Sentir-se
feliz é uma situação ocasional ou é uma característica da personalidade das
pessoas? Já faz tempo que a ciência
descobriu que a personalidade do adulto está relacionada à atenção que ele teve
na infância. O amor dos pais e a atenção que eles e outras pessoas dedicam à
criança fazem toda a diferença. Esses relacionamentos, desde a tenra infância
até os seis ou sete anos, moldam as caraterísticas de nossa personalidade.
Nada é mais devastador que o sentimento
de rejeição, seja pelos pais, em pior escala, ou ainda pelos familiares e
pessoas que vivem redor da criança, como as babás, professores, treinadores e
tantos outros que, infelizmente, poderiam ser chamados de pais terceirizados.
Crianças rejeitadas carregam para sempre a dor na alma. Tanto as crianças como
os adultos sentem a dor da rejeição tal qual a dor física. E pior, pois
enquanto a dor física passa, alivia, a dor psicológica da rejeição pode ser
revivida por todo o tempo. Isto porque as partes do cérebro que armazenam e ativam
tais sensações são as mesmas tanto para a dor física como da rejeição.
E isto está comprovado em mais de meio
século de pesquisas internacionais nos campos da psicologia e da neurociência. Estudos com mais de 10.000 participantes, nos
EUA, confirmam que as crianças rejeitadas sentem mais ansiedade e insegurança,
e são mais propensas a serem hostis e agressivas. Quando adultos, entram em depressão mais
facilmente, além de dificultar o relacionamento interpessoal, seja no trabalho,
com amigos, ou mesmo com o cônjuge e a família. E a culpa, dizem os estudos,
não é só da mãe. Esta é injustamente inculpada, quando na verdade a rejeição
por parte do pai é pior. A criança, diz o estudo, sente mais a ausência do pai,
a falta do carinho, a aceitação e a valorização por parte dele. Diante disso, o
pai, terá que mudar seus conceitos. Aliás, toda a nossa sociedade machista que,
diante de uma criança ou adulto mal educado, não poupa os xingamentos à mãe, ou
à suposta falta dela, com a mais vil das ofensas à honra. Se nossas
penitenciárias e centros de reeducação juvenil estão lotados de condenados não
é culpa somente da mãe, conforme já comprovado pela ciência.
Uma pesquisa publicada neste mês pela Revista
Nature comprovou que as experiências relevantes deixam marcas permanentes no
tecido nervoso, os chamados “engramas cerebrais”, formados por conjuntos de
neurônios que foram estimulados e se transformaram em “traços da memória”. Ora, traços da memória são as marcas
permanentes dos neurônios resultantes de aprendizado, experiência ou treinamento. Quando estudamos e decoramos uma lição, por
repetidas vezes, ela é “gravada” nos neurônios e depois é só forçar a mente durante
a prova e a decoreba vem inteirinha. Esse processo de repetir e repetir sempre,
até chegar à decoreba, faz com que os neurônios “se irritem”, engrossem seu micro
diâmetro e assim facilitam o circuito neurológico, tornando-os capazes de transmitir mais rapidamente e
intensamente as informações armazenadas. Assim se forma a memória consolidada,
para sempre. Agora, transponha isso para o lado afetivo da criança. Quanto mais
amor, carinho e atenção com respostas positivas às suas indagações ou erros e
respeito à sua condição de criança que aprende com o lúdico, mais e mais os
seus neurônios irão “engrossar” e assim favorecer as ligações e recuperação de
lembranças positivas. Não se pode esquecer que o cérebro da criança é como um
computador novo, virgem, que precisa ser formatado, pois seus “circuitos” estão
livres, sem trilhas, ou “programas”. Essas “trilhas”, os neurônios engrossados
pelo estímulo, se tornam permanentes, são os “traços da memória positiva” que,
obviamente, moldam a personalidade da criança/adulto.
A mais importante descoberta nessa mesma
pesquisa, realizada no Instituto de Tecnologia de Massachussetts (EUA), foi que
se estimulado, ativado o local onde estão os
traços da memória positiva, o cérebro dispara o efeito antidepressivo. Assim, conclui-se que crianças que tiveram a infância
feliz estão mais propensas a ficarem livres da depressão. Ou, em outras
palavras, o passado feliz ajuda a combater a depressão, ou ainda..., tornam os
adultos felizes!
Feliz? O menino setentão? Mesmo com uma
pleurite aguda aos dois anos de idade que quase o levou à morte, segundo as
palavras do médico e prefeito da cidade, Dr Jacinto Scorza, que o operou
naqueles idos de 1947, há mais de sessenta anos? Deve ter sido verdade, pois a
família sempre contava que o menino passou quase um ano, após a cirurgia, em
convalescência, literalmente no colo E mais..., a série de acidentes graves não
parou por aí. Um afogamento com ressuscitação por massagens aos quatro anos e logo
depois, aos cinco, outro acidente que lhe cegou o olho direito. Mas, então...,
como assim infância feliz?
Pela
descrição acima parece que não daria para se afirmar que tive uma infância feliz.
Mas, muito pelo contrário, tais acidentes de percurso tiveram papel fundamental
na formação da personalidade do adulto, moldada justamente naquele período
crucial dos infantes. Houve ingredientes infalíveis que anularam para sempre
todo e qualquer possível efeito danoso à alma daquela criança. E hoje, para
comprovar que só restaram boas lembranças gravadas na memória, recorro-me, além
da ciência, às palavras de um cronista e jornalista, o mineiro conterrâneo,
Caio Márcio Olímpio:
“Fui uma criança feliz. Criado por
pessoas que tinham idade para serem meus avós, usufrui de um aprendizado de
muita experiência.... Sinto saudades da infância, mas não gostaria de voltar. O
futuro é o que importa. E o menino que
existe em mim vem sempre me dar a mão quando preciso. Assim, a saudade morre.
Fui adulto desde cedo, numa história diferente, repleta de lacunas até hoje, e
que chegou criança para espantar a todos que a conhecem... Feliz Dia das
Crianças, aos que ainda permanecem meninos e meninas.”
A
bela crônica, que contém as palavras acima pinçadas, bem espelha o estado de
felicidade, em função de algo “diferente” que deve ter acontecido com o autor
lá pela primeira infância. Qualquer psicólogo saberia explicar as razões do
estado de felicidade do adulto, mas nem precisamos deles. Basta citar o que uma
amiga lhe disse sobre aquela crônica nas redes sociais:
“fui
testemunha de sua infância toda, você foi muito amado! Não deixe morrer essa
criança dentro de você é ela que te faz forte para enfrentar o futuro nada
fácil”.
Voltando
à ciência, pesquisa realizada na Universidade da Pensilvânia- EUA demonstrou
que as crianças que foram submetidas a fortes laços afetivos, desenvolveram
mais rapidamente as habilidades nos campos da linguagem e da memória.
Somando-se, ainda, os estímulos cognitivos na primeira infância, o hipocampo
(responsável por guardar lembranças e experiências) se desenvolveu mais, ficou
maior naqueles que foram mais amados e estimulados do que as outras que não
tiveram tanta atenção e amor. Essa pesquisa comprova os resultados das duas
outras citadas no início desta crônica.
E
quer outro exemplo? Este menino que sofreu gravíssima infecção pulmonar teve
que ser operado, passou nove meses no colo dos pais. Como só tinha dois anos de
idade, passou exatamente aquele tempo, em que os neurônios estão em formação,
recebendo atenção especial de todos que o cercavam. Aos quatro anos recebeu
mais atenção ainda, quando sofreu um acidente grave e ainda outro aos cinco. Teve
tempo demais para receber carinho e atenção. Assim como o outro mineiro, autor
da referida crônica, amor e atenção dos pais não lhe faltaram. Ao contrário
excederam. Foi tempo suficiente para os neurônios “engrossarem” e formar os traços da memória positiva, conforme comprovado na
pesquisa citada inicialmente.
Ora,
o então menino que passou tempos no colo ouvindo histórias carinhosas dos pais
e demais familiares e o outro “menino” que foi criado por pais mais velhos e
que até fingiam não ver suas traquinices, têm as mesmas características que se
enquadram nas pesquisas científicas citadas. Eles tiveram a chamada “janela de
oportunidade” que nada mais é do que o período até os cinco ou seis anos,
quando as crianças passam pela formação de habilidades cognitivas, como
memória, linguagem, raciocínio lógico, percepção e aprendizado. O cérebro tem centenas
de trilhões de conexões neurais... e os circuitos que não forem ativados não
vão funcionar plenamente depois. Sorte dos meninos que tiveram a “janela da
oportunidade” devidamente preenchida, graças aos pais e à família, professores
e amigos mais próximos. Neles, os dois meninos, as sinapses (ligações entre
neurônios) foram mais que consolidadas e na hora certa. Agora, depois de tanto
tempo é só “ligar” o computador cerebral, esperar o download da mente e o drive do subconsciente, do hipocampo
cerebral, aflora tudo de bom que está nas trilhas de seus escaninhos. Meninos
privilegiados....! Escrevi ao autor daquela crônica e disse-lhe que deveria
mudar a frase “numa
história diferente, repleta de lacunas...”
para “repleta de amor” e formação
adequada naquele período de infância, pois os pais mais velhos são capazes de
se dedicarem mais aos filhos, assim como agora me dedico mais aos netos. Amor
em dobro!
Há
ainda outra semelhança na vida desses dois meninos: ambos se tornaram “adultos desde cedo, numa história diferente...”. Ambos
tiveram, sim, um grande diferencial, uma inestimável turbinada de amor e
dedicação. Por isso são o que são..., gostam das letras, tem boa memória, tal
qual descrito na pesquisa da universidade norte-americana. O pendor pelas letras
começa aí, no que ficou gravado no hipotálamo. E deve ser por isso que sabem e
gostam de falar da infância com prazer e amor. E só distribuem o que mais têm...
amor e alegria. Amor e alegria? Ah..., mas o título da crônica fala em adeus à
depressão... Sim, se ela teimar em aparecer, ou se a saudade e o banzo
atacarem..., as pesquisas também indicam que uma maneira de combater essas
propensões é: estimular a mente a acessar as memórias positivas. E nesse campo,
a terapia da escrita, com as crônicas de reminiscências da infância nas terras
das Lavras do Funil..., é o melhor remédio, infalível! E tem mais, os estímulos
às reminiscências são maiores quando somos colocados à frente de fotos antigas,
de pessoas e do ambiente dos tempos de infância. Isso é o que não falta nas
redes sociais desde que surgiu o historiador lavrense, Renato Libeck, com seu vasto
estoque de mais de sessenta mil fotos históricas de todo o século passado,
principalmente de sua segunda metade. A cada semana são postadas centenas
delas, fonte inesgotável para nossas crônicas.
Somos eternas crianças! E nem é preciso dizer
que a razão está justamente na infância feliz, pois ela permanece em nossa alma
e “sempre pronta a nos dar as mãos nas horas de dificuldade”, como bem disse o
amigo jornalista. Não há tristeza que resista..., deprê, então, não tem vez,
nunca. E mais interessante, ainda, foi descobrir isso somente depois dos 40,
quando geralmente fazemos uma avalição da vida, os sucessos, fracassos e o futuro
nessa virada para a idade madura. Questionamentos infindáveis nessa fase, que alguns
chamam-na, pejorativamente, de idade do lobo. Para o menino foi diferente, sem
frustrações. Ao contrário, descobriu, e reconheceu o valor da infância feliz e,
consequentemente um adulto feliz, bem sucedido na profissão e assim de bem com
a vida, a família e amigos. E parece que a partir daí disparou a gargalhar para o mundo. Basta
comparar as fotos. Antes, semblante sério do menino e do jovem e depois..., a
partir da idade da virada, só gargalhadas... sempre alegre com ela, a vida!
Sim, a
ciência está certa. Infância Feliz, adulto feliz, de
bem com a vida... As pesquisas científicas comprovam isso...Mas, nem precisavam
realizar tantas pesquisas, pois Aristóteles já havia afirmado, há 2.370 anos,
que: “Aquele que vê as coisas crescerem desde o início terá melhor visão delas”.
Bem..., as fotos deste menino-velho
também comprovam isso!
Brasília,
20 de junho de 2015
Paulo das
Lavras
O pequeno aos 03 anos
O menino, aos 09 anos
pré-adolescente - 11 anos
adolescente – 15 anos
jovem acadêmico – 18 anos, calçado com botas, como era o costume
aos 22, recém- recém-formado na faculdade
Aos 40... , idade do lobo que nada, descobrindo a alegria de uma infância feliz.
alegria no trabalho aos 60
mais alegre ainda, aos 70
Alegria, alegria..., netos
Meus pais, Clóvis Pereira e Maria
Alves, com o caçula no colo, Anízio. 18-05-1948
Pai, aos 70 e filho, 40. Gargalhadas
com os causos e causos na fazenda...
e isso
se estendeu até os 101 anos de
vida
Mãe e filho, semelhança notável no formato e
traços do rosto,
aos 32 e 25 anos, respectivamente.
Meu pai, Clóvis Pereira,
homenageado pela Força Aérea Brasileira no dia que completou 100 anos,
juntamente com o centenário da invenção do avião por Santos Dumont. Feliz coincidência,
da qual se orgulhava.
Viveu 101 anos, com muita alegria
no coração e era excelente contador de causos, tal qual quando embalava o
menino convalescente no longíquo ano de 1948. Embora tivesse apenas dois a tres
anos de idade ainda me lembro de suas engraçadas histórias do folclore e até a
letra e musica de uma cantiga que ele entoava para fazer adormecer o menino.
Infância Feliz, adulto feliz, de bem com a vida... As pesquisas científicas
comprovam isso... e as fotos anteriores do menino-velho também....kkkkkk
Dr Jacinto Scorza, médico e
prefeito que operou e salvou o menino de 2 anos e que foi um dos primeiros pacientes
a usar a penicilina do pós-guerra. Graças à sua recomendação, de cuidados especiais
após a cirurgia, fui o maior beneficiado. Carinho e atenção não faltaram à
criança que, ainda hoje, tem gravadas na memória as melhores reminiscências da
infância. Sou grato à memória desse médico, humanista