Não, não é, a
vida nunca foi breve! Pelo menos para quem a viveu intensamente, e para mim, as
lembranças estão gravadas na memória desde a tenra idade de dois anos. A vida
tem o tempo certo, dividida em fases, a infância, puberdade e a adulta, a mais
longa. Se você teve infância feliz,
certamente será um adulto feliz, dizem os especialistas e com os quais
concordo. Por outro lado, é sabido que o nosso cérebro tem a capacidade de
gravar, memorizar os momentos marcantes, bem ali no fundo dos escaninhos da
alma. É lá que estão as minhas mais preciosas memórias... , de longo tempo. A
vida não é breve... Poucos têm o
privilégio de relembrar as boas lembranças, principalmente aquelas dos
primeiros anos de vida. Aconteceu um fato relevante na minha infância e que
moldou minha vida para sempre. Sim,
muito criança ainda, convalescente de grande e delicada cirurgia torácica,
fiquei com uma sonda torácica durante nove meses, os quais passei a maior parte
do tempo no colo de familiares e agregados, tratado com muito carinho e amor.
Me lembro que ao cair da noite, meu pai me colocava de bruços sobre seu ombro e
tentava fazer com que eu dormisse. Contava casos de bichos da floresta e
cantarolava uma cantiga de ninar que ainda hoje me lembro da letra: “o babão
passou aqui, chegou na cidade pousou...” . Quando ele já estava quase chegando
aos 100 anos sim, cem anos, perguntei-lhe se ainda se lembrava daquela cantiga
de ninar e ele confirmou, na presença de outros familiares.
Ora, cheguei
aos 80 e ao olhar para trás, nas dobras do tempo, tenho que concordar que a
vida não é breve. Passaram-se dias e dias, muitos mesmo, e a vida foi intensa,
desde aquele primeiro drible na morte aos dois anos, representada por aguda
pleurite, “fatal” como disse o médico à minha mãe, como a prepará-la para um possível
e previsível desenlace, incerto, temido pelo próprio cirurgião. Felizmente deu
tudo certo e o efeito “colateral” mais surpreendente dessa passagem de minha
vida foi que, durante aquele enorme tempo carregado no colo, recebi atenção
redobrada e com isso desenvolvi habilidades acima da média das crianças. Foi
justamente na fase de formação e desenvolvimento dos neurônios e de atiçada
curiosidade da criança. Campo fértil para os estímulos da imaginação, gerando
sonhos maravilhosos que mais tarde se tornaram realidade, pois tudo que brotava das respostas a todos questionamentos
pueris ou ainda das instigantes provocações dos adultos, se acumularam na
memória do menino. Doces tempos que provocaram o desenvolvimento sadio, que
deixava a criança com a sensação de que era muito amada e feliz. Hoje, depressão
alguma é capaz de me derrubar, pois meu escape é galopar para dentro. Para dentro
de mim, o meu interior a minha essência, a alma. Nela estão armazenadas as mais
doces recordações.
Foi assim que
venci a primeira batalha, seguindo-se outras seis, até que completasse os 35
anos de idade, incluindo três desastres aéreos em aviões de carreira, sendo os
dois primeiros num curto espaço de apenas 15 dias, nos Estados Unidos, quando lá
trabalhava. O outro acidente, anos depois, aconteceu em BH e foi mais grave.
Venci a corrida contra aquela asquerosa Senhora, com cara de caveira, vestida
de preto, carregando uma foice (alfange) às costas. Meu placar de vitórias está
alto, 7x0. Hoje, quando olho para trás, vejo o quão tem sido longa a minha
vida. E à medida que o tempo passa, vejo, sinto que tanto faz
medi-lo pelo número de anos ou pelas realizações. Tive uma vida intensa,
agitada, viajava 200 (duzentos) dias ao ano, percorrendo os quatro continentes
em missões de trabalho. Não havia um único dia com repetição de atividades.
Dias desafiadores, próprios para mentes inquietas.
Todos aqueles acontecimentos me empurram para um lado mais reflexivo, introvertido, faceta que hoje muitos classificam como espectro autista. Mas, nem tanto ao mar ou à terra. Poderíamos dizer que tal comportamento encerra apenas traços de autismo que ao deixar de lado atividades sociais de reuniões, bailinhos , esportes , a sinuca (vício dos estudantes de minha época) bebidas e farras outras, concentrou-se na leitura e estudos colegiais, faculdade e idiomas estrangeiros. Aliás, o termo autista nem existia. Éramos taxados pelos colegas de Caxias ou cdf, mas sempre assediados em dias de provas escolares para lhe repassarmos a famosa “cola”. Em casa éramos classificados com adjetivos mais suaves: introvertido, concentrado ou na pior das hipóteses, “entupido” (pouco conversava, calado, só estudava ...). Mas, esse comportamento pessoal, por outro lado, contribuía para o crescimento da alma, aprimorou o gosto pela leitura, aguçou a curiosidade do aprendizado e do saber, criando no menino o hábito do hiperfoco, como decorrência da hiperatividade mental, felizmente diferente e melhor do que a hiperatividade física, que é a mais comum nos casos conhecidos por TDAH. O menino de mente inquieta..., muito mesmo, fervilhante demais, e ainda hoje, até chega a “doer” o cérebro, que se concentra em problemas ou temas pouco explorados e busca uma solução, com hiperconcentração que prejudica até mesmo o sono. Há períodos de profundo cansaço mental, verdadeira exaustão físico-mental que as vezes nos fazem cochilar mesmo diante de um interlocutor. Segundo os especialistas, mentes assim não descansam nem durante o sono. Muitas vezes acordava de madrugada com a solução, pronta, de determinado problema que chegava em forma de sonho onírico. Sempre deixava papel e lápis na cabeceira da cama e ao acordar daquele estado hipnagógico, com a mente ainda flutuando, como a rodar um filme colorido, nítido, anotava a resolução daquilo que me afligia, pois caso contrário não mais me lembraria. Hoje nem é preciso papel e caneta, pois o celular com aplicativos e memórias gigantescas se prestam para tais anotações. Foi assim que surgiu o hábito de escrever, teses, textos diversos e vários assuntos e principalmente crônicas, as reminiscências da infância e juventude. Escrever crônicas é como imergir nos escaninhos da alma, reviver os episódios da vida. Vivida ou aprendida com outros e sempre recheadas de amor.
Finalmente,
cabe lembrar que esse comportamento, moldado desde a infância, também
desenvolveu no menino a resiliência, a capacidade da alma de lidar com as
dificuldades da vida, sem entrar em depressões, tão comuns hoje em dia. Aos 12
anos decidi, por conta própria que queria ser padre e fui, com a devida autorização dos pais, estudar
num distante Seminário. Voltei um ano depois da clausura de 24 horas ao dia,
sete dias na semana... Mas, hoje, passados os anos e quase sempre, a morte de um colega, ou
amigo de infância nos leva a essas reflexões sobre valores da vida. É breve?...,
pergunto-me sempre. Recentemente perdi três colegas, todos na faixa dos 80/84
anos, lá se foram Agnelo, Ângelo e João Júlio e isto nos faz avaliar a nossa
própria vida. O fato de ultrapassar a marca dos 80 já traz, por si só, a reflexão sobre esses
valores. São indagações recorrentes sobre o que fiz e o que merece ser notado,
ou então, o que ainda posso fazer?
Antigamente
dizia-se que uma pessoa para se sentir realizada tinha que ter um filho,
plantar uma árvore e escrever um livro. Tenho filhos, netos maravilhosos (estes
últimos são dádivas de Deus que prolongam nossos dias na terra), plantei mais
de dois milhões de árvores nas serras do Cipó, Ouro Preto, Mariana, Caraça, do
Curral/BH, Rola Moça, Lavras, Campo Belo, Três Marias e Brasília. Livros? Já
escrevi mais de uma dezena e outro igual tanto em fase de conclusão, além uma centena
de artigos técnicos. Mas, nem por isso acho que devo me considerar uma pessoa plenamente realizada. Aliás, esqueceram de incluir uma
outra atividade muito importante, senão a maior realização, ser professor. Repassar
ensinamentos... É nesse campo que devemos refletir sobre uma das nossas maiores
contribuições. Na solidão do preparo de uma aula ou ainda na tomada de decisão
sobre o que falar e ensinar, reside a
essência da realização humana. Repassar o saber com amor é, verdadeiramente, a
essência da vida. Na solidão da
aquisição e do repassar o saber, aprendemos a galopar para o nosso interior, para
dentro de nós mesmos. E às vezes, esse mesmo cavalo no qual galopamos para o
interior da alma, salta bruscamente para fora. É quando caminhando pela rua, ou
em lojas e shoppings ou mais frequentemente em eventos técnicos, somos
surpreendidos por ex-alunos: Professor, lembra-se de mim? Agora sou empresário,
ou diretor na empresa tal..., obrigado pelo incentivo e ensinamentos...”. Nessa
hora, aquele galopar para o interior da introspecção pessoal explode no peito e
pula para fora na forma de um abraço afetuoso, de orgulho pela missão cumprida.
Ali está o resultado! Vida que valeu a pena e devemos agradecer a Deus por
isso.
Tudo tem seu
tempo, tempo de plantar e tempo de colher, diz a sabedoria, Há pessoas que
teimam em esticar o tempo, querem viver mais e mais. Outros, no entanto,
aprofundam a vida, a sua existência. Sempre que parte um amigo, como aqueles
mencionados, me ponho a refletir e galopo para dentro de mim mesmo. Este galope
é uma estratégia para não cair em depressão, pois sempre chego à conclusão de
que a vida pode ser curta (o tempo), mas pode ser intensa, cheia de
realizações, significados que serão
lembrados por aqueles que ficam. Basta sermos como as crianças, que vivem com
alegria e então semear sabedoria e amor aprendidos ao longo da vida. Esta é a
maior das realizações, o melhor legado que podemos deixar. Viva intensamente e
lembre-se: A vida não é breve, nunca foi! Pelo menos para quem a viveu
intensamente.
Boa semana!
Brasília, 18 de maio de 2025
Paulo das Lavras.

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