Não
fui capaz de passar, ou melhor, suportar esse fim de semana em minha chácara,
embora com muito sol e sem o frio que ainda assolava a região há uns dez dias ou
pouco mais. À chegada, no entanto, até
me encantei e corri a apreciar e fotografar as belezas das flores dos ipês
amarelos, das acácias rosas, ambos com suas enormes árvores de mais de vinte
metros de altura. Também as bugainvilles explodiam em cores, as orquídeas nos
troncos de árvores à sombra nos encantavam pelo seu deslumbramento em cores
multivariegadas. Mais adiante, à beira do lago o cipó rosa enfeitava a cerca
viva margeando o lago, numa linha florida de trinta metros de extensão,
lembrando as enormes caudas coloridas de pipas , ou papagaios como se dizia na
minha terra natal, nosso brinquedo favorito nos meses de ventanias de julho até
meados de agosto. Esta linda flor, o cipó rosa, foi presente de um casal amigo,
de Lavras, distante quase 1.000 km, que a produziu especialmente para me
presentear. Pois bem, a beleza
paisagística era tanta e o deslumbramento tal, que, simplesmente, saltei do
carro, deixando a cargo do caseiro a tarefa de descarrega-lo das poucas tralhas
que sempre levamos para a chácara nos finais de semana. Corri a fotografar as
belezas e ainda pude assistir ao duelo de dois tucanos de bico amarelo contra
vários bem-te-vis em defesa de seus ninhos com filhotes.
Naquele
périplo da “trupe” de cães que me acompanhava, alegre e quase sempre me
derrubando, notei a falta do “amigo” mais velho. Acordei daquele transe
encantador em meio a tanta beleza natural das flores em perfeita harmonia
paisagística e dos cães de guarda que, como sempre, pulavam ao redor, brigando
entre si na disputa de quem conseguiria lamber o rosto do “amigo/pai” que
acabara de chegar. “Acordei” e me dei conta de que faltava o maior e mais
antigo deles, Argus. Aliás, já no portão notei sua falta, o enorme e fiel cão
da raça Fila, amarelo dourado. Era o “dono” do terreiro, com seu latido forte,
era sempre o primeiro da calorosa “fila de recepção” do beija-mão, ou melhor,
beija-rosto, lambidas e lambidas perigosas, pois sempre havia um outro a
disputar e a empurrar e a morder o concorrente. Esse era o agitado ritual e
muito barulhento, ali no portão de entrada da chácara. Dizia o caseiro que ele,
Argus, de apuradíssima capacidade auditiva, era o primeiro a identificar o
barulho, o som característico de meu carro, alguns minutos antes e então saía em
disparada para o portão de entrada, acompanhado pelos outros cães. Pelo tempo, imagino
que o carro ainda estaria a uns dois quilômetros de distância. E sempre
admirava aquela sua capacidade de identificar sem erro a minha chegada. Mas,
também, em tom de brincadeira, eu dizia ao caseiro que, então, se eu quisesse
um dia flagrar o empregado dormindo eu teria que vir em outro carro
desconhecido, já que os cães denunciam a minha chegada alguns minutos antes.
Ao
adentrar o portão, o carro nunca podia se movimentar a mais que 5 km/h e necessitava
de frequentes freadas bruscas de modo a evitar-se o atropelamento de algum
deles que, tangido pelos outros em disputa da primazia de se aproximar da porta
do motorista, era lançado contra o veículo. Lugar, aliás, sempre ocupado pelo
mais velho de casa, o bonito Argus, imponente com seus 60 kg de peso. Pois bem, encerrei o périplo em meio aos
jardins, postei algumas fotos compartilhando a alegria com meus fiéis amigos nas
redes sociais e fui à procura daquele que um dia fui buscar, ainda filhotinho,
num famoso canil de reprodução, distante mais de 60 km da capital, na vizinha
cidade de Luziânia-GO. Ali peguei aquele
filhotinho de pelo aveludado, amarelo dourado,
patas enormes e vigorosas que já indicavam que no futuro seria um animal de
grande porte. Nascido nos primeiros dias de agosto de 2011, foi a alegria das crianças quando chegou o
filhotinho de cinquenta dias. Cresceu entre outros dois outros filhotes
adotados para fazerem-lhe companhia. Logo, logo, Argus se revelou o mais forte, mais valente e constante
companheiro de minhas caminhadas pela chácara. Se atravessava o cercado e me
dirigia para outras áreas, como galinheiro, pomar, horta, piquetes e baias dos
cavalos, estatelava-se na porteira e ali
ficava imóvel aguardando meu retorno. Às vezes adentrava essas áreas, mas não
perturbava, nem mesmo ao cavalo Ciclone que vinha receber de minhas mãos um
agradinho, como uma cenoura ou banana que o manga-larga marchador adorava. Ali, na área proibida aos cães, Argus se limitava
a sentar-se e olhar e nunca avançou sobre o cavalo. Ao contrário, os vira-latas
quando entravam naquela área cercada com tela, justamente para separa-los,
infernizavam a vida do cavalo. Argus se
portava como um gentleman, sentava e esperava o dono se afastar do cavalo.
Assim se portava também ao final das tarde em quando nos despedíamos. Não acompanhava
o carro e nem ia até o portão. Ficava sentado à porta da sala, triste a
contemplar a partida e como a dizer...
até a próxima semana.
Não
sei o que outras pessoas pensam, mas estou convencido de que a proximidade com
a natureza, com a beleza das flores, dos cursos de águas cristalinas que formam
os lagos e nutrem as plantas e mata a sede do homem, as disputas entre os cães
para “agradar” o dono ou até mesmo a luta momentânea dos bem-te-vis contra tucanos
e em defesa de seus filhotes, nos torna mais amorosos, afetuosos, gratos a
Deus. Tornamos-nos mais genuínos em meio a tanta sensibilidade e a beleza que é
estar vivo. Estar vivo em tempos de pandemia já é por si uma dádiva e estar no
meio dessa Natureza é ainda mais reconfortante. A ausência do animal de estimação,
para sempre, pois tive que levar Argus para os cuidados de um médico veterinário,
também se insere nesse contexto da natureza e nos torna mais sensíveis. Assim é
a vida, com amor acima de tudo! Argus se foi para sempre, naquela tarde de sábado,
29 de agosto, exatos nove anos depois de sua chegada. O inimigo mortal, o câncer, o levou, mesmo depois de uma cirurgia
treze meses antes. Restou-lhe esse tempo de sobrevida, com todos os
cuidados e amor que merecia. Dei-lhe um
último adeus, antes que o veterinário interviesse, um afago em sua pesada
cabeça que tantas vezes me empurrava como a dizer..., estou aqui! Assim é a
vida e a natureza é a mais bela fonte de bem estar para nossa alma. E se
naquela manhã de ontem, sábado 29 de agosto, me senti inebriado, alegre, feliz em
meio às flores e pássaros ali na chácara, a tarde não foi assim, pois perdi meu
fiel guardião que me proporcionou alegrias por nove anos. Mas, assim é a vida e
tenho muitas outras histórias verdadeiras sobre esses amigos que a natureza nos
oferece. Uma delas, inclusive, foi publicada na lendária Revista Seleções do
Readers Digest e aqui a indico, juntamente com a última foto, o link do blog
onde se encontra disponível para leitura.
Os
animais representam muito na vida do homem, são companheiros na Natureza.
Cuidemos deles. Amar essas criaturas de Deus nos fazem mais felizes, equilibrados,
em paz com a vida e assim, também, em harmonia com o Criador podemos amar muito
mais nossos familiares e amigos!
Brasília,
30 de agosto de 2020
Paulo das Lavras
Argus,
meu vigoroso e valente guardião em todos os lugares da chácara. Ninguém se
aproximava. Não gostou nem de minha filha que se aproximou da rede de descanso
do guerreiro e o fotografou. Ficou bravo e pôs-se a rosnar... A filha se assustou
e reclamou. Respondi-lhe..., nada de reclamar, pois o cão está cumprindo sua
obrigação de guardião do rei..., e aqui sou o único a reinar, lendo meu livro...rsrs.
Agora
minha rede não vai mais balançar por sobre aquele fiel guardião.
Foto - nov 2013, Argus com apenas um ano de idade
Filhotes de mesma idade, dois meses. Argus e dois outros sem raça definida, recebidos por adoção para lhes fazerem companhia. Criados juntos, ensinam-nos os adestradores, o cão se torna mais dócil, sociável.
Foto- out.2011
Com
apenas seis meses de idade, Argus já dominava o território.
Argus, com oito meses e ao lado de outro Fila tigrado mais velho.
Várias
raças de cães passaram pela chácara, pastor alemão, vira latas (ótimos
companheiros para os Fila), boxer, pointer e outros, mas, nenhum se comparara ao
vigor e fidelidade da raça Fila Brasileiro. Onde você estiver ele está junto e
ninguém se aproxima, pois ele intimida e afasta quem quer que se aproxime.
Dois Filas Brasileiros, diferentes do Argus, tigrados e um pointer no meio deles.
Foto: abril de 2007
Pantera
a primeira da raça Fila amarelo dourado a viver na chácara
Foto: 1983
Um
boxer na chácara, ainda filhote
Foto: 2003
Bob,
o primeiro cão da chácara- 1983. Um SRD, adotado após ter sido atropelado na
rua e tratado por uma colega veterinária que o presenteou à minha filha que
orgulhosamente o comandava, como visto na foto. Desde então nunca mais ficamos
sem uns
três ou quatro cães na chácara.
Foto:
1983
Em meio às flores do jardim, ainda assisti na manhã de ontem, a batalha de dois tucanos (no alto do pinheiro), quando em retirada sob ataques dos bem-te-vis (um dos quais aparece em baixo à esquerda da foto, no último galho) que ferozmente defenderam seus filhotinhos no ninho.
1-
O
adeus final cortando coração de quem um dia o trouxe no
colo
e agora afaga sua cabeça, num último gesto antes da intervenção do veterinário.
Foto: 29/08/2020
1-
Candu-
o Super dotado, vira lata de raça predominantemente Pointer, o mais inteligente
que já passou pela chácara e que rendeu uma bonita história, publicada na
lendária
Revista Seleções do Readers Digest (edição de abril de 2012 pag 137). Veja também e se alegre com essa bela história no blog:
http://contosdaslavras.blogspot.com/2014/10/candu-o-adotado-superdotado.html
Belíssima declaração de amor a seu cão .
ResponderExcluirAmo os animais.Sempre tenho um em casa .
Quando partem deixam uma tristeza imensa .
Grande abraço.
Pois é bem assim, a natureza nos ensina a amar a vida e nela, a natureza, os cães se destacam como amigos verdadeiros. Aliás quem me disse isso foi um gringo, em Washington. Por outro lado, só mesmo quem gosta desses bichinhos toleraria uma cheirada no cangote, como me aceonteceu num bom restaurante na capital francesa. veja: http://contosdaslavras.blogspot.com/2013/01/amigosem-washington-aprendia-prestar.html
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