Dias atrás tive a atenção despertada para uma nota de pé
de jornal. Era um convite para lançamento de um livro de poemas escritos no
cárcere. Memórias de cárcere? Sim, isso mesmo! Teria a ver com a obra
incompleta de Graciliano Ramos, que descreve suas agruras quando prisioneiro
por ter participado da Intentona Comunista de 1935? De fato faltava um capítulo
final que supostamente o autor, Graciliano, não teria escrito. Haveria mais
informações sobre o desfecho da deportação, para a Gestapo, de Olga Benário,
esposa do ícone do comunismo no Brasil, Luiz Carlos Prestes, relatada na obra
de Graciliano? Fiquei bastante interessado, mas, não era disso que tratava o
livro anunciado. O autor era um político importante que ocupara a presidência
da Câmara dos Deputados e fora condenado a alguns anos de reclusão. Acompanhei
seu julgamento e de outros seus companheiros amplamente divulgado pela imprensa.
Porém, meu interesse nesse novo livro logo se avivou por conta de que havia
observado antes, durante o processo judicial, um comportamento totalmente
distinto e positivo desse novo autor em relação a seus companheiros também
condenados. Estes, seus correligionários, demonstraram enorme arrogância,
soberba, a ponto de cerrar os punhos levantando-os acima da cabeça, como
escarnio à sociedade e claro desafio à Justiça. Também me animou a vontade de
conhecer sua obra por saber que poetas, cronistas e escritores, expõem sua
alma. Não dá para enganar quando se produz bons poemas, crônicas e contos.
Pensei na tristeza da solidão de um encarcerado e sua determinação em
sobreviver, resgatar sua alma por meio da escrita sobre a sua própria
experiência. Quem escreve algo para os outros, ou ainda que seja para si
próprio, sempre deseja repassar uma mensagem de bem, de otimismo.
Suspeitei que o livro de poemas pudesse
ser um indicador para confirmar ou não as minhas impressões anteriores sobre o
autor. Assim, agendei presença ao evento, marcado para o dia 7 de abril. Sete
de abril? Data importante..., pois há uma rua comercial muito famosa no centro
da cidade de São Paulo. Sim, a data tem história, pois foi nesse dia que Dom
Pedro I abdicou do trono, naquele distante ano de 1831. Os historiadores dizem
que foi a segunda independência do Brasil. O imperador deixou o país, seguindo
para Portugal, a bordo de um navio britânico (sempre os britânicos..., os
mesmos que trouxeram D. João VI escoltado em fuga de Napoleão. Chegou e logo
abriu os portos às nações amigas, mas com monopólio comercial para os ingleses
que já haviam levado todo o ouro das Minas Gerais...). Mas, voltando ao livro,
o evento foi concorridíssimo. Mais de 400 pessoas compareceram para a noite de
autógrafos. Ali estavam o ex-deputado Prof. Luizinho- PT/SP, o deputado Chico Vigilante-
PT/DF, senador Paulo Rocha- PT/BA, ministros, diversos militantes com seus
botons de estrela vermelha e dirigentes da Escola Nacional de Formação
Política. Essa escola, da qual não sabia de sua existência, pertence ao Partido
dos Trabalhadores e tem por objetivo formar seus líderes e militantes. Depois
de longa conversa com um dos dirigentes, ali na fila de autógrafos, um
tanto surpreso pude melhor compreender a dedicação de seus seguidores e o fiel
cumprimento das diretrizes e pronunciamentos partidários, que são imediatamente
repercutidos em todos os níveis e locais do país. Senti-me como um peixe fora
d´água.
Enquanto
aguardava o autógrafo folheei o livro que tem como título “Quatro & outras
lembranças”. Pelo texto da orelha já dá para entender a profundidade de seu
conteúdo. Fala dos momentos mais difíceis, dos dias em que a liberdade é
lembrada justamente pela sua ausência na vida dos encarcerados. Numa leitura
dinâmica identifiquei, de imediato, algumas frases/estrofes interessantes e que
aqui reproduzo:
“Aprendeu a ser só. Acostumou-se com o vazio.
Seu olhar para a parede de sua cela...
Esqueceu a dimensão do sol, a largura das ruas e o
carregar uma chave de porta. Esqueceu a palavra gente e o significado de
amor....
...No começo ansiedade, angústia, apreensão. Um nó
forte no peito. Virou olhar. De longe, de perto.
.....Discurso, grito, gemido. Declama um verso lindo.
Da vida, o peito doído. Canta, insiste em orar.
...Vi sombras andando pelo quarto. Virei-me e
dormi. Sonhar é melhor que viver...”.
Dentre
tantas frases que expressavam o pensamento da alma angustiada ali reclusa, aquela
do esquecer o que seria o “carregar uma
chave de porta” despertou-me profunda reflexão. Lembrei-me que portava no
bolso justamente as chaves de casa e do carro e nunca, mas nunca mesmo, pensara
antes na importância simbólica daqueles objetos: a liberdade de ir e vir e ter
o seu próprio teto, seu refúgio no aconchego da família, cercado por todos e em
especial pelos netinhos que representam a continuidade da vida. Que angústia, que dor no peito, terrível para
um encarcerado. Com certeza isso o fez refletir melhor sobre os valores da
vida. É na solidão e mais ainda na privação que encontramos respostas que
ninguém pode nos dar. É nelas que encontramos a nós mesmos. São espelhos que
não escondem nossa alma.
Ainda na
fila dos autógrafos decidi abordar o autor sobre o significado daquela frase de
seu poema. Surpreso levantou-se da escrivaninha, ouviu atentamente minhas
palavras e retribuiu. Embora com olhar ainda um pouco melancólico, mas sorrindo,
pareceu-me, como previsto, haver se reconciliado consigo mesmo e sentindo
prazer em estar novamente reintegrado à sociedade. Deixava à mostra seu coração
carregado de humildade e amor que venceram o ódio, a revolta comum que toma
conta de quem sofre a privação da liberdade, ou ainda dos arrogantes de punhos
cerrados. Não lhe perguntei, não sei se por delicadeza ou por estar também
emocionado, mas imaginei que certamente ele já carregava uma chave e que, ao
contrário da situação anterior, ele não mais se esquecerá que a tem consigo.
Mesmo que não seja uma chave física que abra portas, mas tem a chave da
sabedoria de uma alma em paz que soube corrigir seus erros.
Recomendo
a leitura desse livro recém-lançado, de autoria do ex-deputado e ex-presidente
da Câmara, João Paulo Cunha. A leitura dessa marcante experiência, em forma de
poema, nos induz a uma profunda reflexão.
Brasília,
9 de abril de 2015
Paulo das Lavras
Uma dedicatória
cheia de esperança e novos sonhos
declamando o esquecimento da dimensão do sol, largura
das ruas e o carregar uma chave de porta...
Alegrou-se e agradeceu com um sorriso ainda que tímido
Nenhum comentário:
Postar um comentário