Páscoa
tem origem no termo hebraico, Pesach...,
que quer dizer passagem, renovação. Na liturgia cristã a Páscoa é uma das
comemorações mais importantes, a ressureição de Cristo. É comemorada no
primeiro domingo após a primeira lua cheia do equinócio, no início da
primavera, no hemisfério norte. Enquanto lá é primavera com flores e plantio de
cereais, por aqui ao sul da linha do equador, inicia-se o outono, a estação das
colheitas e queda das folhas das árvores.
Tradicionalmente
tem-se o coelhinho e os ovos como símbolos dessa festa. A tradição dos ovos,
representando a fertilidade é mais antiga, da época da fuga dos hebreus, do
Egito (êxodo). Já o coelhinho, que também representa a fertilidade, foi
introduzido pelos alemães, muito tempo depois. Difícil é explicar para os
miúdos que coelhinho não bota ovo. Presenciei uma cena em que um menino de sete
anos levou a maior bronca do pai, por ter afirmado que coelho bota ovo... Minha
netinha de apenas quatro anos queria dormir com uma cenoura ao lado de seu
travesseiro para que o coelhinho, ao chegar na noite de véspera da páscoa,
deixasse os ovos de chocolate e se alimentasse da cenoura. Foi preciso dizer
que o coelhinho já estaria alimentado e não teria tempo, pois tinha pressa em
distribuir todos os ovinhos de chocolate. Mas, incoerência à parte, hoje parece
que a celebração da pascoa está mais voltada para a importância de se
presentear com ovos de chocolate do que o seu significado religioso. Os comerciantes
souberam explorar mais o lado comercial do que as crenças religiosas e a
criançada (e alguns adultos, também) agradecem.
Interessante
notar que a festa da páscoa é tida como a mais importante da igreja cristã,
perdendo até mesmo para a Sexta feira Santa, que celebra a morte de Cristo na
cruz, que se tornou símbolo religioso. Teria isso a ver com as ideias de Rubem
Alves, expressas em sua tese de doutorado na Universidade de Princeton- EUA e
que ensejou o início da Teoria da Libertação? Para ele a igreja deveria
defender a tese da alegria, da esperança do Deus vivo e não na cruz do
sofrimento, tendo os homens como os culpados por isso. Carregar essa culpa não
deveria ser enfatizado pela igreja. Por isso e outras razões, a tese condenada
pela igreja católica até ensejou a exclusão clerical do teólogo e frei,
Leonardo Boff, um dos defensores dessa tese. À parte essa questão teológica, sou favorável
à celebração da vida. E por coincidência, neste ano de 2015, a festa da Páscoa
– que celebra a vida, a renovação, simbolizada pelo ovo que gera a vida e pelo
prolífero coelhinho, recaiu no dia 5 de abril, dia de meu aniversário de 70
anos.
Bela
coincidência, pois se hoje recaiu no dia da celebração da vida, não raras vezes
coincidiu com o luto da sexta feira da paixão. Melhor a páscoa que nos traz a
esperança, tal qual contamos às crianças as memórias das gerações passadas que
ansiavam por dias melhores, livres das agruras do mal. Assim, como teorizou
Rubem Alves, ansiamos pela “boa-nova da
esperança, a boa-nova de que a graça está em um Deus vivo, que nos ama apesar
de tudo. E que, por isso, podemos continuar sorrindo, lutando e vivendo
alegremente a vida, apesar de tudo, porque vivemos da esperança e fé”. Fé
na verdade que traz dias melhores para nós e nossos filhos.
E
o que é a vida senão esperança? Ninguém gosta de falar da morte. Aliás, falar
da morte é falar da vida, assim penso. Nietzsche disse que nem mesmo o mais
corajoso tem coragem de dizer aquilo que conhece e que sabe bem. E a coragem
para dizer ou assumir certas verdades só chega tardiamente, quando já velhos,
completou Camus. Deve ser por isso que só agora, aos 70 anos (já seria um
velho, hoje em dia? Recente pesquisa indicou que os brasileiros se consideram
velhos depois dos 74 anos...), criei coragem para falar da morte, pois quando
você fica mais velho, tem uma urgência tão grande de viver, que não quer
desperdiçar seu tempo com bobagens. É verdade que quando jovens estávamos muito
voltados para a carreira, sucesso, para ganhar dinheiro. Agora, na chamada
“melhor idade” - eufemismo para velhice, valorizamos muito mais os afetos, justamente
aquilo não pudemos ter, ou desperdiçamos, enquanto estávamos trabalhando.
Mas..., falar de morte, no dia do
aniversário...? Coragem para falar disso? Que nada, nem penso nisso. A morte é
um dia que vale a pena viver, alguém já disse. Prefiro a alegria da vida,
repito. Para quem dela já foi salvo em sete ocasiões de iminentes fatalidades
até que faz sentido. Poucos se livraram da morte iminente tantas vezes como eu.
Aos dois anos, aos cinco e aos quarenta
e quatro. A primeira, vencendo uma pleurite de longa duração e grande
intervenção cirúrgica que levou dez meses para recuperação. Se operar morre, se
não..., morre mais depressa, disse a meus pais o Dr Jacinto Scorza, médico e
prefeito de Lavras. Pouco depois veio o afogamento quando fui “pescado e
ressuscitado” do fundo de um reservatório de água. Por último, num desastre
aéreo de um grande Boeing que, ao aterrissar despencou de certa altura a 400
km/hora e despedaçou-se, metade na pista e metade no aterro. Consegui sair
“nadando” em meio a toneladas de combustível espalhado e apenas com duas
costelas avariadas. Das primeiras escapadas ficaram ligeiras sequelas físicas e
a gostosa lembrança de passar um ano inteiro, 24 horas ao dia, no colo dos pais
com suas doces canções de ninar que ainda as tenho registradas na alma. Nunca
as esqueci, como também a cena de choro de todos ao redor do menino afogado,
reanimado, enrolado em toalhas e expelindo golfadas de água com as massagens da
mãe. No entanto, o último foi mais traumático por ter plena consciência da
tragédia. Por ser assíduo em voos e já ter visto “aquele filme” de mistura de
velocidade com impacto no solo, toneladas de combustível seguindo-se a temível
explosão, o pânico foi geral. Diante da iminência do desfecho o subconsciente logo disparou a imagem das
filhas pequenas que ficariam sem o arrimo e... a exclamação em surdo brado,
apelando a Deus pela vida. Pernas para te quero, em pânico incontrolado saí em desabalada
carreira, em meio à escuridão da noite, por sobre o mar de querosene derramado,
turbina fumegando com característico chiado da água de chuva caindo sobre a
superfície em brasa. Tudo por conta do pavor da explosão que, felizmente, não
ocorreu. Ganhei distancia em segundos, ainda que com dores lancinantes, até
atingir local supostamente seguro e a chegada dos bombeiros em socorro. Assim, diante de tamanha sorte, estou vencendo
por 7 x 0 a Dona Morte e já aos setenta anos de vida! Mas, como não pensar
nela? Se ela marcar um tento de que adiantaria o placar de 7 x 1 ? Os sete tentos anteriores me garantiriam a
vitória, ou aquele único faria tudo terminar? Simples, não importa, não dê tempo para isso. Não pense
nisso! Tenha sempre um projeto de vida, qualquer que seja a sua faixa etária. Ter
um projeto de vida é encontrar coisas que se goste de fazer, aprender a dizer
‘não’, dar muita risada, enfrentar o medo e buscar felicidade, o sucesso.
Essa é a receita, pois são coisas
simples e necessárias..., desde que você tenha amadurecido o bastante para
entendê-las. Quem é rico em sonhos não envelhece nunca. Pode ser até que morra
de repente. Mas será abatido e morrerá em pleno voo, ensina-nos o eterno mestre
Rubem Alves. Mas, além disso, ainda temos que buscar
o sucesso, o que é isso? Ter dinheiro? Não! Sucesso, segundo outro filósofo e
também poeta, Ralph Emerson, “... é rir
muito e com frequência; ganhar o respeito de pessoas inteligentes e o afeto das
crianças; merecer a consideração de críticos honestos e suportar a traição de
falsos amigos; apreciar a beleza, encontrar o melhor nos outros; deixar o mundo
um pouco melhor, seja por uma saudável criança, um canteiro de jardim ou uma
redimida condição social; saber que ao menos uma vida respirou mais fácil
porque você viveu”. Além do mais, um dileto e longevo amigo, conterrâneo
das Lavras do Funil, Luiz Teixeira da Silva, disse: “A morte é a única certeza que o homem tem desde o dia em que nasce. O
indivíduo deveria, portanto, treinar a morte durante a vida, assim estaria mais
tranquilo quando chegar a sua hora”.
Nesses quesitos sobre vida e morte estou
a cavaleiro, pois juntei as recomendações dos filósofos citados com o conselho
do amigo de Lavras. Assim foi no campo profissional ou nas relações
interpessoais. Continuo apreciando as belezas do ser humano, das artes, letras,
esportes e em especial do cultivo de jardins. Há mais de trinta anos venho
plantando e cuidando, literalmente, de um belo jardim com paisagismo que
inclui, além das flores, fruteiras e alguns animais domésticos e silvestres
atraídos pela fartura de alimentos e néctar das flores. E o jardim é o rosto
sorridente de Deus, dizem os filósofos. A felicidade presente, sempre! Não
bastasse isto ainda há a alegria dos netos. Receber o afeto dos pequenos (e
dar) é um amor sem igual. E esse é o maior sucesso que podemos alcançar. Nas
crianças nos renovamos a cada dia. Por isso, não tenho medo da morte. Ela é
consequência natural. Tudo que vive, certamente um dia fenecerá e isto é
inexorável. Tampouco acredito que haja vida após a mesma. E haja “coragem” para
se afirmar isso. Penso que a vida é uma dádiva de Deus e que devemos vivê-la de
tal modo que ela, por si só, se torne uma jornada feliz, alegre, em paz consigo
próprio e com todos que o cercam ou, em outras palavras, com amor, feliz, bem
sucedido como gostam de dizer os filósofos. Isto é o sucesso, o paraíso!
Alegria,
sempre, e junto aos familiares e amigos. C´est
la vie...
Feliz
Páscoa para todos
Brasília,
5 de abril de 2015
Paulo
das Lavras
Receber
o afeto dos pequenos (e dar) é um amor sem igual. E esse é
o maior
sucesso que podemos alcançar. Nas crianças nos renovamos
a cada dia, como bem simboliza a comemoração
da Páscoa.
queria dormir com um pedaço de cenoura
para alimentar o coelhinho que viria deixar
os ovos de páscoa
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