O Menino das Lavras
rememora e cumprimenta a cidade de São Paulo que, hoje, completa 459 anos e dedica
essa crônica às filhas gêmeas, paulistas, nascidas em São Carlos.
PORQUE GOSTO DE SÃO PAULO
Crônica de um menino mineiro (*)
Minas Gerais e sua gente estão ligadas a São Paulo não
apenas pela extensa linha de fronteira ou pela rodovia BR-381, que une as duas
capitais, mas sobretudo pela herança cultural e econômica. Foram os
bandeirantes Fernão Dias Paes Leme, Diogo de Fonseca, Borba Gato e outros
tantos pioneiros que iniciaram a verdadeira colonização dos sertões das Gerais.
Embrenhando por rios e florestas, vencendo as íngremes montanhas, em busca do
metal reluzente e outras pedras preciosas, plantaram a cada 20 ou 30 km um novo
povoado. Essa era a distância máxima que se conseguia vencer em um dia, a pé e
com a tropa de carga de víveres, armas, sementes e ferramentas. Foi assim que
surgiu a progressista cidade de Lavras, hoje verdadeiro polo educacional. O
vilarejo nasceu como “Santana das Lavras do Funil”, no início do século XVIII
(1712/20), rico em veios e lavras de ouro, quase às margens do Rio Grande, a 380
km do Planalto de Piratininga, berço dos bandeirantes.
Passado o ciclo do ouro, iniciou-se no século XIX o ciclo
do café. Mais uma vez a presença dos paulistas foi marcante na cultura e na
economia das Gerais. Os coronéis e os barões do café do Vale do Paraíba migraram
para Minas e lá plantaram raízes culturais e de café, naturalmente, cuja produção
era exportada pelo porto de Santos com destino a Europa.
Nas Lavras, fundada e colonizada pelos paulistas,
nasceu o menino criado à sombra dos cafezais, cavalgando manga-larga
marchadores pelos retiros de leite das fazendas de café e leite, tradição
herdada dos desbravadores e indutores do desenvolvimento daquelas plagas.
Cresceu ouvindo “causos” e estórias sobre a cidade grande de São Paulo, para
onde se dirigiam os parentes fazendeiros para vender café, queijo, manteiga e
comprar “novidades”, principalmente automóveis (Buick, Mercury) e caminhonetes
(GMC, Chevrolet, Ford).
Terminado o ciclo do café, os
paulistas invadiram o sul de Minas com suas possantes rádios emissoras que, nas
décadas de 1950 e 60 faziam muito sucesso com os programas de música caipira
(hoje, sofisticadamente chamadas de “Country Music”) das rádios Bandeirantes,
Tupi e Record (esta se situava na Rua das Palmeiras, no centro da cidade, conforme
anuncio para atrair o público para seu auditório). E tome lavagem cerebral. Os
paulistas vendiam de tudo pelo rádio, como as pílulas De Lussen, Passa-já,
Emulsão de Scott, cursos do Instituto Universal Brasileiro e, naturalmente, os
encantos da cidade grande, a Eldorado de toda a gente interiorana.
Em seguida surgiu a TV, e quem
chegou primeiro? Em Lavras, foi a TV Tupi-canal 4, de São Paulo em 1959. Havia
uma única tevê, instalada na loja do Sr. Haical Haddad, em frente à majestosa
igreja Matriz. Depois veio a TV Record com a Jovem Guarda de Erasmo e Roberto
Carlos, Vanderleia, Roni Cord, que onda! Que festa de arromba para as
cabecinhas feitas nas ondas do iê iê iê que vinham em preto e branco nas tardes
de domingo diretamente dos auditórios paulistanos.
Não havia como fugir da influência e
fascínio de São Paulo. Se na infância os adultos povoavam as cabecinhas com os
“causos” e estórias da metrópole, logo em seguida chegaram as rádios com seus
programas interioranos e, por último, na adolescência do menino das Lavras, os
“tremendões” da TV Record. No way...
não tem jeito.... São Paulo dominava completamente. Sua pujança econômica, com
a Av. Paulista (a nossa Wall Street) sediando as grandes corporações
empresariais, bancárias e industriais, o comércio, o MASP e o domínio cultural
com suas de espetáculos. No way...
Não tinha jeito!
Minha primeira visita a São Paulo
foi na década de 1960 , em trânsito para Londrina-PR. Aproveitei o pouco tempo
da “escala técnica” aventurando um passeio, a pé, até o Vale do Anhangabaú,
Viaduto do Chá, Av. São João e só, mais
não ousei. Gostei e prometi voltar. Depois, em 1963, por indicação de um
respeitado líder religioso de Lavras, Pe. Miguel Moretti, passei uma semana num
cursilho da C. J. C. - Comunidade de Jovens Cristãos, no Convento dos Freis Dominicanos,
da Rua Cayubi, bairro das Perdizes. Nesse endereço, poucos anos depois, mais
precisamente em novembro de 1969, os órgãos de repressão metralharam o
guerrilheiro Carlos Marighela, um dos principais organizadores da resistência contra
o regime militar. A hospedagem do menino, em sua segunda viagem, foi no CRUSP-
Centro Residencial da USP, recém-inaugurado no Campus do Butantã. Embora tenha
apreciado e aprendido bastante nesse estágio de uma semana, a visita mais marcante
foi quando o menino foi premiado por ter sido o melhor aluno das disciplinas de
Solos e Adubação, do curso de Agronomia. A premiação foi muito proveitosa, uma
bolsa-estágio na Companhia Paulista de Adubos-COPAS, a maior e mais importante
produtora de insumos agrícolas. Foram 30 dias de visitas à unidade industrial
de fertilizantes e propriedades rurais de produção hortifrutigranjeira no
cinturão verde da capital em Mogi das Cruzes, Suzano, Osasco, Taboão da Serra,
e outros. Chamou a atenção do então jovem acadêmico, a diversidade de cultivos
em reduzidas áreas de terras e o alto grau de tecnologia utilizado pelos
paulistas, geralmente descendentes de japoneses. Para um mineiro acostumado às
monoculturas de café, milho ou gado de leite em grandes fazendas, era um
“espanto” se conseguir tanto, em tão pequenas áreas, o suficiente bastante para
permitir a aquisição de carrões e mais, viagens de toda a família para visitar
os parentes na longínqua terra do sol nascente a 20.000 km.
Ainda nesse estágio visitamos também
grandes fazendas de café, milho, cana e citros na região de Ribeirão Preto,
Bebedouro e Colina, sempre acompanhados por técnicos experientes. Assim o menino enriqueceu seus conhecimentos e
habilidades técnicas, pois nunca vira antes tal escala de produção, quer na
indústria ou na agricultura propriamente dita. Bem, mas nem só de pão.... o
menino levou de volta para a casa a paixão gostosa de uma meiga e jovem
adolescente que, ainda hoje, a tem em boa reminiscência, pois morava no bairro
de Santo Amaro, próximo ao autódromo de Interlagos onde se hospedara.
No período de faculdade, nas Lavras
do Funil, houve excursões técnicas pelo estado de São Paulo, no Instituto
Butantã, onde se produziam vacinas, passando pelo Instituto Agronômico de
Campinas-IAC, ESALQ-USP-Piracicaba, Ibec Research Institute - IRI/Matão com pesquisas
de gado de corte e Fazenda Canchim/São Carlos. Tomar contato com os expoentes
da pesquisa científica e os avanços da tecnologia agrícola naquelas instituições
foi, sem dúvida alguma, um acréscimo considerável à sua bagagem
técnico-científica. Embora o curso superior de Agronomia se localizasse em
Minas, num centro de excelência, recebia muita influência paulista, quer no
treinamento pós-graduado dos professores ou mesmo através da bibliografia
técnica, quase toda produzida pela ESALQ-USP e IAC-Campinas. Mas, ainda na
faculdade, o garoto voltou a São Paulo para, em nome da turma de formandos,
contratar uma orquestra para abrilhantar o baile de formatura. O chique naquela
época, em Minas, era buscar orquestras famosas em São Paulo. Lá foi o menino,
“o jovem empresário de eventos”, a serviço dos colegas de faculdade.
E assim se fechou o ciclo. Anos e
anos de aculturação paulista através dos ancestrais, da família, rádio, TV e
finalmente da academia. Daí, a nota de rodapé referente ao título da crônica.
Mas, ainda não é tudo.
Recém formado, onde trabalhar? Tendo
sido selecionado por uma grande corporação multinacional do ramo de
fertilizantes, com sede no cruzamento das Avenidas Ipiranga e São João, para
trabalhar em marketing/vendas/extensão rural e também convidado para trabalhar
no ramo de planejamento agroflorestal e paisagismo, na capital mineira, optou,
por questão de perfil profissional, para as atividades de planejamento. Mas,
mesmo nesse emprego nas Gerais, não tardou muito e, logo em seguida, aterrizava
em Congonhas a bordo do Super Viscount da VASP, de prefixo PP-SRD, para
executar sua primeira tarefa profissional na capital paulista. Inenarrável foi
a emoção daquele menino dos rincões das alterosas contemplando, do alto, toda a
grandiosidade e majestade da metrópole paulista. Ao retornar, no dia seguinte, e
contemplando novamente da janela do avião aquele cenário grandioso do Tietê
serpenteando o vale e o aglomerado de arranha-céus, sentiu uma ponta de orgulho
profissional e pessoal, por ter obtido sucesso na missão que ali acabara de
desempenhar. Tudo que fez, viveu e aprendeu tinha muito a ver com isso e agora,
deixara ali o primeiro resultado, o primeiro produto de anos e anos de sonhos e
dedicação aos estudos. Sentiu-me realizado. Mas, a vida profissional do menino
que se tornara engenheiro estava apenas começando.
Na década de 1970, já como professor
da Universidade Federal de Lavras, o menino-engenheiro empreendeu muitas
viagens a São Paulo para equipar laboratórios, bibliotecas ou mesmo para
visitas de intercâmbio na USP. Mais tarde frequentou o curso de pós-graduação
de Engenharia Hidraúlica e Saneamento, na Escola de Engenharia de São Carlos,
da USP, com várias incursões nas estações de tratamento de águas e efluentes da
cidade de São Paulo, no bairro de Pinheiros. De São Carlos trouxe, de volta à
Minas, além do diploma de pós-graduação, duas filhas que nasceram no mesmo dia,
de um frio inverno que teve a noite mais longa do ano, segundo a manchete da
Folha de São Paulo, recortada e guardada como lembrança do maior presente que
São Paulo lhe dera.
Os laços com São Paulo não são
apenas atávicos, culturais e científicos. Há sempre um enorme prazer em ali
chegar, seja num voo panorâmico de helicóptero ou nos mais de 300 pousos e
decolagens nos aeroportos de Guarulhos e de Congonhas para missões oficiais nas
áreas da educação superior, pelo MEC e também na supervisão do exercício da
profissão da Engenharia, Arquitetura e Agronomia, como Conselheiro Federal do
CONFEA A passeio o prazer é igual e para quem pense o contrário, são Paulo é
dos melhores lugares para uma semana de férias., pois ali estão os maiores
museus culturais, casas de espetáculos, shoppings e exposições nacionais e
internacionais. Em qualquer época do ano sempre haverá atrações para todos os
gostos. No trabalho, pelas atávicas raízes culturais, o menino sente um gosto
diferente, nunca uma obrigação, sempre um prazer renovado estar no meio da
gente laboriosa, progressista e pioneira de 443 anos de história.
São
Paulo/Brasília, 06 de dezembro de 1996
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(*) Menino, mineiro
das Lavras do Funil, dependente atávico da cultura, ciência e tecnologia da pauliceia.
Crônica escrita a bordo do Boeing 737-300 PP-VOX, decolando de Guarulhos rumo a
Brasília em 06/12/96. Hoje, em 2013, São
Paulo comemora 459 anos. Parabéns
para os paulistas e em especial para duas paulistinhas, gêmeas, Luciana e Renata, minhas filhas, que hoje
moram no planalto central.
Luciana
Luciana