Professor, como se
dá o processo de criação de uma crônica, um artigo ou mesmo a invenção de um
produto? Perguntou-me a aluna do curso de agronomia ao ler alguns de meus
trabalhos. Difere das lógicas a que estamos acostumados? Continuou a
aluna. Depois de pensar um pouco e surpreso com a qualidade da pergunta,
respondi resumidamente como aquilo se passava comigo e prometi que lhe daria
uma resposta mais completa, pois serviria de incentivo a todos os colegas.
É uma questão tão importante, disse-lhe ainda, a ponto de se constituir
matéria da área de gestão estratégica de empresas, ministrada no próprio curso
de agronomia.
O
impulso de criar descobrir, inventar algo novo ou simplesmente produzir um texto
literário se inicia com a “natureza inquieta”, com a “necessidade” de querer
entender mais e mais sobre uma determinada questão, um problema ou objeto.
Enfim, a busca por uma resposta para o problema ou produto desejado. Esse espírito
inquieto, curioso por entender um problema é a primeira característica de quem
produz algo novo, um invento, um artigo literário ou técnico-científico. Certa
vez li uma frase que me marcou muito e tem servido de mote para minha conduta
como educador: “Os mais inteligentes não são aqueles que
sabem responder às questões, mas sim aqueles que fazem perguntas”. Perguntas sobre O quê? Quando? Por
quê? Onde? Quem? Como? Quanto?, são ferramentas tão importantes no planejamento
estratégico e desenvolvimento de
projetos que até receberam o nome de técnica dos 5W e 2H (What, When,
Why, Where, Who, How, How much). Daí a importância dessas perguntas nos
processos de planejamento, desenvolvimento e inovações. O inventor, inovador ou
intelectual que produz um ensaio ou desenvolve uma nova ideia ou teoria, ou
simplesmente escreve uma crônica, um conto ou uma poesia, leva a vida inteira
com curiosidade.
Todas essas características podem ser resumidas em
uma única palavra: sonhar... E para os sonhos não deve haver limites. Um
exemplo? Aficionado por aviões, desde criança, sempre sonhei com as alturas
vendo os voos das águias e aves de rapina que habitavam as montanhas alterosas.
Tinha e ainda tenho verdadeira compulsão para admirar aviões e sonhar com eles.
Pilotar pequenos aviões de treinamento e executar “perdas” com um monomotor de
instrução “caindo” de ponta cabeça em parafuso era uma experiência fantástica,
indescritível e repleta de adrenalina ao recuperar os controles da pequena
aeronave. Praticante também do aeromodelismo, sonhava de olhos abertos com um
protótipo de controle remoto que levaria um boneco paraquedista. Este, acionado
pelo controle, seria ejetado em pleno voo e desceria suavemente com seu
paraquedas aberto. Criei isso no meu
imaginário quando, depois de sobrevoar a fazenda de meu pai, lancei alguns
bonecos presos a pequenos paraquedas, provocando a correria dos camaradas
(empregados) em busca daquela curiosidade que caía suavemente do céu. Assim,
prometi ao filho que compraria, em alguma viagem ao exterior, um desses aeromodelos
com paraquedista. Ele cansou de esperar, simplesmente porque o tal brinquedo
ainda não existia. Hoje, decorridos mais de 30 anos, o tal modelo já está no
mercado, ou seja, alguém sonhou e imaginou o mesmo projeto e o transformou em
produto real. Então, orgulhosamente, disse: “viu com eu estava certo há 30
anos?”. Meu sonho era factível, mas, o filho ficou frustrado, pois ele
propagandeara na escolinha que iria ganhar aquele “brinquedo fantástico” que
nunca chegou, apesar das várias viagens ao exterior.
Assim, se a curiosidade é a primeira característica
do pesquisador, inventor ou inovador, a segunda é o gosto pelo processo da
descoberta. É preciso gostar da viagem e não apenas do destino, diz o ditado
popular, ou seja, o processo de descobrir tem que ser empolgante para o
protagonista, senão ele será interrompido. É comum as pessoas verem o invento e
sequer imaginar quantas experiências foram feitas e perdidas até se chegar ao
resultado final. Mas, o verdadeiro inventor se compraz até mesmo com os
resultados de cada etapa do processo. Cada resposta gera um sem número de
outras perguntas e a busca pelo conhecimento se torna infinita. É o amor pela
arte de buscar o conhecimento. Entretanto, não bastam a curiosidade e o gosto.
É preciso ser também muito persistente. Quer exemplos? Todos conhecem um
produto muito utilizado em casa e nas oficinas, o WD 40, um fluido que remove
toda a ferrugem de ferramentas, parafusos, fechaduras e tudo mais. WD é a sigla
de “Water Displacement”, ou seja, deslocador, removedor de água. E o numeral
40, o que significa? Simplesmente identifica o número da fórmula bem sucedida.
Trinta e nove outras foram testadas e não funcionaram bem. Somente a de número
40 funcionou como desejado. Perseverança...!
Outra característica muito importante é não colocar
freios na imaginação. Feche os olhos e pense numa coisa boa... Já ouvimos isso
muito vezes e tem uma razão fundamentada para tal conselho. É que o pensamento
puro exige relaxamento e certo silêncio. O silencio total, o vazio da alma. A
reflexão só acontece se estivermos concentrados, com a alma destravada, livre
de qualquer preocupação. O pensamento tem que
correr solto, como um sonhador... Embarcar nas asas da fantasia, no mundo dos
sonhos é uma característica própria das pessoas, porém, difícil é manter-se
nesse estado de alma destravada. Sempre somos cobrados, interrompidos e
chamados à realidade... Acorda, fulano!!!
Sonhar de olhos abertos? Sim, também, pois os sonhos oníricos quase
sempre não são lembrados depois que despertamos e o cérebro começa a entrar na
consciência da rotina ou do planejamento do dia que se inicia. Poucos dos
sonhos são lembrados. Quem ainda não se pegou resolvendo no sonho, de manhã ao
acordar, um problema que o afligiu no dia anterior? Aprendi a manter um bloco e
caneta na cabeceira da cama e anotar imediatamente, ao despertar, a solução
encontrada durante o sonho. Pode parecer incrível, mas já consegui corrigir textos
de minha própria produção, resolver equações matemáticas e problemas em 3D de
engenharia, além de recordar nomes de ruas de cidades onde fizera alguma compra
ou visto algo interessante e que por alguma razão não conseguira me lembrar
durante o dia. Nem sempre a solução vinha completa no sonho, mas, depois, num
processo reflexivo consciente, completava o raciocínio desenvolvido pelo
inconsciente.
Usar esse
estado hipnagógico, que é aquele período entre o acordar e o total despertar,
em que a consciência começa a tomar o lugar do subconsciente ativado pelo sono,
é muito interessante. Nele podemos relembrar os sonhos, num período muito
criativo em que a mente está destravada, voltada para o interior da pessoa e
com acesso à inspiração do subconsciente. É considerado por muitos estudiosos
como um estado de genialidade sem qualquer limitação. A literatura descreve que
o inventor Thomas Alva Edson (1847-1931), o inventor da lâmpada incandescente,
usava essa técnica para registrar novas ideias. Entrava em processo de completo
relaxamento e meditação, ao mesmo tempo em que segurava uma bola de bilhar na
mão, cochilava sentado e quando atingia aquele estado entre a vigília e o sono,
quando temos alucinações visuais e auditivas, a bola caía sobre uma bacia fazendo
barulho, despertando-o. Ato contínuo, enquanto estava naquele estado letárgico
em que os pensamentos invadem o subconsciente, ele anotava e rabiscava as
ideias que “sonhara”.
Como as ideias não têm hora marcada para aparecer é
importante que se faça a anotação imediatamente. Paro o que estiver fazendo,
inclusive de dirigir o carro, se for o caso e anoto as linhas gerais, os
tópicos, enfim, tudo que puder caracterizar o “projeto”. Uma das situações em
que os pensamentos criativos ocorrem mais frequentemente é nas viagens de
trabalho. Os cochilos a bordo de grandes aviões se tornam fonte inesgotável
para o afloramento dessas inspirações. São nos voos em cruzeiro dos modernos
jatos, a 10 ou 11.000
metros de altura, em completo estado de meditação a
contemplar o espaço, usufruindo do silêncio a bordo, que tenho tido as melhores
inspirações para escrever algo sobre a beleza e o valor da vida. Ali, a
sensação de flutuar, literalmente, nas nuvens provoca-me a leveza da alma e
profundas reflexões inspirando a criatividade, seja ela plástica, literária ou
técnico-científica. Esse estado de plena leveza da alma também é alcançado
quando estou na varanda de minha chácara observando a natureza – os jardins, os
passarinhos, o borbulhar da água que corre no rego e tudo ao redor. É um
refúgio para a alma e ali me reencontro como “pessoa” e a criatividade tem
campo fértil. Também na solidão dos hotéis, principalmente no exterior, onde o
ambiente é propício à reflexão, encontramos ambiente favorável à criatividade. É
impressionante como, nesse estado da alma, emerge o que sabemos sem saber que
sabemos e o que procuramos sem saber que procuramos. Verdadeira terapia para a
alma.
Tenho uma pasta repleta de papeizinhos, guardanapos
de restaurantes, tickets, cartões de embarque com anotações, rabiscos de novas
fachadas de casas, planos paisagísticos, títulos e sumários para novos artigos,
tudo aguardando um destino, geralmente uma crônica. O notebook também se presta
a tais anotações e nele há um arquivo eletrônico próprio para esses “projetos” em hibernação. Nem
sempre o trabalho é concluído de uma só vez. Frequentemente são escritos e
reformulados várias vezes, com intervalos de tempo incertos e de acordo com as
novas ideias que vão surgindo e logo incorporadas. Há artigos inacabados há
anos, mas não esquecidos e cada vez que os leio vou recompondo-os. Acho que
escrever é uma arte que se vai apurando dia a dia e toma-se tanto gosto por ela
que essa atividade acaba se tornando um hábito. Os escritores dizem que nunca
se termina um artigo ou livro, pois, a cada vez que se faz uma releitura haverá
novas inserções. Por isso dizem que é necessário dar um basta e “decretar” que
o trabalho está pronto para ser publicado.
Mas, atenção, pois não basta ser curioso, sonhador ou
gostar de pesquisar, ter ideias e anotá-las. Nem mesmo ter um método para
desenvolver a questão é suficiente, pois o que literalmente difere os
pesquisadores e intelectuais das pessoas comuns é que eles são persistentes e
dão continuidade aos sonhos, buscando concretizá-los, acreditando que seu
invento ou criação possa ser útil. São otimistas por natureza e neles não há
lugar para pessimismos. Esse é o mote que me move, inclusive para escrever
crônicas e em especial este artigo que responde a pergunta de uma aluna que
queria saber como funciona o pensamento criativo diferenciado das lógicas a que
estamos acostumados. Assim, ao escrever este artigo, penso que ele pode ser
útil aos jovens que têm uma vida profissional inteira pela frente e de alguma
forma, podem adquirir tais competências desenvolvendo suas habilidades e talentos.
E você, jovem, sabe quais são seus talentos e habilidades? Veja na nota de
rodapé os conceitos dessas características pessoais (*).
Brasília, 2009/2012
Paulo das Lavras
(*)
Conceitos:
Habilidade: capacidade técnica para realizar determinadas tarefas,
desenvolvidas a partir da teoria e prática. Ex. tocar um
instrumento, pilotar avião.
Talento: capacidade inata e que leva a um desempenho
satisfatório tanto no aprendizado como na execução das habilidades. Ex
inventar, falar em público.
Competência: conjunto de habilidade e talento. Ex. piloto de avião
de caça é mais competente que outro que
não tem tanta
habilidade e talento
para a realização dessa complexa tarefa.
Thomas Edison, grande inventor, inclusive da lâmpada
elétrica
incandescente
que revolucionou o mundo.Valia-se das técnicas de relaxamento e meditação em
estágios hipnagógicos para novos inventos.