domingo, 18 de maio de 2025

A vida é breve..., dizem!

 
A vida não é breve, não! Veja..., o médico obstetra que trouxe à luz a 
minha filha,  de amarelo, agora curte os netos, 30 anos depois


Não, não é, a vida nunca foi breve! Pelo menos para quem a viveu intensamente, e para mim, as lembranças estão gravadas na memória desde a tenra idade de dois anos. A vida tem o tempo certo, dividida em fases, a infância, puberdade e a adulta, a mais longa.  Se você teve infância feliz, certamente será um adulto feliz, dizem os especialistas e com os quais concordo. Por outro lado, é sabido que o nosso cérebro tem a capacidade de gravar, memorizar os momentos marcantes, bem ali no fundo dos escaninhos da alma. É lá que estão as minhas mais preciosas memórias... , de longo tempo. A vida não é breve...  Poucos têm o privilégio de relembrar as boas lembranças, principalmente aquelas dos primeiros anos de vida. Aconteceu um fato relevante na minha infância e que moldou minha  vida para sempre. Sim, muito criança ainda, convalescente de grande e delicada cirurgia torácica, fiquei com uma sonda torácica durante nove meses, os quais passei a maior parte do tempo no colo de familiares e agregados, tratado com muito carinho e amor. Me lembro que ao cair da noite, meu pai me colocava de bruços sobre seu ombro e tentava fazer com que eu dormisse. Contava casos de bichos da floresta e cantarolava uma cantiga de ninar que ainda hoje me lembro da letra: “o babão passou aqui, chegou na cidade pousou...” . Quando ele já estava quase chegando aos 100 anos sim, cem anos, perguntei-lhe se ainda se lembrava daquela cantiga de ninar e ele confirmou, na presença de outros familiares.

Ora, cheguei aos 80 e ao olhar para trás, nas dobras do tempo, tenho que concordar que a vida não é breve. Passaram-se dias e dias, muitos mesmo, e a vida foi intensa, desde aquele primeiro drible na morte aos dois anos, representada por aguda pleurite, “fatal” como disse o médico à minha mãe, como a prepará-la para um possível e previsível desenlace, incerto, temido pelo próprio cirurgião. Felizmente deu tudo certo e o efeito “colateral” mais surpreendente dessa passagem de minha vida foi que, durante aquele enorme tempo carregado no colo, recebi atenção redobrada e com isso desenvolvi habilidades acima da média das crianças. Foi justamente na fase de formação e desenvolvimento dos neurônios e de atiçada curiosidade da criança. Campo fértil para os estímulos da imaginação, gerando sonhos maravilhosos que mais tarde se tornaram realidade, pois tudo que  brotava das respostas a todos questionamentos pueris ou ainda das instigantes provocações dos adultos, se acumularam na memória do menino. Doces tempos que provocaram o desenvolvimento sadio, que deixava a criança com a sensação de que era muito amada e feliz. Hoje, depressão alguma é capaz de me derrubar, pois meu escape é galopar para dentro. Para dentro de mim, o meu interior a minha essência, a alma. Nela estão armazenadas as mais doces recordações.

Foi assim que venci a primeira batalha, seguindo-se outras seis, até que completasse os 35 anos de idade, incluindo três desastres aéreos em aviões de carreira, sendo os dois primeiros num curto espaço de apenas 15 dias, nos Estados Unidos, quando lá trabalhava. O outro acidente, anos depois, aconteceu em BH e foi mais grave. Venci a corrida contra aquela asquerosa Senhora, com cara de caveira, vestida de preto, carregando uma foice (alfange) às costas. Meu placar de vitórias está alto, 7x0. Hoje, quando olho para trás, vejo o quão tem sido longa a minha vida. E à  medida  que o tempo passa, vejo, sinto que tanto faz medi-lo pelo número de anos ou pelas realizações. Tive uma vida intensa, agitada, viajava 200 (duzentos) dias ao ano, percorrendo os quatro continentes em missões de trabalho. Não havia um único dia com repetição de atividades. Dias desafiadores, próprios para mentes inquietas. 

 Todos aqueles acontecimentos me empurram para um lado mais reflexivo, introvertido, faceta que hoje muitos classificam como espectro autista. Mas, nem tanto ao mar  ou à terra. Poderíamos dizer que tal comportamento encerra apenas traços de autismo que ao deixar de lado atividades sociais de reuniões, bailinhos , esportes , a sinuca (vício dos estudantes de minha época) bebidas e farras outras, concentrou-se na leitura e estudos colegiais, faculdade e idiomas estrangeiros. Aliás, o termo autista nem existia. Éramos taxados pelos colegas de Caxias ou cdf, mas sempre assediados em dias de provas escolares para lhe repassarmos a famosa “cola”. Em casa éramos classificados com adjetivos mais suaves: introvertido, concentrado ou na pior das hipóteses, “entupido” (pouco conversava, calado, só estudava ...). Mas, esse comportamento pessoal, por outro lado, contribuía para o crescimento da alma, aprimorou o gosto pela leitura, aguçou a curiosidade do aprendizado e do saber, criando no menino o hábito do hiperfoco, como decorrência da hiperatividade mental, felizmente diferente e melhor do que a hiperatividade física, que é a mais comum nos casos conhecidos por TDAH. O menino de mente inquieta..., muito mesmo, fervilhante demais, e ainda hoje, até chega a “doer” o cérebro, que se concentra em problemas ou temas pouco explorados e busca uma solução, com hiperconcentração que prejudica até mesmo o sono. Há períodos de profundo cansaço mental, verdadeira exaustão físico-mental que as vezes nos fazem cochilar mesmo diante de um interlocutor. Segundo os especialistas, mentes assim não descansam nem durante o sono. Muitas vezes acordava de madrugada com a solução, pronta, de determinado problema que chegava em forma de sonho onírico. Sempre deixava papel e lápis na cabeceira da cama e ao acordar daquele estado hipnagógico, com a mente ainda flutuando, como a rodar um filme colorido, nítido, anotava a resolução daquilo que me afligia, pois caso contrário não mais me lembraria. Hoje nem é preciso papel e caneta, pois o celular com aplicativos e  memórias gigantescas se prestam para tais anotações. Foi assim que surgiu o hábito de escrever, teses, textos diversos e vários assuntos e principalmente crônicas, as reminiscências da infância e juventude. Escrever crônicas é como imergir nos escaninhos da alma, reviver os episódios da vida. Vivida ou aprendida com outros e sempre recheadas de amor.

Finalmente, cabe lembrar que esse comportamento, moldado desde a infância, também desenvolveu no menino a resiliência, a capacidade da alma de lidar com as dificuldades da vida, sem entrar em depressões, tão comuns hoje em dia. Aos 12 anos decidi, por conta própria que queria ser padre e fui,  com a devida autorização dos pais, estudar num distante Seminário. Voltei um ano depois da clausura de 24 horas ao dia, sete dias na semana... Mas, hoje, passados os anos  e quase sempre, a morte de um colega, ou amigo de infância nos leva a essas reflexões sobre valores da vida. É breve?..., pergunto-me sempre. Recentemente perdi três colegas, todos na faixa dos 80/84 anos, lá se foram Agnelo, Ângelo e João Júlio e isto nos faz avaliar a nossa própria vida. O fato de ultrapassar a marca dos 80  já traz, por si só, a reflexão sobre esses valores. São indagações recorrentes sobre o que fiz e o que merece ser notado, ou então, o que ainda posso fazer? 

Antigamente dizia-se que uma pessoa para se sentir realizada tinha que ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Tenho filhos, netos maravilhosos (estes últimos são dádivas de Deus que prolongam nossos dias na terra), plantei mais de dois milhões de árvores nas serras do Cipó, Ouro Preto, Mariana, Caraça, do Curral/BH, Rola Moça, Lavras, Campo Belo, Três Marias e Brasília. Livros? Já escrevi  mais de uma dezena e  outro igual tanto em fase de conclusão, além uma centena de artigos técnicos. Mas, nem por isso acho que devo  me considerar uma pessoa plenamente realizada. Aliás, esqueceram de incluir uma outra atividade muito importante, senão a maior realização, ser professor. Repassar ensinamentos... É nesse campo que devemos refletir sobre uma das nossas maiores contribuições. Na solidão do preparo de uma aula ou ainda na tomada de decisão sobre o que falar e ensinar,  reside a essência da realização humana. Repassar o saber com amor é, verdadeiramente, a essência da vida.  Na solidão da aquisição e do repassar o saber, aprendemos a galopar para o nosso interior, para dentro de nós mesmos. E às vezes, esse mesmo cavalo no qual galopamos para o interior da alma, salta bruscamente para fora. É quando caminhando pela rua, ou em lojas e shoppings ou mais frequentemente em eventos técnicos, somos surpreendidos por ex-alunos: Professor, lembra-se de mim? Agora sou empresário, ou diretor na empresa tal..., obrigado pelo incentivo e ensinamentos...”. Nessa hora, aquele galopar para o interior da introspecção pessoal explode no peito e pula para fora na forma de um abraço afetuoso, de orgulho pela missão cumprida. Ali está o resultado! Vida que valeu a pena e devemos agradecer a Deus por isso.

Tudo tem seu tempo, tempo de plantar e tempo de colher, diz a sabedoria, Há pessoas que teimam em esticar o tempo, querem viver mais e mais. Outros, no entanto, aprofundam a vida, a sua existência. Sempre que parte um amigo, como aqueles mencionados, me ponho a refletir e galopo para dentro de mim mesmo. Este galope é uma estratégia para não cair em depressão, pois sempre chego à conclusão de que a vida pode ser curta (o tempo), mas pode ser intensa, cheia de realizações, significados  que serão lembrados por aqueles que ficam. Basta sermos como as crianças, que vivem com alegria e então semear sabedoria e amor aprendidos ao longo da vida. Esta é a maior das realizações, o melhor legado que podemos deixar. Viva intensamente e lembre-se: A vida não é breve, nunca foi! Pelo menos para quem a viveu intensamente.

Boa semana!

Brasília, 18 de maio de 2025   

  Paulo das Lavras.

 

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