O Prazer da Leitura - Aprendizado contínuo
Quando criança
participava de uma brincadeira muito instrutiva que consistia em sentar-se em
roda, juntamente com minhas irmãs, abrir o livro didático de Português
(colegial) e ler as poesias clássicas. Aberto o livro, aleatoriamente,
passava-se a leitura da poesia e os demais acompanhavam atentamente, cada qual
com seu livro. Ao primeiro gaguejar, ou erro de leitura, era a mesma
interrompida pelo alerta geral (vitória da oposição...). Nesse caso o candidato
leitor perdia pontos. Vencia quem conseguisse mais pontos depois de várias
rodadas. Assim, adquiri o gosto pela leitura e ainda hoje tenho memorizados os
principais versos de poesias de Guilherme de Almeida, Casimiro de Abreu,
Gonçalves Dias, Olavo Bilac e outros muito difundidos naqueles anos 50/60 do
século passado.
Infelizmente, a oferta de livros naquela época
era limitadíssima e os recursos para adquiri-los, praticamente, não existiam.
Até mesmo os livros didáticos eram muito limitados. Na área de matemática
existiam apenas dois autores que publicavam livros colegiais. Em física, apenas
o professor L.P.Mesquita Maia, da PUC-RJ. Era o único disponível no colégio e
assim em quase todas as áreas. Predominava o sistema de reutilização do livro
por toda a família, tal era a dificuldade para aquisições.
Encantado com
a química de hidrocarbonetos alifáticos e aromáticos e da física da mecânica, dinâmica,
ótica e eletricidade, tive que recorrer à pequena biblioteca do colégio e lá
encontrei somente exemplares em inglês. Estudar física, em inglês, mesmo para
os admiradores dessa ciência, convenhamos era um sacrifício para um jovem de 15
anos. Na faculdade o problema era o mesmo. Falta de livros editados em nosso
país. Certa vez realizei, à pedido do professor e às duras penas, a tradução
completa de um capítulo de livro de fitopatologia (doenças de plantas), de
autoria de um pesquisador norte-americano. Hoje, nossas livrarias estão
repletas de publicações, técnicas ou literárias, produzidas por autores
nacionais além das traduções de obras estrangeiras. Que bom!
Quando entro
numa boa livraria fico maravilhado com a quantidade e diversidade de obras disponíveis.
Vou pegando um aqui, outro ali, lendo e degustando um pouco do conteúdo para
avaliar se vale a pena comprar/ler ou não. Quase sempre seleciono mais do que
posso levar, pois o tempo para leitura é bem aquém do desejável. Mas, Freud
explica essa compulsão de adulto que nada mais é do que uma manifestação
neurótica de regressão aos desejos da infância, quase sempre tolhidos pelos
adultos. Minha esposa sempre pergunta:
por que comprar tantos livros se você já tem mais de 40 (literalmente) não
lidos ou cujas leituras não foram concluídas? E é verdade, em cada aeroporto
que passo compro um novo livro, o companheiro de viagem ou de esperas
intermináveis pelos vôos atrasados.
O prazer da
leitura não é casual. É cultural, tem toda uma bagagem anterior que remonta à
nossa infância, a curiosidade de aprender, aprender e aprender mais, sempre!
Por isso, é preciso selecionar o livro. A leitura tem que ser prazerosa, tem que
nos cativar. Se o livro nos cativa ele passa a ser nosso companheiro, aliado da
nossa filosofia. Nesse caso podem e devem ser marcados, remarcados com
marca-texto ou canetas vermelhas para destacar nossas anotações de concordância
ou discordância do enunciado. Isto, de certa forma, contraria os ensinamentos
que recebemos na escola que não se deve escrever ou marcar um livro. Acrescento
a esta norma: “Só se for com
referência ao livro do alheio, pois, o meu é o companheiro, aliado, com marcas
e destaques para as suas principais idéias”. Quando da sua releitura, passado
algum tempo, o prazer é redobrado ao ver ali grifadas aquelas frases que um dia
admiramos e que nos marcaram, às vezes com profundo significado para a alma.
Bem, mas esse
é o prazer referente a uma nova descoberta por meio da leitura. É a novidade
que aparece à nossa frente e nos apressamos em registrá-la em nossa mente para
tirar proveito em situações futuras. É a lição que recebemos de nossos pais e
da escola: leiam e aprendam muito para vencer na vida. É a cultura do saber que
se impregnou em nós. Porém ,
há ainda outro prazer na leitura. É aquele que acontece com o passar dos anos e
cresce cada vez mais quando nela encontramos a explicação para um fato ou
causas de eventos acontecidos ou conhecidos no passado. Explico como é bom, agora,
ler sobre as imigrações de japoneses, italianos, poloneses, alemães,
sírio-libaneses, judeus e norte-americanos dentre tantos estrangeiros que
povoaram esse imenso país. Sírio-libaneses dominavam o comércio em minha cidade
natal e em muitas outras. Os norte-americanos que se instalaram inicialmente na
região de Campinas (Americana) em 1869 e depois, em 1894, mudaram para a cidade
de Lavras onde fundaram o Colégio Instituto Gammon, seguindo-se a Escola
Superior de Agricultura de Lavras – ESAL, em 1908, que depois se transformou em Universidade Federal
(UFLA). Da mesma forma sobre os imigrantes japoneses, vivenciei e observei a
“garra” e o extremo amor pela terra que esses colonos do cinturão verde de São
Paulo dedicam às suas plantações especializadas de hortifrutigranjeiros em
pequenas propriedades. Em meu estágio acadêmico numa grande empresa de
fertilizantes, pude conviver com aqueles abnegados imigrantes e recentemente ao
se comemorar o centenário da imigração japonesa, a imprensa ressaltou a
obstinação daquela laboriosa gente que tanto tem contribuído para o progresso
da agricultura e o desenvolvimento de nosso país.
Assim, a
leitura de qualquer matéria, seja um livro ou artigo na mídia sobre esses
assuntos torna-se duplamente prazerosa, pois além de aprender mais, podemos
confrontar situações vividas no passado e estabelecer o elo causal,
compreendendo em maior profundidade os sonhos e as realizações daqueles
imigrantes que há mais de 100 anos aqui estão e perfeitamente integrados à
nossa sociedade.
Quer prazer
maior do que se deparar com uma resenha de um livro em uma revista
especializada e cujo autor foi seu colega de trabalho? Foi assim com “História
das Agriculturas no Mundo – do Neolítico à Crise Contemporânea”, de Marcel
Mazoyer, professor e pesquisador do Institut Agronomique Paris-Grignon e que
foi colaborador no acordo de cooperação do MEC com o Ministério da Agricultura
da França e que dirigimos por mais de 10 anos. Especialista em sistemas de
cultivos agrícolas, o Prof. Mazoyer veio ao Brasil várias vezes e assessorou
por muito tempo uma universidade do sul do Brasil na implantação de um curso de
agronomia com ênfase na gestão do agronegócio. Na França, orientou muitos
professores brasileiros em cursos de pós-graduação. Visitei seu laboratório de
pesquisas em Grignon e prestou importante colaboração na reestruturação da
formação agronômica em nosso país. Por isso, corri à editora e encomendei o
livro recém lançado. Alguém duvida que essa leitura seja duplamente prazerosa?
Outro exemplo
de prazer em dobro na leitura foi conhecer a história de um imigrante judeu que
chegou à Argentina em 1912 e cuja empresa gerida pela família se tornou a maior
produtora de soja daquele país. Os filhos formados em agronomia iniciaram, em
1980, um empreendimento moderno de produção da soja introduzindo conceitos de
gestão empresarial informatizada quando até mesmo a própria informática
iniciava seus primeiros passos. Em seguida expandiu seus negócios para o
Brasil, arrendando mais de 50 mil hectares de terras cultivadas com essa
oleaginosa. A leitura da história do imigrante argentino foi muito mais
interessante quando pude confrontar seu sucesso com o de grandes produtores
nacionais desse grão na região centro-oeste do Brasil e comparar o seu
desempenho em escala mundial. Os EUA ocupam o primeiro lugar com 90 milhões de
toneladas, em segundo o Brasil com 65, terceiro a Argentina com 30, seguindo-se
a China com 14,6 e a Índia com 10 milhões de toneladas/ano. Mais interessante
ainda foi saber que aquela família argentina tem elevado espírito empreendedor,
pois adotam práticas preconizadas em normas internacionais de controle de
qualidade na sua produção agrícola (ISO 14.000, 16.000 e 18.000), inserindo-se
no programa de certificação da RTRS (Round Table Responsible Soy Association),
a Associação Internacional de Soja Responsável. A certificação internacional é
de suma importância para quem quer ser reconhecido com um selo de qualidade. Há
mais de 10 anos tenho trabalhado com as normas ISO 9.000 para os serviços de
educação superior. Para o caso da soja as normas recomendam “boas práticas
agrícolas” e “respeito às leis ambientais”, como a responsabilidade com a
comunidade, oferecendo-lhe oportunidade justa de empregos; cumprimento das leis
locais, estaduais e nacionais; responsabilidade ambiental, com conservação do
solo, matas, mananciais, cuidados com as embalagens de produtos químicos;
responsabilidade trabalhista com assistência ao trabalhador, proibição de
trabalho infantil e de jovens em idade escolar, conscientização de direitos e
deveres e educação para o trabalho.
É lógico que
conhecendo e tendo vivenciado experiências relacionadas ao assunto que se lê o
prazer da leitura e as reflexões que dela decorrem são infinitamente maiores. É
por isso que afirmamos que além de cultivar o bom hábito adquirido em família e
nos meios acadêmicos, com o passar dos anos aumenta-se o prazer e cresce o
aprendizado. Isto porque a leitura nos permite compreender a mensagem,
entende-la por meio da análise crítica e armazená-la em nossa mente, criando
uma verdadeira biblioteca em nosso cérebro. Sempre que necessário fazemos a
recuperação da informação, associando-a as necessidades e problemas do momento.
Num estágio final desse processo leitura/assimilação/recuperação podemos então
comunicar, transmitir aquilo que aprendemos e até produzir nossos próprios
escritos.
O prazer da
leitura é ilimitado.
Paulo das Lavras
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