sexta-feira, 3 de abril de 2015

05 de abril, domingo de Páscoa e 70 vezes vida


Páscoa tem origem no termo hebraico, Pesach..., que quer dizer passagem, renovação. Na liturgia cristã a Páscoa é uma das comemorações mais importantes, a ressureição de Cristo. É comemorada no primeiro domingo após a primeira lua cheia do equinócio, no início da primavera, no hemisfério norte. Enquanto lá é primavera com flores e plantio de cereais, por aqui ao sul da linha do equador, inicia-se o outono, a estação das colheitas e queda das folhas das árvores.

Tradicionalmente tem-se o coelhinho e os ovos como símbolos dessa festa. A tradição dos ovos, representando a fertilidade é mais antiga, da época da fuga dos hebreus, do Egito (êxodo). Já o coelhinho, que também representa a fertilidade, foi introduzido pelos alemães, muito tempo depois. Difícil é explicar para os miúdos que coelhinho não bota ovo. Presenciei uma cena em que um menino de sete anos levou a maior bronca do pai, por ter afirmado que coelho bota ovo... Minha netinha de apenas quatro anos queria dormir com uma cenoura ao lado de seu travesseiro para que o coelhinho, ao chegar na noite de véspera da páscoa, deixasse os ovos de chocolate e se alimentasse da cenoura. Foi preciso dizer que o coelhinho já estaria alimentado e não teria tempo, pois tinha pressa em distribuir todos os ovinhos de chocolate. Mas, incoerência à parte, hoje parece que a celebração da pascoa está mais voltada para a importância de se presentear com ovos de chocolate do que o seu significado religioso. Os comerciantes souberam explorar mais o lado comercial do que as crenças religiosas e a criançada (e alguns adultos, também) agradecem.

Interessante notar que a festa da páscoa é tida como a mais importante da igreja cristã, perdendo até mesmo para a Sexta feira Santa, que celebra a morte de Cristo na cruz, que se tornou símbolo religioso. Teria isso a ver com as ideias de Rubem Alves, expressas em sua tese de doutorado na Universidade de Princeton- EUA e que ensejou o início da Teoria da Libertação? Para ele a igreja deveria defender a tese da alegria, da esperança do Deus vivo e não na cruz do sofrimento, tendo os homens como os culpados por isso. Carregar essa culpa não deveria ser enfatizado pela igreja. Por isso e outras razões, a tese condenada pela igreja católica até ensejou a exclusão clerical do teólogo e frei, Leonardo Boff, um dos defensores dessa tese.  À parte essa questão teológica, sou favorável à celebração da vida. E por coincidência, neste ano de 2015, a festa da Páscoa – que celebra a vida, a renovação, simbolizada pelo ovo que gera a vida e pelo prolífero coelhinho, recaiu no dia 5 de abril, dia de meu aniversário de 70 anos.

Bela coincidência, pois se hoje recaiu no dia da celebração da vida, não raras vezes coincidiu com o luto da sexta feira da paixão. Melhor a páscoa que nos traz a esperança, tal qual contamos às crianças as memórias das gerações passadas que ansiavam por dias melhores, livres das agruras do mal. Assim, como teorizou Rubem Alves, ansiamos pela “boa-nova da esperança, a boa-nova de que a graça está em um Deus vivo, que nos ama apesar de tudo. E que, por isso, podemos continuar sorrindo, lutando e vivendo alegremente a vida, apesar de tudo, porque vivemos da esperança e fé”. Fé na verdade que traz dias melhores para nós e nossos filhos.

E o que é a vida senão esperança? Ninguém gosta de falar da morte. Aliás, falar da morte é falar da vida, assim penso. Nietzsche disse que nem mesmo o mais corajoso tem coragem de dizer aquilo que conhece e que sabe bem. E a coragem para dizer ou assumir certas verdades só chega tardiamente, quando já velhos, completou Camus. Deve ser por isso que só agora, aos 70 anos (já seria um velho, hoje em dia? Recente pesquisa indicou que os brasileiros se consideram velhos depois dos 74 anos...), criei coragem para falar da morte, pois quando você fica mais velho, tem uma urgência tão grande de viver, que não quer desperdiçar seu tempo com bobagens. É verdade que quando jovens estávamos muito voltados para a carreira, sucesso, para ganhar dinheiro. Agora, na chamada “melhor idade” - eufemismo para velhice, valorizamos muito mais os afetos, justamente aquilo não pudemos ter, ou desperdiçamos, enquanto estávamos trabalhando.

Mas..., falar de morte, no dia do aniversário...? Coragem para falar disso? Que nada, nem penso nisso. A morte é um dia que vale a pena viver, alguém já disse. Prefiro a alegria da vida, repito. Para quem dela já foi salvo em sete ocasiões de iminentes fatalidades até que faz sentido. Poucos se livraram da morte iminente tantas vezes como eu.  Aos dois anos, aos cinco e aos quarenta e quatro. A primeira, vencendo uma pleurite de longa duração e grande intervenção cirúrgica que levou dez meses para recuperação. Se operar morre, se não..., morre mais depressa, disse a meus pais o Dr Jacinto Scorza, médico e prefeito de Lavras. Pouco depois veio o afogamento quando fui “pescado e ressuscitado” do fundo de um reservatório de água. Por último, num desastre aéreo de um grande Boeing que, ao aterrissar despencou de certa altura a 400 km/hora e despedaçou-se, metade na pista e metade no aterro. Consegui sair “nadando” em meio a toneladas de combustível espalhado e apenas com duas costelas avariadas. Das primeiras escapadas ficaram ligeiras sequelas físicas e a gostosa lembrança de passar um ano inteiro, 24 horas ao dia, no colo dos pais com suas doces canções de ninar que ainda as tenho registradas na alma. Nunca as esqueci, como também a cena de choro de todos ao redor do menino afogado, reanimado, enrolado em toalhas e expelindo golfadas de água com as massagens da mãe. No entanto, o último foi mais traumático por ter plena consciência da tragédia. Por ser assíduo em voos e já ter visto “aquele filme” de mistura de velocidade com impacto no solo, toneladas de combustível seguindo-se a temível explosão, o pânico foi geral. Diante da iminência do desfecho  o subconsciente logo disparou a imagem das filhas pequenas que ficariam sem o arrimo e... a exclamação em surdo brado, apelando a Deus pela vida. Pernas para te quero, em pânico incontrolado saí em desabalada carreira, em meio à escuridão da noite, por sobre o mar de querosene derramado, turbina fumegando com característico chiado da água de chuva caindo sobre a superfície em brasa. Tudo por conta do pavor da explosão que, felizmente, não ocorreu. Ganhei distancia em segundos, ainda que com dores lancinantes, até atingir local supostamente seguro e a chegada dos bombeiros em socorro.  Assim, diante de tamanha sorte, estou vencendo por 7 x 0 a Dona Morte e já aos setenta anos de vida! Mas, como não pensar nela? Se ela marcar um tento de que adiantaria o placar de 7 x 1 ?  Os sete tentos anteriores me garantiriam a vitória, ou aquele único faria tudo terminar?   Simples, não importa, não dê tempo para isso. Não pense nisso! Tenha sempre um projeto de vida, qualquer que seja a sua faixa etária. Ter um projeto de vida é encontrar coisas que se goste de fazer, aprender a dizer ‘não’, dar muita risada, enfrentar o medo e buscar felicidade, o sucesso. 

Essa é a receita, pois são coisas simples e necessárias..., desde que você tenha amadurecido o bastante para entendê-las. Quem é rico em sonhos não envelhece nunca. Pode ser até que morra de repente. Mas será abatido e morrerá em pleno voo, ensina-nos o eterno mestre Rubem Alves.  Mas, além disso, ainda temos que buscar o sucesso, o que é isso? Ter dinheiro? Não! Sucesso, segundo outro filósofo e também poeta, Ralph Emerson, “... é rir muito e com frequência; ganhar o respeito de pessoas inteligentes e o afeto das crianças; merecer a consideração de críticos honestos e suportar a traição de falsos amigos; apreciar a beleza, encontrar o melhor nos outros; deixar o mundo um pouco melhor, seja por uma saudável criança, um canteiro de jardim ou uma redimida condição social; saber que ao menos uma vida respirou mais fácil porque você viveu”. Além do mais, um dileto e longevo amigo, conterrâneo das Lavras do Funil, Luiz Teixeira da Silva, disse: “A morte é a única certeza que o homem tem desde o dia em que nasce. O indivíduo deveria, portanto, treinar a morte durante a vida, assim estaria mais tranquilo quando chegar a sua hora”.

 
Nesses quesitos sobre vida e morte estou a cavaleiro, pois juntei as recomendações dos filósofos citados com o conselho do amigo de Lavras. Assim foi no campo profissional ou nas relações interpessoais. Continuo apreciando as belezas do ser humano, das artes, letras, esportes e em especial do cultivo de jardins. Há mais de trinta anos venho plantando e cuidando, literalmente, de um belo jardim com paisagismo que inclui, além das flores, fruteiras e alguns animais domésticos e silvestres atraídos pela fartura de alimentos e néctar das flores. E o jardim é o rosto sorridente de Deus, dizem os filósofos. A felicidade presente, sempre! Não bastasse isto ainda há a alegria dos netos. Receber o afeto dos pequenos (e dar) é um amor sem igual. E esse é o maior sucesso que podemos alcançar. Nas crianças nos renovamos a cada dia. Por isso, não tenho medo da morte. Ela é consequência natural. Tudo que vive, certamente um dia fenecerá e isto é inexorável. Tampouco acredito que haja vida após a mesma. E haja “coragem” para se afirmar isso. Penso que a vida é uma dádiva de Deus e que devemos vivê-la de tal modo que ela, por si só, se torne uma jornada feliz, alegre, em paz consigo próprio e com todos que o cercam ou, em outras palavras, com amor, feliz, bem sucedido como gostam de dizer os filósofos. Isto é o sucesso, o paraíso!

 
            A vida é bela! Deus a concedeu-nos assim, para ser vivida com alegria. "Quem experimenta beleza está em comunhão com o sagrado", disse ainda o poeta da vida e da alegria,  Rubem Alves.  E precisamos exercitar e aprender a arte de ser feliz a começar pelas pequenas e simples coisas do dia a dia. A ociosidade e a tristeza são as oficinas do diabo. E como diz o vocábulo hebreu, Pesach – Páscoa, renovemos a cada dia esse dom, a vida. Melhor ainda quando essa comemoração cristã recai no dia 5 de abril. Que venham outros dias e aniversários além dos setenta já passados... 

Alegria, sempre, e junto aos familiares e amigos. C´est la vie...

Feliz Páscoa para todos

 
Brasília, 5 de abril de 2015

Paulo das Lavras
 
Receber o afeto dos pequenos (e dar) é um amor sem igual. E esse é
  o maior sucesso que podemos alcançar. Nas crianças nos renovamos
 a cada dia, como bem simboliza a comemoração da Páscoa.
 
 
                                                                   Minha coelhinha de quatros anos de idade
                                                                   queria dormir com um pedaço de cenoura
                                                                  para alimentar o coelhinho que viria deixar
                                                                  os ovos de páscoa 




               
                                      

 
 

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