“Já tive medo de morrer. Não tenho mais. Tenho
tristeza. A vida é muito boa. Mas a Morte é minha companheira. Sempre
conversamos e aprendo com ela. Quem não se torna sábio ouvindo o que a Morte
tem a dizer está condenado a ser tolo a vida inteira.” — Rubem Alves
... e acrescento, feliz daquele que cuidou da vida de seus entes queridos preparando-os para a partida. Somente assim a alma será recompensada com a alegria do amor dedicado aqueles que sempre nos amaram. Viva sua vida de forma que o medo da morte nunca possa entrar em seu coração.
Hoje, Dia de Finados, é um
momento propício para a reflexão sobre a morte e vida. Não gosto, como a
maioria das pessoas, de pensar e tampouco falar sobre a morte. Medo? Não!
Prefiro a alegria da vida. O que é a vida? Assim perguntou Rubem Alves em sua
obra “Sobre a morte e o morrer” e prossegue com mais perguntas intrigantes: “Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que
e quem a define? Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. O que sinto é uma
enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana: Morrer, que me importa? (…) O
diabo é deixar de viver. A vida é tão boa! Não quero ir embora”. Ninguém quer ir embora, deixar a vida. Para
quem já foi salvo em quatro ocasiões de iminentes fatalidades até que faz
sentido. Poucos se livraram da morte iminente por tantas vezes como eu. A
primeira por gravíssima pleurite, com apenas dois anos de idade, submetido a
grande cirurgia e longo período de convalescência, incluindo um dreno nas
costas, que obrigou o menino a ficar quase que 24 horas/dia no colo durante nove
meses. Milagre, diziam os pais e demais familiares. A segunda visita da morte
foi quando se afogou, aos quatro anos e a mãe conseguiu ressuscitar o quase
desfalecido menino resgatado do fundo do enorme tanque reservatório de água. Bem
mais tarde, já trabalhando na capital mineira, foi vítima de gravíssima doença
pulmonar, tendo o médico recomendado que levassem o rapaz de 23 anos de volta
para Lavras..., para morrer! Muito tempo depois, aos 44 anos, sofreu acidente
aéreo quando o avião ao aterrissar despencou de certa altura, a 300 km/hora e
despedaçou-se com a metade na pista e metade no aterro. Conseguiu, mais uma
vez, se salvar “nadando” em meio a toneladas de combustível espalhado ao redor.
Dessa vez sentiu, em pânico, o roçar da foice daquela repugnante figura da
senhora vestida de preto. Portanto, estou ganhando de 4 x 0 da dona Morte, desde
os 44 e agora já aos setenta e cinco anos de idade.
Utopias à parte, o poeta está certo. Que coisa mais sem graça ser colhido no meio da festa (a vida, a convivência com a família e amigos), interromper tudo sem aviso prévio e depois os amigos vão esvaziar suas gavetas, seu guarda roupas, seus livros, seus mimos, como que apagando todas as pistas que você deixou durante uma vida inteira. Que coisa cruel, não para você que se foi, mas para aqueles que ficaram e choram a sua lembrança. Só quem já perdeu abruptamente entes queridos sabe avaliar essa dor irremediável. Para aqueles que já ultrapassaram a faixa da morte prematura é mais fácil. Não tenho medo da morte. Ela é consequência natural. Tudo que vive, certamente um dia fenecerá e isto é inexorável. Tampouco acredito que haja vida após a mesma. Penso que a vida é uma dádiva de Deus e que devemos vivê-la de tal modo que ela, por si só, se torne uma jornada feliz, alegre, em paz consigo próprio e com todos que o cercam ou, em outras palavras, com amor. E isto é o céu! Somente assim, com amor e paz, podemos vencer essa caminhada de 80, 100 ou que sejam apenas 20 anos ou ainda menos, com a certeza que praticamos o bem, cumprimos nossa missão. A qualquer hora que ela, a morte, vier nos buscar nos encontrará felizes e sem nenhuma dívida (falta) para com os amigos e aqueles com os quais convivemos. Tenho certeza que assim procedendo será mais fácil para aqueles que ficam. Assimilar a partida final não é fácil e morrendo “feliz” os amigos terão o conforto de que você praticou o bem e que suas faltas involuntárias nem contam diante do saldo positivo que deixou para todos.
Definitivamente, não precisamos temer a morte. Ela é sorrateira, chega sem avisar, mas, para tanto basta que vivamos com alegria e paz no coração. Seus entes queridos saberão que você viveu bem, partiu em paz consigo próprio e todos. Essa é a grande benção de Deus e isto já é o Céu, dizem alguns. A vida inclui a morte. Esta chega quando é tempo e há tempo para tudo, diz a sabedoria. Quero me preparar para a hora (in)certa. Que chegue mansa, pois acho que já paguei a minha cota de acidentes graves e doenças que requereram delicadas intervenções cirúrgicas. Mansa e sem muitas dores, e cercado pelos entes queridos. UTI? Nunca! Presenciei muitos amigos nessa situação. Longe de mim os tubos de respiração artificial, desfibriladores e toda a parafernália das unidades de tratamento intensivo. Há tempo para tudo, inclusive para ela, a morte, que deve ser encarada como missão cumprida. Rubem Alves definiu isso muito bem quando disse que “permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia”. Finalmente, quero que o meu tempo acabe antes que eu saiba. Vida é a senha da felicidade. É curta, por isso ame-a, pois quando você fica mais velho, tem uma urgência tão grande de viver, que não quer desperdiçar seu tempo com bobagem. Quando jovens estivemos, todos, muito voltados para a carreira, sucesso, para ganhar dinheiro, mas quando chegamos à velhice, valorizamos mais os afetos, o que não pudemos ter enquanto estávamos trabalhando. A morte é a única certeza que temos e cada um deveria, portanto, treinar a morte durante a vida, assim estaria mais tranquilo quando chegar a sua hora.
E hoje, Dia de Finados, rememoremos, pois, nossos entes queridos que já se foram, lembrando-nos das alegrias que eles nos proporcionaram em vida e com a certeza de que também lhes retribuímos o carinho e o amor deles recebidos, especialmente com a atenção nos preparativos para a sua partida. Feliz aquele que cuidou de seus entes queridos. A saudade é dolorida, mas a recompensa do amor é maior.
Brasília, 02 de novembro de 2020
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