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Morar distante
da terra natal, e já por quase 50 anos, às vezes nos traz um sentimento de
solidão. Parece que nos falta algo. Nossa mente está sempre voltando ao passado
em busca de algo perdido e escondido nos escaninhos da alma. Repousando na rede
da varanda da chácara, ouvindo e vendo os passarinhos cantarem, o canarinho da
terra com sua cabeça cor de fogo, amarelo-ouro (assim os chamávamos na
fazenda), o sabiá-laranjeira, e o bem-te-vi, joão-de barro, tiziu, rolinhas,
maritacas, periquitos e tantos outros, incluindo tucanos e araras que povoam as
matinhas ao redor, parece que a alma flutua e voa para bem longe. Em fração de
segundos aterriza nos lugares onde passamos a infância rodeado pela natureza e
os amiguinhos. Às vezes, nesses devaneios, daqui do Planalto Central, me pego
ali no alto da chegada da fazenda onde nasci, no sul das Minas Gerais
montanhosas e dali, numa contemplação de 360º, com vista livre para os quatro
cantos do horizonte, “vejo a cidade de Lavras a apenas 16 km, a Serra da
Bocaina, a rodovia Fernão Dias que nos leva a São Paulo e tantas outras cidades
sul-mineiras. Ah..., então exclamo para mim mesmo: “Não me falta nada, nem
ninguém!” Está tudo aqui, ainda que apenas nos sonhos, devaneios da alma que se
compraz com a alegria, o amor , a felicidade de tanto tempo atrás. “Vejo e
sinto os lugares, os sons e os perfumes” (especialistas dizem que as memórias
mais marcantes e inesquecíveis são os cheiros, os odores e os sons afetivos que
ficaram gravados em nossa alma). E assim, nesse devaneio “vejo” a fazenda, os
pássaros, as belezas das flores cultivadas nos jardins que rodeavam a casa.
Tudo ali está, até mesmo o desejo do menino de escalar a montanha que se
descortinava à janela da cozinha, logo à primeira hora do café da manhã. Ainda
hoje recordo as perguntas, a curiosidade do menino de cinco anos: “Se eu subir
naquele alto, o que verei do outro lado? Um rio, mata fechada, bichos ferozes
ou uma cidade?”. A preocupação com os bichos ferozes (nem existiam) era porque
os pais viviam a colocar medo nas crianças arteiras, que se distanciavam das
casas em perigosas aventuras. Era o
chamado bicho-papão ou o homem-doido que roubava crianças e as colocavam num saco
de aniagem, às costas. Coincidentemente todos os andarilhos carregavam um saco
desses às costas, sempre cheio de bugigangas... Tinha que ser verdade o que as
mães diziam e com isto nem nos aventurámos a ir mais longe.
Não falta
nada, nem ninguém? Ah... um leve torpor da alma, seguido do despertar do doce sonho
e vêm à mente a saudade dos irmãos, da família e dos primos que frequentavam a
fazenda nas férias ou mesmo em casa na cidade. Eram nossos companheiros de caçadas,
natação nos riachos de grandes volumes de água ou na lagoa da Jacuba à margem do Rio Grande, na outra fazenda onde
ficavam o gado de recria e as vacas em período de prenhez. Então a figura dos
primos vem à tona com maior força, pois eles formavam aquela rede de proteção
da infância e sem cobranças. Me lembro de um ditado dos sírio-libaneses
residentes em Lavras, minha cidade natal, que dizia: Eu e meu irmão contra o
primo, mas em caso de briga com estranhos, somos eu, meu irmão e o primo contra
o inimigo”. Bem assim mesmo e hoje, separados, distantes pelas circunstâncias
da vida profissional em diferentes lugares, resta-nos aquele profundo
sentimento de afeto formado ao longo de toda a infância e juventude e que
jamais esquecemos. Com eles crescemos, brincamos, estudamos, passeamos e mais
tarde até passávamos temporadas de férias em suas casas, em locais bem
distantes, como Rio, Londrina, Volta Redonda, BH, Nepomuceno, Ribeirão Vermelho
e outras. Vibramos com eles quando ingressaram na faculdade, no primeiro
emprego ou quando se casaram. Havia um primo, de saudosa memória que estudava
medicina na Universidade de Coimbra. Como era bom receber cartas e cartões
postais de Portugal e da Europa. Me lembro da primeira formatura em curso
superior, de uma prima, na Universidade Estadual de Londrina. Também ficou
marcada em minha memória a visita de um primo ao meu local de trabalho (recém-formado)
em Belo Horizonte. A este, preguei-lhe uma boa peça. Fui proferir palestra para
o CREA-PR em Londrina e do hotel liguei anonimamente para o primo, dizendo-lhe
que deveria comparecer ao hotel para receber uma encomenda de um parente dele
que residia em BH. Baita surpresa! Outra prima, residente no Mato Grosso cujo
casamento aconteceu em 1962, em São Paulo e foi esta a última vez que a vi, avisei-a sem me identificar (50 anos depois do
último encontro) que passaria em sua casa para deixar encomenda que pediram
para lhe entregar. Sem reconhecer-me, de terno e gravata e em carro da
Universidade, convidou-me para entrar e tomar água e cafezinho. Ainda sem me
reconhecer, no decorrer as conversa mencionei que o nome da rua me era
familiar, pois eu havia conhecido um rapaz com aquele nome e que se casara com
uma linda moça mineira (ela própria, a prima anfitriã, viúva do homenageado com
nome de rua). Foi uma emocionante
surpresa, regada a lágrimas, descobrir que estava falando com seu primo que
fora ao seu casamento, 50 anos atrás.
Primos são
assim. Acertou quem afirmou que eles são a rede de proteção na infância e que
suas memórias ficam gravadas para sempre na nossa mente. Jamais serão
esquecidos, pois fazem parte do que mais caro temos: a memória afetiva.
Um abraço aos
primos de longe, desse Brasilzão todo e aos amigos que moram em nossa memória
afetiva.
]
Brasília, 25
de fevereiro de 2024
Paulo das Lavras
Londrina - PR – jan. 2013
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