Esse
lago e a passarela do Redondo têm história. “Carregam” nossa juventude...
Foto: Adivar Roquini – 2016
Banho
em praça pública? Sim era comum se fazer isso no “jardim” de Lavras. Mas, só me
lembrei disso porque uma amiga, Maria Aparecida Possato, escreveu nas redes
sociais um belo texto, perguntando para onde foi, ou onde está a sua juventude.
Descreveu algumas passagens pelo belo Jardim de Lavras, cujo nome oficial é
Praça Dr Augusto Silva. Falou de flores, o “footing”
no Redondo, que vem a ser a passarela circular do lago e sua fonte artificial
iluminada, onde os rapazes e moças, quase sempre adolescentes, desfilavam. Aqui
abro uns parênteses para dizer que esse footing
no Redondo, como também no Rela, local onde desfilavam as moças e rapazes
adultos, em frente à calçada do sobrado do Capitão Evaristo Alves, avô de Rubem
Alves, famoso filósofo e escritor. A animação era intensa aos sábados e
domingos, de 07:00 às 09:00 h da noite. Ali apenas se trocavam flertes e
iniciavam-se namoros. Dizia a lenda que havia uma terrível fera que escapava
àquela hora da noite, às 21:00 horas, e devorava as moças. Era o temível “Leão
das nove”. Nove badaladas e as meninas “evaporavam”, corriam para suas casas e
aos meninos nada restava a não ser ir para casa, pois eles também tinham o
horário de chegar em casa. Na verdade, as mães zelosas não permitiam que suas
filhas andassem nas ruas após aquele horário. Costume que perdurou até os anos
1970, quando o Movimento de Liberação Feminina queimou sutiãs em Atlantic City,
em Nova Jersey, nos EUA, e assim também decretou a morte do Leão das Nove, em
Lavras, a 10.000 km de distância.
Mas,
voltando ao belo texto de nossa amiga, ela arrematou-o em forma de sofrido
lamento perguntando “onde foi parar a sua juventude, tão vivida, cheia de
amores, florescendo nos bancos do jardim, *rodando* no redondo, flertando,
repleta de esperança...”, restando a presença das marcas que outros deixaram em
sua vida, cicatrizando e envelhecendo-a? Para onde foram a sua mocidade e as
folhas de outono, onde estariam elas? E termina perguntando “em que
espaço se esconderam... ando a procura de alentos e afetos, do presente e do
tempo que me espera!”.
Ah...,
esse lindo e amoroso texto me fez saltar no peito o vigor da juventude, passada
ali naquela praça, ou simplesmente “jardim”, como carinhosamente nos referíamos
ao belo e saudável local de encontros. “Senti” a juventude e de pronto lhe
respondi:
- A nossa juventude
está guardada nos amigos. Quando os vemos, ouvimos ou lemos seus versos, eles,
os amigos, nos fazem reviver a juventude que juntos vivemos.
Outra amiga complementou: “As recordações
trazem de volta as emoções do passado. E então podemos sentir momentos de
alegria nas gratas lembranças de tempos idos”. Uma terceira replicou: “Sentei
nos bancos do jardim - que hoje chamam de praça - andei no "redondo",
flertei com os "moçoilos" de antanho, enfim senti a emoção de rever
aqueles "velhos tempos, belos tempos". E muitas outras acrescentaram,
em suas próprias palavras, o mesmo sentimento: “As
recordações trazem de volta as emoções do passado. E então podemos sentir
momentos de alegria nas gratas lembranças de tempos idos”. E mais: “O
tempo... esse insensível, não nos responde não, mas dentro de nós, escondido,
ele vive nas lembranças gostosas que guardamos e amamos”. São manifestações
mais que suficientes para validar a resposta que enviei à autora do texto
inicial.
Mas, finalizando a
discussão, na rede social, emendei: Além disso, fiz mais que todos... Fui
atirado dentro daquele lago do jardim, várias vezes, pelos veteranos da
Esal/Ufla, naquele ano de 1964... Banhos forçados em praça pública diante de
centenas de expectadores, ávidos por novidades. Calouros sofriam e não
adiantava estar acompanhados das namoradas, pois eram simplesmente arrancados e
atirados no lago por dois ou mais algozes, segurando-nos pelas pernas e braços.
Balançavam-nos até o alto de suas cabeças, por várias vezes, causando-nos vertigens
e só acordávamos com o brusco e violento choque com a água gelada, e sempre à
noite..., para nos humilhar perante as meninas. Era horrível a sensação de ter
servido de motivo de gozação, mais ainda dos “amigos” mais próximos. E garanto
que a autora do texto referenciado e provocador deste e tantos outros amigos
que se manifestaram sobre o tema, foram testemunhas dos nossos banhos noturnos
em praça pública.
Cansado de tantos banhos em praça pública e consequentes gozações,
resolvi pregar uma peça num dos veteranos, líder da caça aos calouros para o
banho no lago da praça. Escondi uma lata de gordura de coco carioca, de 2 kg, vazia,
no fundo do lago, com uma pedra dentro, bem próxima à ilha central, longe do
alcance e das vistas dos veteranos. Esperei tranquilo ser arrebatado dos braços
da namorada, sentados num banco de cimento, igual aquele com os dizeres
gravados: Clyto Cleto Novais, dentista de
arraial, gostosamente oferece à sua cidade. Fui faceiro, tal qual Tiradentes
caminhou para a forca, a claque de veteranos e os “amigos”, supostamente meus
“amigos do peito”, já em coro se extasiando com o iminente show do Paulo Bagaço
se debatendo n´água e saindo igual ou mais que pinto molhado na chuva... Mas, quem
ri por último, ri melhor, pensei. É hoje que eu me vingo! Não deu outra, caí de
costas espargindo água para todos os lados, virei-me, nadando de barriga,
coloquei a lata d´água, já sem a pedra, por debaixo do corpo e sem que ninguém
a visse na turva água.... arrastei-me até à margem, onde o “sabido” veterano se
exultava e.... pá.... lata d´água da cabeça aos pés.... Vaia geral na nova
vítima que acabara de tomar um inesperado banho, mesmo de fora do lago... Mas,
infelizmente foi uma vitória de Pirro, pois a partir de então paguei castigo de
dois banhos diários, noturnos, sem direito a ir para casa após o primeiro,
durante dois sábados e domingos seguidos. Não era difícil ser penalizado duas e
até mais vezes ao dia e o Paulo Bagaço, ficava ainda mais esbagaçado,
encharcado, cheio de algas verdes na roupa e no corpo inteiro... , ardendo,
coçando, até chegar em casa, livrar-se da roupa e tomar um verdadeiro e
saudável banho.
Havia mesmo muitos
atrativos no “jardim”. A autora do citado texto e demais que o comentaram,
estão certos. As moças gostavam de rodar no Redondo e flertar com os rapazes,
mas os calouros da Esal que se cuidassem, banhos à força e voltar a pé, gelado,
para casa eram tradição dos trotes acadêmicos.
Havia outros trotes como aquele sob o argumento que engenheiro agrônomo
tem que saber medir terras. Davam-nos um palito de fósforo para medir toda a
largura da rua, da Igreja do Rosário, ou do sobrado do Capitão até o meio fio
oposto, no jardim. Era sabido que a largura total daria cerca de trezentos
palitos, dependendo do local. Fácil, até. Mas, havia um problema, quando já se
estava no meio da rua e passava um carro. Era necessário sair correndo e os
veteranos nos obrigavam a reiniciar tudo, a cada vez, e assim nunca se
terminava a medição... E se terminasse, diziam que a medida encontrada não
conferia..., repita, por favor..., puro castigo que servia de gozação por todos
que ali passavam.
Essas são histórias de nossa praça, nosso
“jardim” e há inúmeras outras. Nele “ficou” a nossa juventude que a toda hora
reaparece, ressurge gostosamente em novas lembranças, sejam com as fotos do fantástico
acervo de Renato Libeck e outros fotógrafos, inclusive aqui usadas, ou com as
histórias sonetos e poemas contados pelos amigos. Neles, nas fotos e casos, está
a nossa juventude, a mocidade revivida a cada momento por meio dos amigos que se
apresentam e nos revelam detalhes de um passado que, de uma forma ou outra, foi
também compartilhado por todos nós e vivido intensamente.
Somos aquilo que
vivemos e sempre seremos jovens quando revivemos o passado, nossos sonhos que
lembramos com carinho e muita alegria, hoje e sempre!
Um abraço aos
amigos que frequentaram ou ainda frequentam o belo “jardim” da Terra dos Ipês e
das Escolas.
Brasília, 12 de
fevereiro de 2017
Paulo das Lavras
P.S. - Agradecimento especial aos autores das fotos que ilustram o texto, como também aos amigos que contribuíram com textos e figuração nas fotos.
P.S. - Agradecimento especial aos autores das fotos que ilustram o texto, como também aos amigos que contribuíram com textos e figuração nas fotos.
O belíssimo Jardim
de Lavras, com ipês floridos e caramanchão em destaque.
Foto: Adivar Roquini – 2016
O famoso “Redondo”,
local de footing dos jovens, tendo ao centro
o famoso lago, onde
os calouros da Esal/Ufla eram impiedosamente jogados
Foto: Adivar Roquini - 2016
Minha lata de 2 kg, escondida no
fundo do lago, sob as plantas aquáticas da ilha.
Arma letal para banho de água nos
veteranos. Usada uma única vez,
em certeiro alvo, fez render, ao
calouro que revidou no veterano, pena de dois
banhos a cada noite de sábado e domingo, por duas semanas.
Foto: internet
Outra vista do
Jardim, com o coreto à direita.
Foto: Adivar Roquini - 2016
O trote dos veteranos até era fácil. Medir a
largura da rua, em frente a esse sobrado
do Capitão
Evaristo Alves. Sabíamos que a medida resultava
em 300 palitos de fósforo, mas o problema era
quando aparecia um carro e tínhamos
que reiniciar do zero. Não havia trégua aos
calouros
Foto: Arquivos de Renato Libeck
Sábado à noite, de fevereiro de 1962, o amigo José
Alcides Alvarenga, com uniforme
do Exército -
Tiro de Guerra 264, patrulhava a volta ciclística de três dias ininterruptos de
um ciclista profissional, patrocinado por uma fabricante de bicicletas. O
evento foi realizado no
“Redondo” do
jardim de Lavras.
À direita do rapaz de terno escuro, está o Menino
das Lavras, de paletó cinza e camisa branca. Mais a direita está Nilton José
Arruda. O Jardim guarda, portanto, muito de nossa juventude, como nesta foto do
arquivo pessoal de José Alcides e revivida 53 anos
depois, no encontro registrado a seguir:
O mesmo amigo, José Alcides Alvarenga e Paulo das
Lavras, em Brasília, em outubro de 2015,
cinquenta e três
anos depois e recordando a foto do ciclista que ele, José Alcides
enviou-me dias depois. Parecemos ou não dois jovens?
Garanto que nesse dia estávamos com
os mesmos 17
e 18 anos, respectivamente, tal qual na foto anterior, de 1962
O jardim serve também, ainda hoje, para eventos
culturais. Solenidade de entrega de
violões para a APROAC. Junho de 2013, com Rita Penoni, Paulo
Roberto,
Juca e Cris Mattioli
- Foto de Catarina
Júlia
Esse lago e a passarela do Redondo têm história. “Carregam”
nossa juventude...
Foto: Adivar Roquini - 2016
Show! Que maravilha ler este texto que traz muitas boas recordações. Parabéns Paulo Bagaço.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirObrigado, prezado amigo. E voce sabe a origem desse apelido? Foi-me dado no dia dos "batismos" dos calouros (primeiro dia de aula). O autor foi o saudoso colega Antônio Ernesto Coelho. Inconformado com aquele apelido perguntei-lhe o por quê daque nome.... Gragalhou e disse : vocé é tão magro, mas tão magro, que parece um bagaço de cana saiondo da moensa... rsrs. Achei graça! Mas, antes eu já havia me vingado com aquele banho de água do lago que nele joguei... rsrs
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