TCK, esta é a expressão cunhada
há 40 anos por uma estudiosa de crianças americanas que viviam na Índia. A expressão
nada mais é do que o conjunto das iniciais de Third Culture Kids – Crianças de
uma Terceira Cultura, que caracteriza os filhos de pais de nacionalidades
diferentes, que nasceram num terceiro país, falam pelo menos três idiomas e
frequentemente moram ou tem relações em mais de três paises. Essas pessoas
acabam construindo relações com várias culturas, embora não tenham ligação
forte com nenhuma, afirma a autora da pesquisa, Ruth Hill Ulseem. Embora
desfrutem dessas vantagens como a fluência em outros idiomas, facilidade de se
adaptarem a outras culturas e, futuramente, poderem auferir vantagens na
carreira profissional, essas crianças sofrem com a falta de raízes.
As
pessoas acostumadas a viajar e conviver com outras culturas têm os horizontes
ampliados e olham o mundo de uma forma diferenciada, mais ampla. Desenvolvem
uma maneira própria, com outros “parâmetros”, para medir, avaliar e se
relacionar com pessoas “diferentes”. Tornam-se mais argutas na arte de
“observar” e analisar o comportamento dos outros. Por isso têm mais facilidade
de abordagem e aproximação, vez que identificam melhor o perfil cultural das
pessoas ao seu redor. Por isso são mais sociáveis, se relacionam mais e melhor
com estranhos, fazendo novas amizades em qualquer local que estejam. Em outras
palavras, ou melhor, segundo a poetisa e cronista Cecília Meireles em seu livro
“Viagem”, o viajante por estar quase
sempre só, está mais aberto para se encontrar com outras pessoas, mesmo que por
pouco tempo.
Essa é mesmo uma
realidade que o menino comprovou, ao longo de mais de 40 anos de viagens
de trabalho pelo mundo afora. E nesse sentido o viajante a serviço se
diferencia do turista, que é apressado e tem sempre um guia a lhe explicar,
razão pela qual não se interessa em relacionar-se com as pessoas do local. Ao
contrário do turista, o viajante a serviço, até por necessidade de ofício, acaba estabelecendo
uma relação sentimental com o local visitado e consegue assimilar mais a
convivência e o aprendizado que essas novas experiências lhe proporcionam,
inclusive o domínio do idioma local. Advém daí um maior autoconhecimento e
melhor inserção no meio social. A arte de viajar, segundo a citada autora, é
antes de tudo uma arte de amar, de admirar, uma emoção constante, nem sempre
alegre, porém intensa.
Pois
bem, o menino não chega a ser um TCK no sentido estrito da terminologia, mas, assemelhou-se,
pois, embora não seja filho de pais de diferentes nacionalidades (em que pesem
as ancestralidades de origem portuguesa), passou a infância e a juventude em duplo domicílio. E esta
é uma experiência tão rica quanto aquela dos TCK, pois os meninos passavam o
ano escolar na cidade e três ou quatro meses de férias nas fazendas ou em cidades
diferentes, em casas de familiares. Era costume a família intercambiar os filhos
nas férias e às vezes passavam o período inteiro em diferentes lugares. Então
era assim, havia as turmas de amigos da cidade, do campo e de outras cidades
dos estados de Minas, Rio e Paraná. Ter duas casas permanentes, na cidade e no
campo, é algo diferente, instigante e prazeroso. Se na primeira havia no quarto
a estante com livros, brinquedos, cadernos de estudos e similares, na outra se
concentravam os apetrechos de caça, pesca e montaria. No quintal ficavam os brinquedos rústicos
fabricados pelos próprios meninos sob a orientação dos camaradas (empregados)
ou do próprio pai. Eles tinham prazer em ensinar a construir um moinho tocado
pela bica d´água ou a famosa jangada, feita do tronco (pseudocaule) de
bananeira, travada com varas de bambu. Nelas, remavam e navegavam com velocidade espantosa
nas enchentes e corredeiras em pequenas cachoeiras do ribeirão Água Limpa. Também havia a indefectível
tralha para passeios e “viagens” a cavalo para as cidades vizinhas e para as
outras propriedades (eram duas as fazendas do pai, além de uma terceira arrendada). A
segunda propriedade era uma invernada para o gado, banhada pelo imenso Rio
Grande e se localizava a uns 6 km da sede, por caminhos íngremes e tortuosos
por entre montanhas, contornando penhascos perigosos, cruzando riachos, a
cachoeira da Bebela e a rodovia 265. A terceira dela, arrendada em hasta pública, situava-se ao lado da Estação do Farias, da antiga RMV. Era
mais distante, uns 15 km em sentido oposto, porém em terras de campo-cerrado e
com topografia bem suave proporcionando uma cavalgada mais rápida e leve.
Melhores ainda eram as estripulias que o menino fazia juntamente com os humildes garotos,
geralmente filhos de empregados da fazenda ou de vizinhos. Mas, essa é outra
história para ser contada à parte, pois o objetivo agora é focar as vantagens
de se fazer amizades em locais de diferentes culturas. Os constantes contatos com
a garotada do meio rural e de cidades como Nepomuceno, Varginha, Volta Redonda,
Belo Horizonte, Perdões, Ribeirão Vermelho, Itaúna e a distante Londrina, no
norte do estado do Paraná, dentre outras, ajudaram a moldar a personalidade do
menino, pois, o hábito de se mudar de ambiente a cada quatro meses do ano,
levou-o a desenvolver grande parte daqueles sentidos próprios dos TCK. Assim
adquiriu o gosto pelas viagens, conhecendo lugares diferentes, pessoas com
hábitos e costumes distintos daqueles cultivados unicamente pelos familiares.
Aprendeu a ser mais humilde, a tratar melhor e com mais distinção as pessoas,
porque quando se é hóspede em um lugar estranho ao seu ninho, não há lugar para
a arrogância ou achar que o seu lugar e a sua cidade são melhores. Todo lugar é
bom. Os que ali estão adoram e se enchem de orgulho pela terra onde vivem.
Portanto, a sabedoria do visitante consiste em saber “penetrar” nesse mundo
querido do anfitrião, despindo-se de todos os preconceitos e “curtir” as
diferenças, as belezas e os valores de cada local. Aí está um dos maiores
prazeres das viagens, sejam elas a trabalho ou lazer.
Graças
a esse olhar diferente, com o coração aberto, o menino adquiriu a facilidade de
se sentir em casa em cidades como São Paulo, Paris, Rio, Nova York, Bogotá ou
Porto Alegre, de onde, aliás, está voando de volta para casa, Brasília, que não é sua cidade natal e tem costumes totalmente diferenciados. Aliás, por ser uma cidade planejada para ser a capital do país e muito jovem e ainda em formação de sua cultura, já é, por isso mesmo, um lugar extremamente sui generis. Assim, em todos os
locais que visitou (viajava 200, sim, duzentos dias por ano) e prestou serviços deixou amigos aos quais sempre dá um alô, quando ali retorna, ainda que do aeroporto e sem chances de revê-los, apenas para dizer “estou de
passagem por aqui, tudo bem contigo?” Essa é a diferença para se sentir bem e
gostar de outro lugar. Que diferença haveria entre uma cidade e outra se não
houvesse ali um amigo? Para o viajante, nenhuma, pois seu interesse se resumiria
a dois endereços: o hotel e o local da missão a ser executada. Naturalmente um
terceiro haveria e talvez o mais desejado, o aeroporto, com retorno garantido para casa. E só!
Para ser diferente tem que haver a figura do amigo para um happy hour, jantar
ou outro programa cultural.
As
semelhanças do menino com um TCK não param aí, pois até mesmo no domínio de
idiomas há semelhanças. Dominando o inglês, o francês e o espanhol e ainda
compreendendo o italiano, teve facilidades para fazer amigos ao redor do mundo,
até mesmo filipinos, africanos e asiáticos nas jornadas de trabalho no
Departamento de Estado, em Washington, nos EUA. Essa multiplicidade cultural nos leva a
cultivar a mente mais aberta, receptiva e com horizontes alargados. Aliás, a curiosidade é inata, exercitada desde os tempos de menino que queria escalar as montanhas,
especialmente a Serra da Bocaina e ver o outro lado do mundo que se descortinaria
à frente. Mas, se por um lado tudo isso contribuiu para o desenvolvimento pessoal e progresso
profissional, de outro, o menino que sonhara com novos horizontes e depois
ganhou o mundo e nele passa boa parte dos 365 dias do ano, também herdou outra
característica dos TCK: o sentimento sofrido, pela falta de raízes, a saudade dos
familiares ascendentes e colaterais, dos amigos de infância e dos colegas de
faculdade, especialmente daqueles que não pudemos dar um último adeus. Também entram nesse rol de amigos os colegas das primeiras e desafiantes tarefas no
campo profissional. Foi assim com os trabalhos de planejamento e execução de
projetos agroflorestais e paisagísticos em Belo Horizonte, Ouro Preto, Mariana, Três
Marias e região do norte de Minas. Também em Lavras, na antiga ESAL, onde implantou uma
nova modalidade de ensino, a pós-graduação stricto
sensu com os primeiros cursos de mestrado. Em todos esses lugares o menino
deixou amigos que ainda hoje, depois de quase cinquenta anos, mantém laços de
amizade. E quando falta um deles, dói e dói muito, principalmente por não ter estado mais tempo com eles e não ter podido dar um adeus.
Com
o passar dos anos as lembranças vão se esmaecendo, mas, às vezes nos atacam
duramente, sobretudo quando na solidão de um hotel, ainda que seja classificado
como cinco estrelas e localizado nas mais sofisticadas áreas urbanas das
melhores cidades do mundo. Saudade não tem lugar, é traiçoeira e nos faz sofrer
por algo que não mais desfrutamos. Dizem que a saudade cura, pois reviver as gostosas reminiscências é ser feliz. Dizem isso. Pode até ser verdade, mas a verdade verdadeira é que ela só acaba com o embarque de volta para o lar, o porto seguro onde estão os verdadeiros
laços e a razão do viver, a família.
Gosto muito de
viajar. Mas, afinal quais os conselhos para uma boa viagem? Aproveite cada dia
de sua vida. Nunca deixe a ociosidade ocupar a sua mente. Diz um velho ditado
que a ociosidade é a oficina do diabo. Mesmo que esteja de férias, ou em um
lugar qualquer, não deixe de ler, estudar, explorar o local, conhecer novidades,
novas pessoas e seus costumes. Se estiver num avião em longa viagem, aproveite
também para meditar sobre o valor da vida, as boas coisas, a família e os
amigos. Leia muito, tudo que puder. A leitura abre nossos horizontes e nos faz
crescer espiritualmente, fazendo-nos sentir melhor. Pratique ainda a boa ação,
se puder e tiver chance. Seja gentil com o estrangeiro, melhor ainda com o povo
que o recebe.
Mas,
finalmente, o que é mesmo o melhor de uma viagem? Bem... , o melhor da viagem é
a volta, a chegada em casa, o porto mais bonito, gostoso e seguro de todo o
mundo.... Com certeza!
Brasília, outubro de 2009
_________________
Crônica escrita a bordo do
Boeing 737-700, Gol – PR-GOU, Porto Alegre/BSB em 25/10/2009.
Capitólio/Washington, com filipinos-1988
Biblioteca do Congresso/ Washington-DC 1977
Reunião no Departamento de Estado Norteamericano 1988
Otawa, capital do Canadá 1987
Cidade do México - 1982
Lima- Perú Palácio do Governo 1982
I.N.A.Paris-Grignon 1988
Sacada da Catedral de São Pedro - Vaticano 1988
Palácio de Queluz, Lisboa - 1988
Míssil fabricado pelo CTA, S.J. dos Campos - 1983
Conhecendo o Super Mirage. Base Aérea Anápolis - 1983
Embarcando para jazidas de Carajás - 1981
Visitando Lavras com Ministro da Educação - 1993
Na sede da ABES-Rio, com vista maravilhosa
Contemplando os jardins de Nancy- França 1988
Relaxando em Estrasburgo - França
Conhecendo a histórica Rothenburg/Alemanha - 1988
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