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Crianças na
faixa etária de 2 a 5 anos são as mais sapecas, pois estão descobrindo o mundo,
adquirindo independência do colo materno e tudo querem pegar, experimentar e
ter suas próprias experiências. São curiosas por natureza e aprendem explorando
e manipulando tudo que encontram pela frente. Um perigo! É nessa fase que
aprendem a linguagem e, o principal: desenvolvem a memória expandindo os neurônios
e formando sinapses (ligações/canais). É a fase mais importante da formação de
seu intelecto. Se tratada com carinho e sabedoria tem tudo para ser um adulto
“inteligente” e feliz. Assim dizem os especialistas e ainda nos desafiam: Quer
saber as raízes da violência? Pura e simplesmente crianças sem um lar,
abandonadas, sem carinho, atenção e escola.
Este menino, memorialista de sua época não pode se queixar. Relembra
hoje, com carinho, ainda que passados mais de 75 anos, um evento marcante, um duro golpe na saúde aos
dois anos de idade, quando, além da cura, houve efeito colateral benéfico, de
grande importância para sua vida.
A pleurite aguda, na criança de apenas dois anos de
idade, levou o médico a dizer aos pais, ali desesperados na ante-sala , ou
melhor na varanda do Hospital de Assistência à Creança (sic) e à Maternidade,
hoje Hospital Vaz Monteiro, então recém-inaugurado: “... o estado de saúde do
menino é gravíssimo. Se operar é possível que não resista e venha a óbito.
Porém, se não o operarmos morrerá em poucas horas”. Desesperados, angustiados e
aos prantos, a mãe e o pai autorizaram a grande cirurgia torácica, contava ela
a todos. Ano 1947, poucos recursos na medicina, ressalva apenas para a chegada
da Penicilina, santo remédio descoberto durante a 2ª Grande Guerra, Salvava
tudo e foi a minha salvação. Um buraco de seis
centímetros de diâmetro nas costas de onde foram removidos pedaços de três
costelas. Por ali, carreguei uma enorme sonda de borracha, mais parecendo uma
mangueirinha de abastecimento daqueles antigos filtros de água de beber, instalados
na cozinha, próximo à pia. Foram nove meses de convalescência com aquela
estrovenga presa nas costas e pela qual, além do dreno, saía o som das
contrações respiratórias em grande sibilado. Não havia quem não se compadecesse
e temesse pela sobrevivência do debilitados garoto. Grande problema, aquela
sonda. Como conter uma criança daquela idade sem que ela própria arrancasse
aquilo? Colo! Dizia a mãe, acompanhada por outros familiares. Contavam a todos com muita
ternura que foram nove meses na barriga e mais tarde outros nove meses no colo, literalmente. E
foi assim que a criança foi tratada com todo carinho, cuidados e atenção em
tudo. No colo o dia todo, dormia no colo e ao acordar já era recebido pela
dedicada mãe. Era um tal de contar histórias, inventar brinquedos, cantar e
responder a tudo que o menino indagava com sua aguçada curiosidade infantil. Incrível
que ainda me lembro da figura de meu pai, comigo debruçado ao seu colo e rosto
apoiado em seu ombro, a andar para lá e para cá entre a grande sala da fazenda
e seu quarto e sempre a cantar a mesma canção de ninar. Sim, quase sempre a
mesma, a sua preferida, embora o repertório brasileiro de cantigas de ninar
seja bem vasto, com influências indígenas e africana, pois em todas as fazendas
do sul de Minas havia, ainda na década de 1940/50, descendentes de escravos, as
nossas amas-de-leite, babás e mais tarde , depois dos três ou quatro anos de
idade, o menino-de companhia. Havia histórias e histórias e cantigas bem
populares como o “dorme-nenê” que, as vezes vinham acompanhadas de certa
ameaça, como naquela estrofe que dizia “se o nenê não dormir o tutu vem
pegar... A história do tutu vem do folclore africano, como também a do homem
que roubava crianças e as levavam no saco às costas. Esta, eu consegui
descobrir sua origem, e era real, passada na África e a relatei em crônica que,
na verdade será um capítulo do livro sobre a genealogia de minha família : A escravidão nos tempos da colônia: Os Salles,
o trabalho escravo e ascensão social dos negros em Lavras.
Estar no colo, acarinhado por todos, ouvir inúmeras cantigas de ninar e ter a curiosidade natural de criança estimulada com todas as respostas às perguntas, sentir-se querido e em constante contato físico do aconchegante abraço, fez enorme diferença na formação intelectual e do caráter do menino. Criança feliz, adulto feliz dizem os especialistas. Se por um lado as história infantis remetiam as criança a um ciclo angustiante, com história aterrorizantes do lobo-mau, Joãozinho e Maria perdidos na floresta, atirei o pau no gato e tantas outras, qualquer uma dessas e outras que eram contadas ao menino, não ficavam sem perguntas. Tinha o tempo todo de atenção dos adultos que o pajeavam e assim eram obrigados a contar detalhes que o menino indagava. Isto, certamente criou-lhe o hábito de tudo perguntar e para tudo exigir resposta. Por que Joãozinho e Maria não levaram pedrinhas em vez de migalhas de pão para marcar o caminho de volta? Como alguém conseguiu tanto chocolate para construir uma casa inteira com esse produto? Como o lobo mau conseguia derrubar a casa de madeira com a ventania de seu sopro e não conseguiu correr atrás dos porquinhos e pegá-los? Minha mãe- sempre avisava aos adultos que não era fácil contar histórias para o menino falante que a tudo indagava. E as histórias comuns nas fazendas giravam quase sempre em torno de bichos espertos como o coelho, o bicho enfolharado, a onça ladina que bebia água na fonte e espreitava os demais animais, o cabrito que construía a casa num dia e folgava no outro e justo nesse dia de folga outro bicho aproveitava a “ajuda” desconhecida”... Muitas histórias eram de origem europeia a temida Floresta Negra, era o palco da maioria delas. Certa vez, já adulto passeei numa BMW esportiva no circuito de fórmula 1, de Hockenheim, na Floresta Negra Schwarzwald, nas proximidades da histórica cidade de Heidelberg, na Alemanha e surpreso passei pelo interior daquela temida Floresta Negra , a Schwarzwald . Ah, perdi o interesse pela pista, onde Airton Sena era o rei da velocidade. Ao ver o nome do lugar e contemplar aquelas enormes árvores centenárias, disparou o gatilho do subconsciente e as imagens dos contos da infância vieram à tona. Haveria bichos de verdade por ali, as feras descritas nas historinhas infantis dos irmãos Grimm ? Foi uma sensação inenarrável, desmanchando-me em doces lembranças, com saudades da pátria, da fazenda com suas matinhas que também nos amedrontavam, riachos e o majestoso Rio Grande. Lágrimas desceram e o amigo, dono do carrão, ficou sem entender a reação do menino de 40 anos que acabara de voltar no tempo e se tornara menino novamente.
Pois bem, voltando
à infância, o menino se recuperou da cirurgia em longa convalescência, ficando
apenas com a lesão de pequena importância nas costelas e ligeira necrose na
base pulmonar, provocada pela longa demora
no uso da sonda pulmonar. O mais importante desse período de
convalescência foi a atenção e o carinho de toda a família e agregados que se
revezavam com o menino no colo. Pôde desenvolver a fala, o raciocínio lógico e
demais habilidades próprias da faixa etária, em proporção infinitamente maior
do que em qualquer outra criança. Menino espevitado acabou se metendo em outra
enrascada. Aos cinco anos, brincando com uma tesoura feriu seu próprio olho
direito. De Lavras para Varginha, direto para o consultório do especialista em
oftalmologia, Dr Oswaldo Valladão. Não teve jeito, perdeu a visão do olho
direito. Aos 30 anos, já em Brasília, para onde havia se transferido, procurou
uma das melhores clínicas oftalmológicas e disse ao médico: quero um implante
ou transplante de retina, não importa o que seja, para voltar a enxergar de
novo com esse olho cego. O médico gargalhou com ironia (era meu amigo e
vizinho) e disse: meu caro professor, nem um olho biônico o fará enxergar! Seu cérebro não criou trilhas de
luz para formar imagens. Você não tem os circuitos neurológicos pois nunca
entrou luz pela sua retina, cuja cicatriz do acidente fechou a lente natural. Agora, cego é o seu cérebro,
desprovido das sinapses neurais, pois a retina nunca desenvolveu as células
fotorreceptoras que transformam as ondas luminosas em impulsos eletroquímicos.
Esses impulsos seriam levados ao cérebro que os decodificam em imagens. Triste,
lamentei os poucos recursos da ciência naquele ano de 1950. Hoje já está tudo
mudado e os avanços são notáveis e esse pequeno acidente doméstico poderia ser
tratado e salvo a visão.
Os cuidados da família com o menino foram
intensos, com muita dedicação. Uma delicada cirurgia aos 2 anos e agora, aos
cinco, cego de um olho. Havia um tio, Pedro Resende Botelho, casado com a minha
tia verdadeira, que muito se preocupava e tinha especial zelo para com o
franzino menino, que passou muito tempo no colo, literalmente e ainda perdeu a
visão de um dos olhos. O menino nem sabia desse cuidado e foi tomado de
profunda emoção quando, cinco anos atrás, ou seja, 70 anos depois, soube pelo primo homônimo de seu pai, Pedro Resende
Filho, que contou pelas redes sociais, que seu pai lhes passava expressa
recomendação de “não brigarem” com o menino que era mais fraquinho e não
enxergava de um olho. Surpreso, setenta anos depois, entendi que havia um
código de toda a família de ambos os lados de meus pais, que ninguém poderia
“agredir” o menino. Verdadeiro código de amor, que era praticado desde então
por meus pais que se dedicaram ao máximo para salvar o menino renascido da cirurgia
e vítima de acidente ocular. Só então, depois daquela revelação do primo, que
tinha vários irmãos, companheiros de brincadeiras na infância, compreendi
gestos do tio que até então me passavam despercebidos. Tio Pedro dedicava
especial atenção ao menino, gostava de ver seus boletins escolares e elogiava o
desempenho no colégio. Admirava-se ao vê-lo frequentando cursinho
pré-vestibular, quando ainda cursava o 2º ano do colegial, aos 16 anos. Não
bastasse essa atenção, depositava, ainda, extrema confiança: emprestava sua
linda Vemaguete DKVVemag, para o menino recém habilitado motorista. Carrão da
época, novinho, que sequer emprestava aos filhos. O Paulinho pode, dizia ele,
pois era menino estudioso, comportado... rsrs. Puro amor que somente agora
percebi, ou melhor fui informado pelo filho. Pena que não pude dizer a ele, o
tio, diretamente, o quanto sou grato por essa amor gratuito, afeto espontâneo,
próprio de quem tem um grande coração. Em 1968, quando o menino já trabalhava
na profissão da Agronomia - Parques e Jardins, em Belo Horizonte, ele foi me
visitar, orgulhoso por ver o sobrinho bem encaminhado. Poucos anos depois
faleceu prematuramente, com insidioso mal pulmonar que lhe exigia o constante
uso de uma bomba de oxigênio. Há pessoas que passam pela nossa vida
distribuindo amor, benção que Deus nos manda e que nos tornam mais leves e
felizes. Se fui uma criança feliz, apesar dos percalços de saúde, carreguei
comigo o amor que a família plantou em mim, desenvolvendo a memória e caráter privilegiados.
Sim, fui um menino especial, amado, cuidado e educado com muito carinho. Por
isso, confirmo a regra da Psicologia, descrita em todos os compêndios:
Criança Feliz, Adulto Feliz. Amém!
Brasília,
29 de fevereiro de 2024
Paulo das Lavras
cuidar do menino convalescente.
Foto: acervo da família - 1956
Alguém da própria família observou que as três meninas se vestem com o mesmo figurino e isto
era muito comum nos anos 50. Mães compravam peças de tecidos e contratavam costureiras
em casa. Sapatos, meias e penteados, tudo
igual... naquele tempo não havia moda consumista.
Foto: Gil Resende, final dos
anos 60
Foto: acervo da família Rezende
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