O
vovô vai morrer?
(Série “Criança
tem cada uma”- Pedro Henrique)
Pedro
Henrique é um netinho para lá de peralta. Ativo, arguto e perspicaz como
ninguém de sua idade. Com pouco mais de um ano e mal sabendo falar já surpreendia
a todos com suas traquinagens e depois com perguntas embaraçosas. A propósito
de filhos, netos e o prazer que eles nos proporcionam, li numa
crônica chamada “O preço de um filho” que o custo financeiro estaria estimado
em algo no valor de 300 mil reais, ou 150 mil dólares, incluindo todos os
cuidados desde o nascimento até a conclusão da faculdade. O cronista destacou
que, embora os custos fossem altos, as recompensas superavam muito além do que
se supunha imaginar. Listavam-se o sorriso da criança, a alegria das descobertas,
as brincadeiras de esconde-esconde, os primeiros garranchos e várias outras.
Realmente, posso afirmar pelo que me foi dado em recompensa em curto espaço de
tempo, criança não tem preço. Tudo que se investe nela tem retorno imediato.
A primeira peça que Pedro Henrique
pregou no vovô foi a estratégia para conseguir a caneta que ficava sempre no
bolso da camisa. Gostava de “dee...enhar” rabiscando folhas retiradas da
bandeja da impressora localizada no escritório. As folhas eram fáceis de
conseguir, mas a caneta à vezes era dificultada. Assim, um dia ao chegar do
trabalho e antes
mesmo de colocar a pasta sobre a mesa, surge correndo o pirralhinho de um e meio aninhos e
grita balbuciando: vovô... “dee..eenhá”...., vovô... “de..eenhá”...., e ato
contínuo aponta para o bolso da camisa onde está a caneta. Nesse instante a mamãe
intervém dizendo: não..., primeiro tome a benção do vovô, ao que ele responde
rapidamente, Não!... e repete o pedido: vovô... de..eenhá...., vovô... de...eenhá...
. O vovô entra no coro da mamãe e repete a ordem, mas o petiz demonstra sua
contrariedade e corre para o sofá onde mergulha a cara e faz gestos de desgosto
e frustração pelo cerceamento de sua vontade. Ele volta à presença do vovô e
repete o pedido e todos os presentes, aí incluindo a vovó e a tia além dos
protagonistas, fazem coro e repetem a ordem inicial numa última tentativa de
educar o menino.
Pedrinho, aparentemente, desiste afastando-se para
os fundos da sala. Mas, em seguida dá meia volta, corre para o vovô e com a
carinha mais angelical, implorativa, dengoso, diz: Vovô... colinho... , colinho,
vovô... . O vovô saca logo a jogada... com certeza seria apenas um jogo de cena
do pequaeno que já revelava toda sua inteligência e argúcia para ludibriar e
vencer seus opositores. Sim, era isso mesmo. Imaginei que o estratagema seria
que, ao ser içado ao colo, a caneta ficaria ao seu alcance. Pisquei para os
demais e custei a conter o riso de tão inusitada situação para uma criança
daquela idade. Incrível o seu desenvolvimento mental, pois ainda mal pronuncia
as primeiras palavras. Mas, como resistir àquela situação? Não restava alternativa senão esquecer as
ordens anteriores e dar a vez ao comandante do momento que pulou para o colo e
antes mesmo de se aboletar, rapidamente alcançou a almejada caneta no bolso da
camisa. Todos caímos na gargalhada diante da esperteza e senso estratégico. Vitorioso,
mostrou seu largo e angelical sorriso, conferiu o troféu e, pasmem... constatou
que a caneta não serviria ao seu objetivo/meta - desenhar, porque a ponta
estava recolhida. Mas, não se logrou e completou: Vovô... abre, abre...,
dee..enhá, dee.. enhá.... . Que coisa mais linda o universo infantil, a sua
inocência, o seu desenvolvimento físico e mental e sobretudo o amor que irradia
e contagia a todos. É algo divino, maravilhoso... uma dádiva de Deus e que nós
os adultos temos a responsabilidade total de conduzi-los.
A crônica
sobre o custo de um filho está mesmo recheada de sabedoria. Nada importa, sejam
os custos financeiros ou as noites mal dormidas. Nada, nada mesmo, se compara
às recompensas que recebemos dessas criaturinhas, filhos, netos, sobrinhos ou
simplesmente “crianças”. Que Deus continue as abençoando e nos recompense dessa
maneira, a maior dádiva do mundo: receber o amor das crianças. Deve ser por
isso que Deus nos despoja, depois de certo tempo, das ambições menores
justamente para sobrar lugar e energia para nos dedicarmos a esses anjinhos que
caíram do céu para alegrar e completar nossas vidas.
xxx
(crônica
escrita em 12/05/2010, dia em que Pedro Henrique completava um ano e meio de
vida. Vovô, corujando a bordo de um Airbus A-320, cruzando a linha do equador
na rota Macapá/Belém/Brasília)
Episódio 2 – Por favor, bicho....
Era véspera de Natal de 2010. Pedro Henrique com
dois anos de vida, falante como ele só, brincava no tapete da sala, próximo à
árvore de Natal toda enfeitada e iluminada. De repente ele apanha alguma coisa
estranha no chão e põe na boca. Logo a vó gritou: Pedro Henrique, o que foi que
você pôs na boca? Cara desconfiada, boca fechada imóvel, olhava para a vó e
nada dizia. Esta, mais do que depressa, disse: Isto que você pôs na boca é um
bicho (inseto) e ele vai comer sua língua. O menino pensou, pensou, arregalou
os olhos, assustado cuspiu fora o objeto e disse; “Bicho, por favor, não come a
minha língua, não”.
Episódio
3 – O medo da castração...
Com apenas três anos e meio, Pedro Henrique contou,
na sala, a seguinte história:
“Vó, você
sabe que o médico cortou a coxa da minha mãe e me tirou da barriga dela? Eu
chorei muito porque fiquei com medo do médico se distrair e cortar o meu
bibiu”.
Todos acharam muita graça, mas contivemos as
gargalhadas e procuramos salvar a situação dizendo que ninguém pode cortar o
bibiu de ninguém. Na verdade a mãe depois
explicou que ele tinha visto alguns dias antes o vídeo de seu parto, cesariana.
Naturalmente a filmagem mostrava, de perfil, parte da coxa e o bebê sendo
retirado com o cordão umbilical que foi cortado em seguida, deixando aparecer
algum vestígio de sangue. Logo em seguida aparece a cena em que ele dá o
primeiro choro e certamente ele confundiu cordão “bilical” com bibiu..., aí
sim, longe dele caímos na gargalhada e ficamos admirados com o seu vocabulário,
especialmente o uso coerente do verbo “distrair”. Criança tem cada uma...
Episódio 4 – Pelados
no céu...
Na noite de Natal de 2012 estávamos reunidos na
sala e o noticiário da TV mostrava cenas do velório de Dona Canô, na Bahia.
Após longa reportagem sobre sua vida, filhos famosos e a morte propriamente
dita, o netinho Pedro Henrique, então com quatro anos de idade, pergunta:
“Mamãe, as pessoas quando morrem vão peladas para o céu”?
A mãe, um
tanto surpresa respondeu: “não sei,
filho. Só sei que quando você veio do céu, você veio pelado”.
Nada mais
se disse e todos contiveram o riso..., além, lógico, da surpresa geral e o
encantamento com as ideias do menino.
Episódio 5 – O
vovô vai morrer agora, mamãe?....
O menino das Lavras é apaixonado por aviões desde a
infância. Frequentava o campo de aviação de sua cidade para ver os “enormes”
DC-3 que ali pousavam depois de passarem por sobre sua casa a 2 km da cabeceira
da pista. Praticava aeromodelismo na juventude e mais tarde os voos em
ultraleves, apreciando também as aeronaves de suas quase três mil viagens.
Ainda hoje, vovô sessentão, cultiva o gosto pelas máquinas voadoras. Foi assim
que presenteou o netinho com um aeromodelo de helicóptero, pilotado por
controle remoto. É a paixão de Pedro Henrique, de quatro anos de idade, que faz
questão de colocar uma almofada retangular no centro da área de pilotagem,
representando um heliporto, para ver a destreza do piloto em acertar a aterrisagem
no ponto que ele determina. A cada erro desastrado na aterrisagem ou então
sucesso, uma reação diferente, porém carregada de emoção. Outra alegria é
colocar o helicóptero em sua palma da mão e com o braço esticado, assistir e
sentir a decolagem com os motores e hélices rugindo a toda carga, elevando-se
aos céus como um pássaro que alça voo apressadamente. É notável a reação de
prazer e excitação na face e gestos do menino de cabelos esvoaçantes ao vento
das pás girando em alta velocidade. É uma alegria que se repete a cada vez que
vai à casa ou à chácara do vovô. Para isso há dois aeromodelos à sua
disposição, um em sua casa e outro na do vovô coruja que faz questão de ainda
praticar o esporte. Agora com prazer redobrado, pois há os aprendizes que
adoram as manobras radicais e até os “acidentes” eventuais como aquele da perda
de controle, levado por uma forte rajada de vento, ultrapassando os limites da
chácara e caindo na propriedade vizinha, com difícil resgate do helicóptero sobre
uma árvore que amorteceu sua queda e não o danificou. Adrenalina pura para as
crianças...
Na escola Pedro Henrique tem dois dias em que não
há atividades integrais, sendo dispensado ao meio dia. Às vezes o vovô vai
buscá-lo para passar a tarde na casa da vovó. Nesse dia o nível de adrenalina
começa cedo, quando pergunta à mãe quem vai busca-lo no colégio. Ao saber que
será o vovô a exultação é tamanha que começa a propalar aos quatro ventos a
novidade. O primeiro a saber é o porteiro do prédio, depois o recepcionista da
escola e nesta, desde a professora a todos os coleguinhas ele anuncia “hoje
o vovô vem me buscar...”.
São dois episódios que servem para mostrar o quão é
prazeroso lidar com as crianças. Elas têm um amor puro e quanto mais fazemos em
prol delas mais elas se apegam a nós. Assim, após esse preâmbulo, ficará mais
fácil entender e compreender o caso a seguir e que dá título a esse episódio.
Levei Pedro Henrique e seus pais ao aeroporto para
uma viagem de férias de uma semana em Natal-RN, logo nos primeiros dias de
abril de 2013. Ainda brinquei que queria ir com ele, dentro da mala, no porão
do avião. Ele achou que não seria uma boa ideia, pois não caberia ali, além do
que me sufocaria e sugeriu que deveríamos ir para a Costa do Sauipe, na Bahia,
depois que ele voltasse de Natal. Despedimo-nos e lá se foi ele, não sem antes ouvir
a minha recomendação para visitar e fotografar a cabine do piloto do Airbus
grandão. Como eu não estava me sentindo bem os deixei rapidamente no setor
apropriado e retornei logo, sem fotografa-lo ou esperar o embarque. Pouco depois
estava eu no hospital “curtindo” dores abdominais intensas nunca antes
experimentadas. Tomografias, exames... e lá estava o diagnóstico: colecistite
ou traduzindo, pedra na vesícula, com recomendação de cirurgia. Triste e
apreensivo ali naquele túnel com os motores disparando barulho de metralhadora
mapeando os órgãos, passava pela cabeça um filme tenebroso. O que seria essa
dor aguda? Verei os netos e brincarei com eles ainda? Sim, com certeza, nada
que uma cirurgia minimamente invasiva não possa resolver, mas... adeus picanha,
vinhos e queijos especiais, gouda, vermeer e outras delicias holandesas...
Pois bem, a noticia da suposta gravidade do caso chegou
ao conhecimento de Pedro Henrique na distante cidade de Natal. À noite recebi
um telefonema. Mal atendi a ligação ouvi: deixa
“eu” falar com o vovô, mamãe. Ato contínuo disparou: “vovô, você está muito
mal?”. Tranquilizei-o, mas ainda assim emendou: E o buraco nas suas costas
sarou? Isto em alusão à enorme cicatriz decorrente de cirurgia a que fui
submetido aos dois anos de idade e que levou pedaços de duas costelas. No seu
imaginário o meu “mal” seria decorrente disso. Expliquei a ele que o buraco já
sarou há muito tempo. Mas ele já (se) fechou? Perguntou ele. Expliquei que ele não
fecharia mais do que aquilo que ele já tinha visto antes. Tranquilizou-se. Depois
sua mãe contou-me que durante todo o dia ele se preocupara e perguntou-lhe:
“O vovô
vai morrer agora, mamãe?... e quem vai pilotar helicóptero comigo?... e quem vai me
buscar quando não tiver dia integral na escolinha?...”.
Amor de criança é infinitamente maior do que aquele
que lhe dedicamos. A crônica de autor desconhecido está inteiramente certa. As
recompensas que elas nos proporcionam ultrapassam muito além do esperado. Para
mim isto não tem preço, pois Deus é sábio, colocou essas maravilhas em nossas
mãos para nossa felicidade. Sempre! Nossa responsabilidade fica maior ainda
depois de uma declaração dessa. Resta-me busca-lo no aeroporto, em seu retorno
neste domingo.
Brasília, 14 de abril de 2013
Paulo das Lavras
Bicho, por favor, não come a minha língua, não!
Vovô, fiquei com medo do médico se distrair e cortar o bibiu
Mamãe, a gente vai pelado para o céu quando morre?
Apaixonado por aviões
Netos são nossas maiores bênçãos, você tem razão. Alegria grande.
ResponderExcluirObrigado, Fátima. E são mesmo assim, vindos do céu para prolongar nossos dias aqui.
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