos no Caraça e Ouro Preto. No rádio do carro tocavam
músicas na universal Antena 1. O atencioso motorista, Agelê, esse era seu
apelido, havia permitido que o menino escolhesse a radio de preferencia. E
enquanto o pensamento voava em doce enlevo, contemplando os relevos das
montanhas que se descortinavam naquela manhã, tocou uma música que fala da
estrada desconhecida e a segurança do lugar onde se vive (Home, de Philip Phillips). E assim pôde compreender toda a magia
daquele momento especial. Dizem que ninguém se cansa de namorar o mar, mas o
que dizer do arrebatamento que as montanhas nos proporcionam? Levam-nos para o
alto, enlevam a alma que, naquele vazio próprio do êxtase, nos remete ao amor,
à alegria de viver e sonhar, literalmente! O motorista, atento ao tráfego, nem
percebeu a lágrima que corria. Momento ímpar, verdadeiramente uma ocasião
especial, passear entre montanhas. As montanhas de Minas são obras sublimes do
Criador, nos fascinam e inspiram a cada momento. Momentos especiais!
Brasília, 16 de abril
de 2014.
Paulo das Lavras
Pintura da casa da fazenda- café da manhã apreciando as montanhas
Giuseppe Verdi, o primeiro a chorar a falta das montanhas de Sion, em sua ópera
"Nabuco", com a canção "Va Pensiero" que retrata a dor do cativeiro
dos hebreus na Babilônia do rei Nabucodonosor
A majestosa Serra da Bocaina, que emoldura a cidade de Lavras e sempre
contemplada desde a infância com os sonhos de Ícaro.
Foto de Catarina Júlia
Ouro Preto com sua serra do Pico do Itacolomi ao fundo da foto. Frio intenso de julho de 1968
A "muralha" de rocha maciça que protege São João Del Rei e Tiradentes
Um
jatinho perdido entre as montanhas de Lavras e S.J.Del Rei,
HS 125 FAB - VU-93 2117.
Pouso abortado em São João del Rei,
em 07/05/1988.
O imponente Solar dos Neves
Viaduto
da Mutuca, próximo a BH e em meio a montanhas e florestas nativas do Parque da Serra do Rola Moça. Antes, simples ponte
estreita, de mão dupla, por onde o menino passava a caminho do
Caraça e Ouro Preto
Serra
do Curral, em Belo Horizonte. Impressionante as semelhanças
dos maciços que emolduram Lavras, S. J. Del
Rei e Belo Horizonte.
As montanhas são a marca registrada das Minas
Gerais.
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