O
mês de agosto se caracteriza pelo tempo seco enfumaçado pelas queimadas e também
pela beleza dos ipês em plena floração nas cores roxa, rosa, branca e destaque
especial para o amarelo. Outra característica do mês de agosto, especialmente para
aqueles que têm mais contato com a natureza, é a presença das siriemas, correndo
pelos campos em busca de alimentos. Seu canto triste e estridente pode ser
ouvido a um quilômetro de distancia e quase sempre andam em casais ou grupos de
até cinco aves. O voo das siriemas é curto e baixo e só usado quando estão em
perigo. Em compensação podem correr em velocidades de 40 a 70 km/h com suas
longas pernas. O bico é bastante forte e tem na base, próximo aos olhos, um
feixe de penas eriçadas para adiante. Alimentam-se de gafanhotos, roedores e
até cobras. São muito ariscas e chegam a se deitar atrás de troncos de árvores
para se esconderem.
As
siriemas são muito elogiadas pelas pessoas que moram no campo. Seu canto é
apreciado e segundo eles, traz o prenúncio das chuvas que chegam no mês
seguinte. Param o afazer e se põem a escutar o seu canto e a contemplar o
horizonte como a buscar o sinal da chuva que ainda demora. Mas, na contramão
desse amor estão ou estavam os meninos da roça. Não tinham piedade e saíam à
sua caça, o que era comum naqueles idos de 1950/60 quando não havia a
preocupação com a educação ambiental. O filósofo escritor Rubem Alves descreve
muito bem essa tendência dos meninos. Disse ele que a gente nasce com a alma de
caçador e que a caça é desafio. Pegar o que não pode ser pego, que corre mais,
que voa nas alturas dos céus, que se esconde no fundo dos rios. E se não pode
ser pego, continua o autor, como pode ser pego? Aí entra a inteligência, a
artimanha, o engano. E segundo Rubem Alves, o caçador é um enganador. Ele
conhece os hábitos da caça e por isso a apanha com armadilhas e armas. Parece
que no mundo inteiro os meninos nascem caçadores e então ele relata com
tristeza a primeira rolinha agonizante em suas mãos a olhar para ele e morrer
em seguida. Enterrou-a e nunca mais usou o estilingue. Assim aconteceu também
com o menino que caçava pelos campos de Sant´Anna das Lavras do Funil.
Neste
agosto de 2014 recebi uma bela foto de uma siriema, pousada majestosamente na
cerca do quintal da casa sede do Sítio Retiro dos Ipês. Rodeada por inúmeros
ipês amarelos em plena floração estava pronta para iniciar seu canto
estridente. Extasiado com a beleza do pássaro com seu imponente porte, fui
sacudido pela triste lembrança que um dia, atocaiado, acertei uma delas com o
tiro de uma luxuosa espingarda italiana da marca Beretta, pertencente a meu
pai. Alegria total do caçador, de doze anos de idade. Adentrou a casa, naquele
ano de 1957, com o enorme troféu nas mãos, de pernas muito longas e asas de grande
envergadura. Para sua surpresa ali estavam as freiras professoras e dirigentes
do Colégio de Lourdes, as Irmãs Angélica e Isabel e mais onze alunas. Esta
última, professora de matemática, nem era tão querida pela simples razão de ser
a mestra da temida matéria de cálculo, logaritmos e outros conteúdos detestados
pelas alunas. As irmãs-professoras e alunas tinham ido ali para uma visita à
família que mantinha seis moças no colégio. Aproveitavam para fazer um
piquenique sob o eucaliptal, o mesmo que aparece ao fundo da foto da siriema,
tomada em 31 de agosto de 2014, exatos 57 anos depois. Surpresas e até mesmo
com espanto, as visitas admiraram a siriema que o menino trazia a tiracolo como
um troféu. Madre Isabel quis logo saber a que família do reino animal pertencia
a enorme ave, pernalta, com um grande penacho em forma de crista e olhos
avermelhados. Não me lembro se a olharam com alegria, tristeza ou simplesmente
espanto. O certo é que hoje todos
lamentariam ver aquela bela ave abatida a tiro de espingarda cartucheira. O
próprio menino certamente teria preferido apenas contemplá-la na natureza e com
a mesma astúcia de caçador disparar outro tipo de flash luminoso, sem explosão,
o da máquina fotográfica, com zoom calibrado, tal qual a sobrinha-neta,
Larissa, o fez e me presenteou a foto.
Ah... como evoluímos..., Rubem Alves e
eu, se crianças fôssemos, hoje não teríamos cometido tamanha barbárie contra os
indefesos habitantes da natureza que só nos alegram com seu cantar e enfeitam o
nosso meio ambiente. Só espero que o vizinho do Sítio Retiro dos Ipês também
tenha se arrependido por ter abatido a pauladas um baita gavião Carcará que se
atreveu a avançar sobre os pintinhos de sua galinha garnisé. Bichinha para lá
de valente! Antes que a ave de rapina vitimasse um de seus filhotes, atacou-a
rapidamente, pulando sobre seu dorso e bicando violentamente a cabeça do
gavião. Este, tal qual numa rinha de galo, não resistiu às fortes bicadas na
cabeça e literalmente, desmaiou. Foi aí que o vizinho entrou em ação e deu cabo
à vida do carcará.
Hoje, tal qual o menino da siriema, se assim procedesse,
teria prisão inafiançável por crime contra a natureza. Ainda bem que evoluímos
e para penitenciar ou mitigar esses malfeitos cuidei logo de plantar muitos
ipês e árvores frutíferas para deleite da passarada aqui no planalto central.
Nesse paraíso florido e frutificado ainda não vi as siriemas, embora ouça seus
cantares não muito distante, do outro lado do ribeirão.
E quando isso acontece a saudade aperta e a lembrança do menino caçador e seu
mal feito vem à memória. O canto da Siriema ecoa triste e saudoso por aqui
também, trazendo as lembranças da infância e juventude nos Campos de Sant´Anna
das Lavras do Funil. Mas em compensação inúmeras outras aves como sabiás,
rolinhas, bem-te-vis, corruíras, canarinhos da terra e até um casal de tucanos
do bico amarelo me visitam constantemente, ou melhor, vêm saborear mamão e
outras frutas plantadas especialmente para eles. Só assim me reconciliei com a
natureza e tenho prazer redobrado ao contemplar os passarinhos, por menor que
sejam, a se deliciarem com as frutas que lhes ofereço no paraíso especialmente
construído para eles.
.
Brasília,
30 de setembro de 2014
Paulo
das Lavras
A
bela Siriema, fotografada em 31/08/2014, no quintal da casa sede do Sítio
Retiro dos Ipês
Ipês
amarelos e o canto da Siriema. Bela combinação! E bem ali, defronte à janela do quarto onde o menino das
Lavras
nasceu, no Sítio Retiro dos Ipês.
Até
a Siriema cantou por mais tempo e se deixou fotografar, deslumbrada que estava
com a beleza dos ipês amarelos bem à sua frente. Tudo em sacrossanta harmonia...
o canto, as cores...
E
deixem-na cantar com sua gostosa estridência que alegra os corações
Para
depois se juntar às companheiras e....
Se
alimentar com a sua caça preferida, pequenos répteis
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