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Viver é ter
histórias para contar... e não é, nem nunca foi sinal de doidice. Tenho muitas
história para contar e hoje é sobre BH, a capital dos mineiros. À uma linda crônica, sobre
bondes e troleibus de BH, escrita por uma amiga, como a nos provocar a viajar
continuadamente pela memória afetiva, respondo com outra crônica. Só agora descobri por que essa amiga diz gostar
de minhas crônicas... Simples, ela tem o vício de gostar de escrever e muito bem, os causos da
infância e juventude. Assim também sou e há até quem me chame de doido, vidrado
no passado. Encantado, apaixonado diria eu, por aquele venturoso tempo e lugar
de nossa vida. E por quê? Ora, simples assim... há algo melhor do que a
infância e juventude bem vividas, cercadas de carinho e amor dos entes
queridos, professores e amigos? E os
lugares? Ah, quanta coisa eles nos dizem! Os especialistas dizem que nossa
mente é mestra em guardar os doces afetos de nossa vida. Até mesmo a demolição
de um antigo casarão nos incomoda e olhe que ele nem nos pertencia, mas o
simples passar por ele e admirá-lo todos os dias já nos criava o sentimento de
“pertencimento”. Assim foram os bondes e os troleibus de BH, cidade que passei
a frequentar desde os ano de 1963 e depois, cinco anos mais tarde, lá morei e
trabalhei cuidando dos parques e jardins da bela capital dos mineiros, cercada
de montanhas.
Doidos, os cronistas? Não no
sentido estrito da palavra, lógico que não! Mas, talvez um “doido normal”. Mais
adiante explico o que vem a ser o tal doido normal. Aliás, seria doidice, por
exemplo, estar no meio de uma ação empolgante, pura e inesperada novidade,
totalmente diferente de tudo e, portanto, supostamente interessantíssima e..., de
repente, ouvir ou ver algo que dispara o gatilho do subconsciente, trazendo à
tona as reminiscências da infância relacionadas ao tal evento atual? Foi o que
aconteceu a bordo de uma BMW, a 200km/h no circuito de Hockenheim, na Alemanha.
Que aventura espetacular e já contei
isto em crônica. O amigo ao volante, entusiasmado, ficou sem entender a cara de
borocoxô deste menino que, em vez de se deliciar com o possante ronco da
máquina, a velocidade e as curvas, onde Airton Sena sagrou-se campeão por
várias vezes, ficou a contemplar, mudo, a Floresta Negra, por onde serpenteava
o famoso circuito de corridas de Fórmula-1. Tampouco outro companheiro naquela
empolgante aventura, o então Diretor da Esal/Ufla, prof. Juventino Julio de
Souza sequer entendeu aquele torpor, mutismo do menino, com olhar fixo a
comtemplar, pela janela do carro em altíssima velocidade, a tal floresta e não as
curvas, o ronco da possante máquina e seu painel a mostrar o conta-giros e a
velocidade estonteante. Também pudera, pois era ali, naquela temida floresta,
que se passavam os contos infantis com feras aterrorizantes e bruxas malvadas.
Surpreso com a Floresta Negra, o menino travou, pois o gatilho do subconsciente
destravou as memórias da infância... e, agora, estava bem ali, perdido no meio
da floresta. Doidice, deixar de sentir o
impulso do bólido, aquele carrão numa das mais famosas pistas de corrida do
mundo, trocando tudo aquilo pelo simples devaneio infantil? Não, não se pode
tachar isto de doidice. É normal para mentes fervilhantes, inquietas. Apenas
isto, dizem os experts! Se for doidice deve ser daquela definida por Ariano
Suassuna que disse:
“Tenho simpatia por gente
doida. Como eu sou do ramo, identifico os doidos logo”.
E sabe que doidice é esta a
qual ele se referia? O gosto pelas letras, as crônicas vivas. Até concordo que viver
é ter histórias para contar e quando as primeiras histórias de nossa vida
se encontram com outras do momento..., ah, então é o êxtase da vida e achar que
isto é “doidice”... Eu acho que, em sendo assim, nem me importo mais de ser chamado de doido...
rsrs, pois é sabido que os cronistas falam com o coração, desnudam a alma.
Doido normal!
Quer ver? Ao falar de
bondes, troleibus e ruas calçadas com pontiagudos pés-de moleque, a amiga
cronista de BH mexeu com meu subconsciente. Na hora, dispararam os gatilhos
neurais mostrando-me a rua Padre Rolim, por onde eu passava diariamente a pé ou
de carro, tropicando ou segurando o volante que tremia como vara verde ao
vento, pois não existia direção hidráulica nos jipes e Rural-Wyllis. E mais, vieram
à mente, com nitidez incrível, e não é doidice, não..., os postes de ferro no
meio da rua, literalmente. Sim no exato meio da rua a dividir as duas mãos da
via. Certo dia esbarrei o retrovisor lateral num deles... rsrs... e retirei
rapidamente o cotovelo que estava apoiado na janela, embora se tivesse de ser
atingido teria acontecido porque a reação foi tardia. Ler uma crônica gostosa
de se ler, fluida e com coerência natural, onde a velocidade do pensamento voa, interrompe a leitura e mergulha no
deleite de suas próprias memórias para, só então, retornar ao fio da leitura e
prosseguir na descoberta de todo o enredo da trama, do texto propriamente dito,
é por demais sublime. É pura saudade e a saudade o que é? Nada mais do que o
amor que fica. É vida e vida é ter histórias para contar.
Não cheguei a alcançar os
bondes em BH, mas sim os troleibus que me levavam ao alto do bairro da Serra,
subindo infinitamente a Rua do Ouro até o Convento dos freis Dominicanos, onde
passei uma semana em retiro espiritual, lá pelo ano de 1963, menino ainda... E como gostava do baita troleibus
amarelo abóbora, silencioso e ao final da linha o trocador descia, puxava a
corda do braço metálico que corria em contato com o cabo aéreo energizado, e o
ônibus grandão despencava de marcha à ré, morro abaixo e curvava na esquina que
contornava o prédio do Convento Dominicano, virando sua frente para descer a
rua, de volta ao centro, cujo ponto inicial era na avenida Afonso Pena bem perto
da Prefeitura, defronte o Parque Municipal. Ah... e as reminiscências da rua do
Ouro, subindo-a no troleibus até o Convento dos Dominicanos? Lembrei-me até
mesmo da sede dos Dominicanos na Rua Cayubi, no bairro Jabaquara, em São Paulo,
onde também me hospedara em retiros religiosos. Poucos anos depois, em 1969, agentes
da repressão política executaram a tiros, em emboscada na rua, o guerrilheiro Carlos Marighella, que fora se encontrar com religiosos
dominicanos daquele convento. Mas , voltando a BH, daquele convento do alto do
bairro da Serra, partimos num grupo para escalar a Serra do Curral e dobrá-la,
pelas trilhas da mata do Jambreiro em direção à Nova Lima e sua mina de ouro Morro
Velho. Mas esta é outra história... perdidos na mata sob chuva e molhados dos
pés à cabeça.
Viajei de volta no tempo e
espaço, ou melhor revisitei e passeei com a crônica da amiga de BH pelas ruas,
bairros e praças da cidade. Pampulha, Floresta, o Coração
Eucarístico rua Pernambuco, Cláudio Manoel... e muitas outras não citadas. De troleibus
ou de jeep, o Pafúncio ou ainda na Rural Willys, apelidada de Raimunda, eu
percorria todos aqueles espaços em jornadas diárias, cuidando ou não dos
parques e jardins da nossa Belacap. Seu
bonitos jardins me encantavam com lindos canteiros de coloridos emerocalis,
resedás, quaresmeiras roxas e tantas outras flores como a cana indica vermelha
ou amarela, com enormes canteiros na praça Afonso Arinos, em frente ao Hotel
D´El Rey, o mais chic e sofisticado de BH. Ah que saudade... (opps..., vou
ficar calado, senão me chamam de doido vidrado no passado... rsrs)
Iiihhh..., não dá para calar, não. Como deixar de também me lembrar e
falar do Corpo de Bombeiros, citado pela amiga cronista? Me lembro do seu quartel
central ali na rua Pi-hum-i, quase esquina com a Av. do Contorno e num
instante, logo abaixo a Savassi, que tinha por perto a sorveteria do Sr
Domingos que, nos domingos (sem trocadilho), formavam-se filas e filas de
carros aguardando parar em frente e comprar o sorvete. E os bondes? História à
parte.
Foi mencionado, ainda, na gostosa crônica belorizontina, a capina das
ruas com o inconfundível barulho dos martelinhos. Vou acrescentar um detalhe.
Sabe como eram chamados aqueles trabalhadores da capina dos matinhos entre as
pedras do calçamento pé-de-moleque? Convivi com eles na minha atividade de
paisagismo em toda a cidade de BH e na Prefeitura. Eram chamados de “ferrinhos”
e era a mais baixa classificação dos funcionários municipais. Era a maior
alegria entre eles quando alguém era promovido a gari, ou para outras atividades
na sede da prefeitura. Eles entravam pela porta dos fundos, na rua Goiaz e não
pela principal na Avenida Afonso Pena. Trabalhavam de sol a sol ou sob chuva,
ajoelhados sobre pedras pontiagudas. Morria de dó, parecia tortura e muitas
eram mulheres.
Mas, vamos lá, finalizemos com os bondes de BH. Eram azuis e segundo o
texto, serviam de deboche dos cariocas sobre
nós, mineiros: “Mineiro compra bonde, diziam”.
Mas, vou aqui dizer uma verdade. Minha cidade, Lavras, comprou bondes uma única
vez. Vieram de Hamburg, na Alemanha, no ano de
1911. A inauguração dos serviços de bondes em Lavras, deu-se no dia 21/10/1911.
Depois disso não compramos mais, pois ganhamos dois, de Belo Horizonte, bonitos,
na cor azul.
O prefeito Jorge Carone fez doações à Lavras, daqueles tais azulzinhos e
em 20/07/1963 foi reiniciado o serviço de bondes, que se encerrou
definitivamente em 08/11/1967, quarenta dias antes de minha formatura na
ESAL. A chegada dos dois bondes azuis
foi festejada em praça pública e nas ruas, por onde desfilaram sobre carretas
que os trouxeram de BH.
Durante 57 anos os bondes rodaram da Estação da EFOM até o início da Rua
Otacílio Negrão. Na subida íngreme do Gammon, os moleques colocavam areia sobre
os trilhos para verem as rodas de ferro patinarem. Voavam fagulhas sobre os
trilhos e o bichão não saía do lugar. Marcha a ré e vassouras resolviam, sob
impropérios por parte do motorneiro e do trocador. Nessa hora não se via um
moleque por perto. Todos os arteiros estavam escondidos a olharem de longe...
Por falar em peripécias, este menino das Lavras levou um tombo espetacular ao tentar fugir do cobrador. Andar nos estribos e driblar o cobrador era o esporte preferido dos garotos de então. Ninguém os pegavam, e nessa desabalada fuga do cobrador, levei um tombo ao saltar com o bonde em movimento, bem ali, quase chegando à Igreja do Rosário, hoje Praça João Oscar de Pádua. Caí de costas no paralelepípedo e a as pessoas que estavam no antigo Banco de Crédito Real, bem em frente, acorreram em meu socorro. Não tive um sequer arranhão e o menino de uns 13 anos, levantou-se e ainda correu para pegar novamente o bonde que já estava na parada em frente ao Sobrado do Capitão Evaristo, hoje Banco do Brasil...
Bons tempos,
aqueles do final dos anos 50 e início dos 60. Muita adrenalina.... fugir dos
trocadores Gerson, Tarzan e do Cirilo, motorneiro que às vezes batia na gente
com aquela corda de puxar o arco que encostava na rede elétrica aérea e recebia
a energia que movimentava o bonde. Sim,
nos agarrávamos ao enorme farol que ficava na parte da frente do bonde , alvo
fácil para uma sova de corda, ainda que leve, pois imagino que o Cirilo tinha
medo de que os meninos caíssem e se machucassem, pois todos nós éramos
conhecidos e eles, cobradores e motorneiros, conheciam nossos pais. Hoje, imagino
que eles até achavam graça das peripécias dos meninos e nem tinham interesse em
arrecadar mais alguns trocados que poderiam retirar dos meninos. Bastava eles
olharem nossa cara e era como se ali estivesse escrito: “você não me pega e nem
vou pagar a passagem”... rsrs
Então..., restou claro que NÃO COMPRAMOS !... Mineiros lavrenses não compramos bondes,
ganhamos! Mas, para os cariocas eu dei um
baita troco. Sem essa de tirar sarro nos mineiros. Cansado de ser gozado por ir
à praia e na primeira vez supostamente experimentar o gosto da água salgada
(... foi verdade comigo, mas, nego para todo mundo...rsrs), eu dei o troco, com
jogo bruto. Certa vez, no aeroporto do Galeão, novinho, recém-inaugurado no ano
de 1977, encontrei na sala de espera, com voo atrasado em mais de duas horas,
um grupo de mais de 30 caçadores/pescadores esportivos. Viajariam no mesmo voo
até Brasília e daqui um ônibus especial estaria esperando-os para seguirem rumo
ao Mato Grosso.
Mancomunado com uma dos membros do grupo de, combinamos pregar uma peça
neles todos. Passei-me por “Fiscal do Ibama”, de terno e gravata, laptop na
pasta, anunciei que a pesca deles estava cancelada, pois havia acontecido pela
manhã um desastre ecológico na região e foi proibida a caça/pesca. Quem
quisesse seguir viagem poderia, mas as tralhas de caça e pesca seriam retiradas
do porão do avião e depositadas na delegacia do próprio aeroporto. Formou-se o
caos. Mas, só para se ter ideia do pânico dos cariocas, alguns mais espertos,
haviam embarcado as “amigas” acompanhantes
secretas num voo anterior, justamente para não haver problemas e
despistar parentes que se aventurassem segui-los até o aeroporto... Bem
espertos... e tudo isso me foi contado pelo comparsa que aliciei entre eles.
Mas essa é outra história já contada e vou postar aqui o link, novamente.
Adorei o conto da amiga cronista das alterosas, e por ela, viajei muito
contente pela nossa capital mineira, onde trabalhei o ano inteiro de 1968.
Parabéns, continue escrevendo. A escrita é a melhor terapia. Costumo dizer que
escrevo para mim mesmo e as vezes releio a mesma crônica zilhões de vezes...
rsrs e sempre gosto e me divirto, pois são casos reais. Quero dizer, a gente
escreve com o coração e ele não falha, disse o príncipe dos poetas Guilherme de
Almeida. Além disso, a aqueles que acham que somos doidos, por escrever
crônicas saudosas, costumo classificá-los de bobos. Não sabem que saudade é o
amor que fica na gente! Continuemos, pois a escrever, a desnudar a alma em
completa terapia. Sobre BH tenho ainda muitos casos engraçados a contar. Quanto
ao espetacular trôco que dei aos cariocas, o link está indicado ao final.
Um abraço.
Brasília, 10 de março de 2024
Paulo das Lavras
Vista da janela do bonde doado à Lavras pela Prefeitura de BH. Rua
Francisco Sales,
em frente à janela do casarão do
Sr Quinca Guimarães. Logo abaixo a casa
do Sr João Arbex
e o sobrado dos Estabelecimentos
Záckia, na esquina com Rua Chagas Dória
Foto: Donald Nevim -
Acervo Renato Libeck
O antigo bonde de Lavras, comprado em Hamburg na Alemanha
A última viagem – nov 1967. À janela o motorneiro Cirilo.
O prefeito Maurício Ornellas de
Souza, temendo uma reação negativa e protestos estudantis, foi à Esal/Ufla
explicar aos estudantes os motivos do encerramentos do serviço de bondes na
cidade de Lavras. Um mês depois foi a minha formatura na faculdade. Saudades!
Foto: Acervo Renato Libeck
Um antigo bonde em BH,
esquina da Rua da Bahia com Timbiras .
Foto: internet
Troleibus de BH, estacionados na Praça da Estação, com o Hotel Itatiaia à direita.
Cor abóbora, inconfundível, grandões, mas silenciosos. Note que os
braços metálicos, que corriam deslizando nos cabos aéreos de eletricidade,
estão abaixados sobre o teto na parte traseira
Foto: Internet- Earl Clark
Adultos têm surtos de saudades dos tempos passados (mas não é doidice,
não...rsrs), Não pude comprar um troleibus cor de abóbora, como os de BH, tampouco um
bonde (Deus me livre da gozação dos cariocas), mas comprei um Jeep antigo,
igualzinho ao Pafúncio, com o qual rodava BH inteirinha, cuidando de parques e
jardins, levando algum adubo ou mudas de plantas ornamentais. Hoje todo com os
netos fazendo trilhas pelo cerrado do Planalto Central
P.S. Para quem se interessar, aí está o
link da crônica, onde narro o troco que dei aos cariocas, gozadores dos
mineiros, ameaçando-os de cancelar a pescaria e deixar as acompanhantes a “verem
navios”, na espera em Brasília:
https://contosdaslavras.blogspot.com/2013/07/troco-aos-cariocas.html