O
que a arquitetura moderna de Brasília tem a ver com Paris, a Cidade Luz que foi
fundada há mais de 2300 anos, ou mais precisamente no ano 300 A.C.? O passado
da Cidade Luz revela a grandiosidade que foi como formidável centro de estudos
da Idade Média, palco da Guerra dos Cem Anos com Joana D´Arc e outras tantas. Ali
explodiu a Revolução Francesa de 1789 com a tomada da Bastilha, o terror de Robespierre
e ruas ensanguentadas marcadas por verdadeiro grito de guerra, a Marselhesa, que
estimulava os soldados a defender as fronteiras do Reno, na região de
Estrasburgo. Aquele mesmo grito de guerra depois transformado em Hino Nacional,
cantado com plena empolgação (Allons
enfants de la Patrie, le jour de gloire est arrivé!... L'étendard sanglant est
levé... Qu'un sang impur abreuve nos sillons! Avante filhos da Pátria, o
dia da glória chegou... O
estandarte ensanguentado se ergueu.... Que um sangue impuro banhe
o nosso solo!). Velha Paris, nossa conhecida pelos compêndios de história e
estudos obrigatórios de seu idioma, o francês, por sete anos nas séries do
antigo ensino ginasial e colegial, hoje conhecidos por ensino fundamental e
médio. Foi por intermédio das lições de francês, iniciadas no Brasil pelo
Colégio Pedro II em 1837, que os meninos tomavam contato com a literatura de
Balzac, Zola e os filósofos iluministas Voltaire e Rousseau que inspiraram os
princípios da Revolução francesa. A cultura francesa enfeitava o imaginário dos
estudantes que cresciam sonhando em conhecer a Paris desses intelectuais
revolucionários e muitos cientistas. Toda a literatura e compêndios de
filosofia e ciências eram baseados nas publicações francesas e não raras vezes
a leitura se dava no idioma original, principalmente frases incentivadoras dos
estudos como aquela célebre: L’homme
instruit parle peu et bien; l’ignorant parle beaucoup et ma, ou então a
mais famosa frase de Luiz XIV, o Rei Sol...
L´Etat c´est moi... Ah..., as lições dos livros: Le Français, dos autores Robin
et Bergeaud, da Librairie Hachette- Paris e depois Mon Livre de Français, de
Marcel Debrot, professor radicado em Belo Horizonte e que casualmente o
conhecemos num almoço na cidade mineira de Nova Lima alguns anos mais tarde.
Com
a bagagem cultural e humanística adquirida na juventude e ainda os estudos aprofundados
sobre a origem francesa do ensino agrícola superior no Brasil e algumas viagens
em missões oficiais por toda a França com domínio razoável do idioma, só
faltava mesmo um passeio cultural para explorar um pouco daquilo que aprendemos
antes. Durante os oito dias em que
estive em Paris pude aguçar o olhar sobre o traçado da cidade, ruelas, casario
e modernas avenidas como os Boulevard Haussmann, Raspail, Montparnasse e outras
decorrentes da grande reforma urbana que o Barão Haussmann nela efetuou entre
1852 e 1870. Notável a questão da engenharia da mobilidade urbana, com o
sistema de metrô desde o ano de 1900 e conectado aos sistemas de trens e ônibus
suburbanos. Essas grandes avenidas com seus cafés e lojas de grifes, aliados ao
funcional sistema de transporte público, determinaram um estilo próprio de vida
dos parisienses e que influenciaram a engenharia e a arquitetura urbana do
mundo inteiro.
Paris
passou por tudo isto e muito mais. Tem história, da ambição desenfreada de Napoleão
na conquista e domínio da Europa à sedição imposta pelos nazistas alemães na
Segunda Guerra Mundial. Mais recentemente pelas barricadas estudantis de 1968 e
depois, em 1988, quando da reforma da educação nacional, que lá presenciei. O projeto
de lei Devaquet previa a introdução do processo seletivo para ingresso nas
universidades. Foi insistentemente combatido pelos estudantes. Devaquet era o
ministro da educação superior e da pesquisa, e eu me encontrava atuando
justamente na DGER, a Direção Geral de Ensino e Pesquisa, o órgão governamental
visado pelos estudantes. Foram verdadeiras
demonstrações de democracia nas ruas de Paris, que iniciaram em 1986 e se estenderam
até o ano de 1988. Foram marcantes para o jovem executivo que, exatos 20 anos
antes, em 1968, presenciara e sofrera as consequências de escaramuças policiais
repressivas contra estudantes na Avenida Alfredo Balena, defronte à Escola de
Medicina da UFMG. Eram os protestos estudantis contra a ditadura militar que se
instalara em nosso país. Em Paris, naquele mês de junho de 1988, não pude
deixar de traçar um triste paralelo entre os protestos estudantis de Belo
Horizonte, onde residia e trabalhava e aquele ali, ordeiro, mas incisivo e
direto nas avenidas da milenar capital dos franceses. Confesso que tive vontade
de vingar as escaramuças da Avenida Alfredo Balena, à base de gás lacrimogênio
e cacetadas e marchar junto aos secundaristas parisienses que caminhavam
protegidos pelos policiais. Invejável, o direito de livre manifestação.
No
campo da ciência Paris abrigou as grandes descobertas de Pasteur, Pierre e Madame
Curie, Laplace, Lavoisier, Pascal, Ampere e tantos outros que estudamos nos
colégios e faculdades. Paris sempre foi considerada o centro
da cultura europeia, da moda, literatura de Balzac, Baudelaire, Zola, do
iluminismo de Jean Jacques Rousseau e outros hoje reverenciados no Panteão
Nacional. Paris é única, no passado e no presente. Seus cafés, lojas de grifes,
museus e monumentos como a Torre Eiffel construída em 1889 e o grande e
incomparável Panteão Nacional, entre tantos outros, nos mostram isto. Um deleite sem igual.
Mas,
o que mesmo, numa análise simplista, há de comum entre Brasília e Paris? É
evidente que não se pretende comparar o incomparável, pois cada cidade é única,
mas apenas lançar um olhar, leigo, diga-se, sobre as concepções urbanísticas e
arquitetônicas de ambas as cidades. Se de um lado a Avenida Champs Elysées se
constitui em eixo histórico de Paris, alinhando o Arco do Triunfo ao Arco de La
Defense, passando pelo obelisco da Place de la Concorde, em Brasília temos o
Eixo Monumental que alinha o Palácio da Alvorada ao memorial JK, estendendo-se
até a Estação Rodoferroviária, passando pela Praça dos Três Poderes, Marco Zero
(Rodoviária do Plano Piloto, que é o cruzamento do Eixo Monumental com as Asas
Sul e Norte) e a Torre de TV. Interessante notar que até mesmo o quadrante
solar, traçado no solo ao redor do Obelisco Egípcio da Praça de la Concorde,
inspirou a colocação do quadrante solar em Brasília, suspenso em um pedestal de
ferro bem ao meio da Esplanada, em frente à Catedral Metropolitana. As praças
de Paris são pródigas em monumentos e esculturas como as dos Cavalos de Marly,
cujos originais se encontram no Museu do Louvre e as réplicas na praça de la Concorde,
bem na entrada da Champs Elysées. Esculturas em praças não são tão frequentes
em Brasília. Mas, há quem diga que nem é tão necessário assim, pois os prédios
de Niemeyer já são as próprias esculturas. Concordo, veja a catedral Metropolitana,
o Congresso Nacional com suas belas conchas, as curvas dos palácios da Praça
dos Três Poderes, do Alvorada e do Museu Nacional. Verdadeiras esculturas que
enchem os olhos e provocam admiração em qualquer visitante, sobretudo os
estrangeiros.
Em
termos urbanísticos, afora a gritante diferença do sistema de transporte
público com sua vasta rede metroviária, de trens suburbanos e ônibus, observamos
semelhanças no gabarito (altura) dos prédios na área central de Paris. São seis andares mais o térreo e muitos locais
com fachadas uniformes. Brasília também tem gabarito de seis andares mais o
pilotis, que é o térreo, vazado para livre circulação. As fachadas também
uniformes em vários setores da cidade. São assim nas quadras residenciais do
plano piloto, nos setores comerciais, hoteleiros, bancários e outras. A
uniformidade se repete até mesmo na Esplanada dos Ministérios, com prédios
idênticos, de nove andares. Os arquitetos urbanistas Haussmann, Lúcio Costa e
Niemeyer quiseram nos brindar com um horizonte limpo, sem cercas para as
vistas. Quando contempladas a partir dos pontos mais altos, como o mirante da
torre Eiffel na cidade luz ou da torre de TV da capital brasileira, pode-se
sentir o quanto isso foi acertado e agradável. O horizonte é limpo, descortinando-se
toda a paisagem da cidade, sem grande densidade de população permanente. Apenas
uma diferença, o céu de Brasília é de um azul intenso, o ano inteiro, o que nos
dá uma sensação de maior liberdade e beleza.
Outra semelhança observada foi a existência de
superquadras nos distritos mais distantes do centro de Paris. Portanto, as
superquadras residenciais de Brasília não são tão originais assim. O modelo
existe por lá, pelo menos em Rueil-Malmaison com sua Square Ronsard e quase uma
dezena de prédios iguais, de cinco andares, destinados a moradias. Pode-se
afirmar que tanto o gabarito de seis pavimentos para os prédios como a
concepção de superquadras de Brasília tiveram influencia do modelo francês e,
lógico, foram melhoradas por Lucio Costa e Niemeyer. As melhorias criadas pelos arquitetos brasileiros podem ser sentidas na predominância das áreas verdes, do
paisagismo aberto, o céu escancarado, a existência dos pilotis livres e o
agrupamento de duas superquadras servidas por comércio local, áreas de lazer e
escolas. A vivencia e convivência dos moradores foi mais facilitada em Brasília
que em Paris. Nisto os arquitetos brasileiros foram privilegiados, pois
dispunham de enorme vazio que pôde ser totalmente planejado. Essa qualidade de
vida na cidade de Brasília, que supera qualquer similar do mundo, é uma
vantagem que atraiu e contribuiu para a fixação de muitas famílias em nossa
capital. Vive-se na superquadra com todas as facilidades disponíveis e portanto
sem necessidade de se locomover até mesmo para levar as crianças à escola ou
lazer. Aliás, as superquadras convidam a uma caminhada em mais de 120 km de
alamedas totalmente sombreadas com ipês e outras árvores que florescem em
diferentes ocasiões. Em Paris isto só é possível em parques ou nos bosques que
margeiam o Rio Sena um pouco mais distante do centro da cidade. Passeamos pelos
bosques de Malmaison, onde o Rio Sena tem uns 100 metros de largura, com águas
límpidas e azuis. Nesse trecho há algumas ilhas e um pouco mais adiante ficava
a famosa Máquina de Marly que bombeava água para o suntuoso Palácio de
Versalhes com suas fontes artificiais e belos jardins. Em Brasília não há rio,
mas sim um grande lago com mais de 60 km de orla. Por outro lado, além das
alamedas para pedestres, há ainda mais de 50 km de ciclovia nas asas sul e
norte, paralelas e sob a mesma arborização das alamedas de pedestres. Qualidade
sem igual seja na América do Norte ou na Europa, pois as mesmas passam dentro
das Super Quadras e não há que se deslocar para buscar parques distantes e sem
estacionamentos.
Sobre
a população pudemos sentir que Paris é mais cosmopolita. Embora Brasília também
o seja, pois é a sede do poder nacional onde se concentram as missões
diplomáticas do mundo inteiro, Paris ganha nesse quesito. Encontram-se pessoas
nas ruas de todas as nacionalidades provenientes dos cinco continentes e por
consequência uma babel de idiomas. Mas nem por isso o parisiense deixa de ser
cortês. E nesse quesito a cidade mudou bastante. Há 25 anos ainda havia forte
predominância xenofóbica. Antes, nem mesmo se dignavam a prestar informações
solicitadas por turistas, qualquer que fosse a sua nacionalidade. Lembro-me que
numa das primeiras vezes que lá estive até mesmo um gendarme negou-se a prestar-me informação até que lhe fosse exibida
uma declaração do Ministère des Affaires Étrangères. Esta determinava que fosse
prestada toda a assistência necessária ao tal M. DaSilva. Daí entendi o por que
daquela inusitada declaração que o governo francês havia oferecido e solicitado
que a portasse durante a estada em missões oficiais junto aos ministérios da
Educação e Agricultura daquele país. Hoje, não mais seria necessário tal
documento de ordenança aos agentes públicos, pois a população está mais aberta
e receptiva ao turista e não faltam bonjour,
excusez moi e merci em qualquer circunstância, sejam nos meios de
transporte, nas ruas, lojas, monumentos e restaurantes. Ah, para quem não
domina totalmente o idioma francês não é mais problema, pois grande parte é
fluente no inglês.
Ainda
sobre a população e seus costumes um detalhe, no entanto, chamou-me a atenção.
Infelizmente cresceu o número de fumantes. É incrível a quantidade deles que se
vê em certos ambientes e especialmente nas ruas, mesmo sob intenso frio. Não há
campanhas sobre os malefícios que o fumo pode causar à saúde, à exceção única
daquelas advertências que vêm impressas nos maços de cigarros. Conversamos
bastante sobre isso e parece que não há uma preocupação nacional. Aliás, ficamos
bastante chocados ao visitar um Licée, onde os jovens de 13 e 14 anos (conferimos
a idade) fumavam..., todos eles, sem exceção, à porta do colégio e ao lado de
um professor que animadamente conversava com eles e... também fumava. Sem
querer criticar, soa muito estranha essa situação num país que tem sido
vanguarda nas pesquisas e ações em prol da humanidade. Ainda mais quando, por
outro lado, sabe-se que no Brasil as campanhas contra o fumo foram muito bem
sucedidas, baixando o número de fumantes em cerca de 60% nos últimos dez anos. Mas, em contrapartida os parisienses adoram
frequentar, além dos cafés, bibliotecas e museus. Encontrei vários grupos de
crianças e de adolescentes em alguns museus e monumentos. Um hábito educacional
não muito cultivado pelos brasileiros. Mas, também é inegável reconhecer que,
comparativamente, estamos longe em termos de qualidade e quantidade de museus
em nosso país. Há que se registrar, também, a grande presença de idosos
circulando pelas ruas, museus, cafés e locais turísticos da cidade.
Locomovem-se de metrô, ônibus, trens e caminham bastante pelos bosques, mesmo
sob o intenso frio de dezembro.
Mas,
enfim, a França está cada vez melhor, Paris mais bonita com a decoração de
natal, monumentos e museus em quantidades suficientes para se passar toda uma
vida visitando-os e conhecendo mais e mais sobre tudo que se possa imaginar,
das guerras à moda, à ciência e tecnologia, às artes, costumes e letras. Paris
é única, disse alguém. Concordo e à parte a fascinação que ela exerce, há que
se voltar lá de tempos em tempos para, além de apreciar suas belezas e
culinária, reencontrar todo um passado de cultura e saber que tanto marcaram a
humanidade. Não é necessário que sejamos um arquiteto, urbanista ou engenheiro
ou ainda um artista e tampouco fotógrafo profissional para admirar e apreciar
seus encantos, sua história e notar semelhanças com nossas cidades e sua gente.
Basta ser um turista, curioso, que registre com fotos, quase sempre de pouca
qualidade, tiradas por smartphone ou tablet sempre à mão e dê asas à
imaginação. O melhor de uma viagem é a reflexão que dela aflora, buscando nos
escaninhos da mente o passado e deleitando-se com o presente, o novo, diferente
e inusitado às vezes, bem ali aos seus olhos, enriquecendo a alma. Flâner
et flâner...
Brasília,
23 de dezembro de 2013
Paulo
das Lavras
Quadra residencial em Malmaison/Paris
Super Quadras em Brasília
Bosque à margem esquerda do Rio Sena, bem azul
e despoluído - dezembro 2013 (04ºC)
Bosque e ciclovia na Superquadra de Brasília,
dezembro de 2013 (25ºC, nublado)
A 1 km abaixo, ou 16 min de caminhada, em Bougival,
ficava a possante Máquina de Marly que bombeava água
do Rio Sena para o suntuoso Palácio de Versalhes.
Paisagismo harmonioso, bosque, ciclovia, blocos residenciais
com via de circulação restrita aos moradores.
Blocos comerciais à direita da ciclovia. à esquerda situam-se
os blocos residenciais.
Entre cada duas superquadras há área com quadras esportivas
e Escola Fundamental (ao fundo da foto)
Champs Elysées e Arco do Triunfo
Eixo Monumental- Esplanada dos Ministérios e
Congresso Nacional
Essas
belas esculturas chamadas de “Cavalos de Marly” datam de 1745. Faziam parte da
decoração do Castelo de Marly. Esse castelo foi construído por Luiz XIV, o Rei
Sol. Ali se localizava o sistema de bombeamento de água do Sena para o Palácio
de Versalhes (possuía a maior bomba hidráulica do século XVII, com catorze pás
giratórias movidas pela correnteza suave do rio Sena). Em 1794, durante a
Revolução Francesa, as esculturas, em mármore, foram levados para a Place de la Concorde.
Depois foram transferidas para o Museu do Louvre onde se encontram até hoje na
ala Cours de Marly. Na Place de la Concorde estão as réplicas que
fotografei, na entrada da Avenida de Champs Élysées (3ª foto abaixo).
Chevaux de Marly - foto de 1905
Os Cavalos de Marly, dezembro de 2013, na Place de la Concorde,
na entrada da Champs Elysées, vendo-se o Arco do Triunfo ao fundo
As "esculturas" de Brasília., a Catedral e o Museu Nacional
Torre Eiffel - Paris
Torre de TV - Brasília
Boulevard Haussmann
Decoração natalina de 2013. Paris e Brasília
Trem (120km/h) SNCF. Paris/Caen na Normandia
Metrô de Brasília, em rampa acentuada de 8% de aclive
Feirinha de fim de semana em Rueil-Malmaison/Paris
Institut National Agronomique de Paris
Crianças visitando Museu
Meninos no Museu des Arts et Métiers
Adolescentes e professor fumando à porta de um Licée
Aguerridos Estudantes secundaristas
Panthéon National - Paris
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