Certa
vez um amigo perguntou-me: “Chegar ao MEC e ali ocupar os mais altos cargos
técnicos foi uma aspiração?”. Quando estudava agronomia, o máximo que eu
aspirava era ser um técnico capaz de pegar uma propriedade rural de baixo
rendimento e transformá-la em uma fazenda de alta produção, com elevados
índices de produtividade, tal qual eu via e aprendia com os ensinamentos de
meus mestres. Deus me deu muito mais do que imaginei. Tenho espirito de
servidor publico no sentido mais puro e genuíno. Digo isso com orgulho de
querer servir ao meu país, à população e à família. Convivi e aprendi a ver,
notar, sentir e admirar a simplicidade, a honestidade do homem do campo, seus
princípios de retidão, de respeito à natureza, solidariedade para com os
vizinhos, também pequenos produtores rurais e, sobretudo, aquele espírito de fazer (o nome “fazenda” tem essa origem),
produzir e olhar para o amanhã, ver os paióis cheios das colheitas no campo
cultivado e ter a certeza de que o futuro dos filhos estava garantido. O maior
prazer do homem do campo era receber a todos para um almoço ou festa (e como
havia festas na zona rural, eram quase que semanais, sempre em diferentes casas)
e ver a mesa farta, com os produtos colhidos com seu esforço. Orgulho genuíno
de quem produz, contribui e compartilha, verdadeiro e puro espírito publico.
A
carreira da agronomia foi primordial para o desenvolvimento do espírito de
servidor publico. Não bastasse a vivência da infância e juventude no meio
rural, dos anos de 1950/60, onde predominava o espírito colaborativo e de
solidariedade entre os moradores afastados dos centros urbanos, o menino pôde,
na faculdade, desenvolver trabalhos sociais na periferia da cidade de Lavras.
Ali visitamos algumas comunidades de baixa ou quase nenhuma renda, dentre elas a
da antiga estrada para a Ponte do Funil, bem acima da Estação Ferroviária, hoje
bairros Jardim Europa e COHAB e, no outro extremo da cidade, a então rua
carroçável, localizada depois do túnel e atrás da Paróquia de São Sebastião,
hoje denominada Rua Donato Bauth. Entrevistamos dezenas de famílias que, no
passado, tinham sido expulsas do campo, por conta da legislação, como a Lei
Áurea e Reforma Agrária de 1964. Viviam em extrema penúria em barracos de adobe
com portas e janelas muito rústicas. Nesse trabalho, coordenado e
supervisionado pelo saudoso mestre de Economia Rural, Guaracy Vieira, concluímos
um tanto chocados pela dureza da vida daquelas famílias, em sua grande maioria
desempregada e analfabeta, que precisaríamos trabalhar muito, desenvolver nossa
agricultura, educação e outros empregos para tão sofrida parcela da população.
Assim, nosso ideal de espirito público se fortaleceu. E hoje não é muito
diferente a situação, pois ainda há muita desigualdade social em nosso país.
Basta ver a carência dos transportes públicos, dos serviços de saúde, segurança
pública e, sobretudo na oferta de Educação. Minha experiência foi dura, pois de
250 meninos matriculados no colégio, chegamos apenas 30 no 3º científico, que
corresponde ao segundo grau completo (ensino médio). Não tinham condições de
pagar a educação e precisavam trabalhar para ajudar no sustento da família,
pois nos anos de 1950 e 60 não havia colégios públicos na cidade de 40.000 habitantes.
Mas,
tudo isso serviu para embasar e reforçar nosso sentimento de servir ao público,
buscar a melhoria das condições sociais de colegas, vizinhos, enfim nossa gente,
nossa Pátria! Por isso sou grato ao berço e aos mestres que nos educaram no
caminho do servir ao próximo. Fizeram com que enxergássemos que nosso trabalho
só teria sentido se tivesse voltado para o legítimo interesse público, daquelas
pessoas mais necessitadas. Então, meu único objetivo foi servir ao meu país,
não importando onde e quando, mas sempre! E assim iniciei minha carreira
profissional trabalhando, na capital mineira, numa empresa de planejamento agroflorestal
e paisagismo. Um ano mais tarde aceitei convite do diretor da ESAL/UFLA,
Alysson Paolinelli, para ingressar nos quadros de professores da Escola onde me
formei. Não fiz planos para ser pró-reitor de Pós-graduação nem de representante
da Escola no CREA, mas exerci aqueles cargos com dedicação. Assim, os
horizontes se alargaram na medida em que conseguimos introduzir a Escola no restrito
e seleto grupo de instituições que ofereciam cursos de pós-graduação, mestrado
incialmente e doutorado mais tarde, pelas mãos de outros colegas que nos
sucederam. A qualidade da oferta dos cursos de graduação e pós-graduação chegou
ao topo dos rankings do MEC e por consequência, a Escola foi transformada em
universidade, no ano de 1994. Deus me colocou ali, naquela Escola, e entendi
que deveria pautar meu trabalho com o máximo empenho, oferecer educação de
qualidade, voltada para o desenvolvimento da ciência em prol da melhoria das
condições de vida das pessoas e do país. Na sequência surgiram novas
oportunidades.
Não
planejei trabalhar no Ministério da Educação. Não foi uma aspiração, respondi
ao amigo questionador. De minhas inúmeras viagens ao MEC, no Rio e em Brasília,
e ainda das constantes colaborações que prestei, elaborando estudos e visitas
técnicas de assessoramento a diferentes universidades, a pedido do próprio MEC,
adveio o convite para ali permanecer em tempo integral. O colegiado superior da
Esal/Ufla aprovou a cessão ao Ministério e ali cheguei de mala e cuia, ou
melhor, livros. Ali trabalhei por 34 anos seguidos, ininterruptos, sempre com a
certeza de que estava fazendo o melhor e me sentia, sempre, realizado. Depois
de tanto tempo, olho para trás e tenho a sensação de poder olhar para mim mesmo,
para meus filhos e netos e ter a dignidade de compreender e dizer-lhes que fiz
o máximo possível para termos um país melhor, naquilo que me competia como
educador. Por isso digo que não aspirei chegar ao topo da carreira técnica no
Ministério da Educação. Se tive o privilégio de ocupar os mais elevados cargos
na hierarquia técnica, desde a minha chegada ali, isto se deveu unicamente aos
resultados dos trabalhos com dedicação e sempre colocando o legítimo interesse
público em primeiro lugar. A cada novo ministro que chegava (foram 18, em 34
anos) ou Secretário de Educação Superior (32 mudanças no mesmo período), órgão
onde fui diretor ao longo do tempo, chamavam-me ao gabinete e diziam que, por
recomendações de reitores, eu deveria permanecer nas funções que desempenhava.
Assim, atravessei todos os governos, de diferentes correntes políticas, sempre planejando
e executando importantes políticas para a educação superior em nosso país. Como
corolário do legítimo interesse público também trabalhamos no projeto de
criação das cotas universitárias para negros, como forma de mitigar a enorme
dívida social de nosso país para com essa sofrida gente que, ao longo do tempo,
foi discriminada e não teve acesso à universidade.
Ninguém
precisa aspirar nada para se chegar ao topo de uma carreira profissional. Até
mesmo quem veio da roça pode conquistar o mundo, literalmente, assentar-se em
reuniões no Departamento de Estado norte-americano ou ministérios na Champs Élysées.
Basta colocar os legítimos interesses públicos como prioridade de trabalho e,
naturalmente, fazer diferença, dedicar-se e gostar do que faz. O sucesso não
vem por acaso! Dizem que é preciso ter “sorte”. Eu tive..., trabalhei muito, me
esforcei bastante e o reconhecimento foi certeiro. Isto sim foi a grande sorte:
trabalho, dedicação e amor ao próximo. E não vai aqui nenhum espírito de
vaidade, mas apenas o desejo, ou melhor, o velho hábito de professor de
incentivar os jovens a alcançar o sucesso, fazendo diferença para que seu mundo
seja conquistado. A eles sempre respondia que os pontos que eles pensavam serem
os principais fatores para o sucesso, como ser inteligente, estudioso (curioso para
aprender, disputar, competir para os primeiros lugares de desempenho na classe
e receber atenção dos pais nos estudos) e autoconfiança, se constituíam apenas em
pressupostos básicos. Esses fatores são admitidos como normais e
imprescindíveis e já estão presentes em grande parte dos estudantes. Mas,
porém, todavia, entretanto, contudo, não obstante e ainda assim, é necessário
que haja o fator diferencial que o colocará no topo da lista: “Fazer
Diferença”, dedicar-se, gostar, amar o que se faz, a profissão. Hoje nossos calos não são mais nas mãos, como
antigamente, mas sim contados pelo tempo que dispendemos para a educação,
dedicação e amor a aquilo que se faz na profissão e nas relações com a
sociedade.
Não
importa de onde você veio, se da roça ou da cidade, se foi bolsista, cotista ou
frequentou a faculdade no seu carrão e modernos equipamentos eletrônicos. No
mundo corporativo as habilidades pessoais acabam sendo o fiel da balança, pois
os pré-requisitos são preenchidos pela grande maioria dos candidatos. Portanto,
se quiser atingir o topo da carreira, qualquer que seja ela, é preciso fazer
diferença. Quem busca o resultado e não a excelência corre o risco de ficar sem
nada, disse o filósofo Aristóteles ao discorrer sobre o sucesso, que é fazer
bem feito. Sucesso é, portanto, sinônimo de excelência. Faça diferença.
Sucesso!
Brasília, 29 de fevereiro de 2020
Paulo das Lavras
Fazer diferença
desde os tempos de estudante...
Foto: arquivos de
Renato Libeck
Esplanada dos
Ministérios - Vir trabalhar no Ministério da Educação nunca foi
aspiração do menino. Foi consequência do
trabalho com dedicação e amor.
Fazer diferença é fundamental para o sucesso,
a excelência do resultado.
Foto do autor
No MEC, com um
dos 16 ministros com os quais trabalhou
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