O estresse a que somos submetidos
nos leva a
superar limites. E, às vezes, a não superá-los”.
Há quem imagine que a
vida na estrada é cheia de glamour. E a vida na estrada, aqui entendido como
hábito de se viajar constantemente, seja de carro, de avião ou outro meio. Quem
não viaja frequentemente e só o faz raramente pensa que viagens frequentes são
a 8ª maravilha do mundo. Conhecer lugares famosos, comida e atrações internacionais,
gente diferente, tudo, mas tudo mesmo soa como novidade infindável. Mas não é!
Para um artista que apresenta shows ou o executivo que viaja constantemente não
é bem assim. A maioria das viagens é ralação mesmo, pura correria com agendas apertadas
que exigem intensa mobilidade e atenção integral às missões a serem cumpridas.
Ora, no mercado de trabalho o sucesso não vem por acaso e se você está e quer
permanecer no ramo tem que fazer diferença. E a diferença mais eficaz é a
dedicação com amor ao trabalho. Workaholic
seria a palavra que melhor expressa esse conceito. E aí começam os
problemas. Num ciclo vicioso passa-se a trabalhar mais, com plena dedicação de
corpo e alma às atividades profissionais. As viagens passam a ser frequentes,
sejam em busca de mercados ou proferindo palestras ou ainda executando e
supervisionando os projetos em diferentes localidades. E como numa bola de
neve, quanto mais se faz, mais aumenta a demanda, a procura pelo seu trabalho,
a sua presença. Assim..., naturalmente chega-se ao estresse que entra pela
porta aberta da sobrecarga excessiva de trabalho. Não foi diferente com o Menino
das Lavras.
Naquela madrugada, de
um frio dia de inverno em Paris, o Menino das Lavras acordou de um pesadelo,
verdadeira crise de terror enquanto dormia. Não era a primeira vez que isso
acontecia. Alguns anos antes, em São Francisco, na Califórnia, aconteceu o mesmo
e que, ao final, acabou-se revelando como uma premonição de algo grave que
acontecia em sua casa, no mesmo instante do pesadelo, a mais de 10 mil
quilômetros de distância. Mas, agora é outra história, acontecida dez anos
depois, do outro lado, no Atlântico e não no Pacífico como a primeira. Há mais
perigos nas viagens do que se imagina. Geralmente se fala apenas dos riscos das
viagens propriamente ditas, como assaltos e acidentes de carro e avião ou de
navios. Nesse campo o Menino sofreu apenas dois acidentes de carro e três aéreos.
Foram dois em aviões nos E.U. A, o primeiro com pane hidráulica, desgovernado, mas ainda assim conseguiu aterrissar num aeroporto maior, com tela de aço na cabeceira e espuma
antifogo na pista. O segundo, com incêndio a bordo, desviou a rota, deu um ponta cabeça
e conseguiu aterrissar em Las Vegas, interrompendo o voo de Chicago para San Francisco, na Califórnia.
Um último desastre, o mais grave, aconteceu em Belo Horizonte, ferindo um pouco
o Menino, quando um Boeing caiu ao tentar aterrissar sob tempestade, com
turbina e asa quebradas, soltas pelo chão, soltando fagulhas e espalhando todo combustível ao redor.
Mas, além desses perigos, outros existem e quase nunca conhecidos pelo público
ou nem mesmo pelos familiares. São inúmeros os transtornos psicológicos pelos
quais passam os viajantes contumazes.
Os transtornos
psicológicos durante as viagens já foram objeto de estudos e teses universitárias
e centros de pesquisas. Uma recente pesquisa entre 500 profissionais, realizada
pelo instituto britânico Help Musicians, revelou alguns dos males que as
frequentes viagens podem causar. Cerca de 60% têm depressão quando estão
longe de casa e 75% dos entrevistados declararam sofrer de ansiedade crônica
quando estão em viagem. 84% disseram, ainda, ter tido dificuldades de convívio
com outras pessoas. E por que tão elevadas estatísticas? Simples, são horas e
horas de voos, esperas infindáveis em aeroportos, translados, check in e check
out em hotéis, restaurantes e muitas vezes jantares de serviço que se
estendem até altas horas da noite. Isto sem contar o jet lag causado
por diferentes fusos horários. Que tal sair de Brasília às 16:00 h, conexão em
São Paulo às 23:00 h e chegar a Paris às 14:30h, incluindo-se o fuso de cinco
horas? São 24 horas de viagem com pouco mais da metade do tempo, 13 horas nos
dois trechos, dentro de aeronaves. E veja a loucura de se voar de Chicago para
S.Francisco/Cal., saindo ao meio dia e chegando na “mesma hora”, ao meio dia, mesmo tendo voado durante quatro horas, sem escalas, igualando-se ao fuso horário! Logo ao desembarque entra-se
num cab e vai-se direto a uma reunião,
das 02 p.m, na Universidade de Berkeley,
chega-se ao hotel depois das 20h, ou seja meia noite de Chicago, de onde iniciou-se a viagem.
Esse foi, verdadeiramente, um dia de 28 (vinte e oito) horas. Haja energia! E pensar que num destes voos Chicago/San Francisco-Cal, ainda houve um incêndio a bordo!
Não é fácil a
rotina de um viajante quando se está a serviço. Muitas vezes entra numa reunião
de trabalho logo na chegada do destino e, pior, com uso de outro idioma que não
o materno (nos primeiros dias nosso cérebro ainda “fala” e pensa em português e
só depois de uma semana passamos a pensar e falar fluentemente no outro
idioma). É estressante ao extremo para o cérebro, pois exige-se atenção
integral, redobrada e rapidez mental para se fazer a tradução simultânea,
escutar diferente idioma, verter para o português e em seguida, rapidamente,
traduzir sua resposta do português para o outro idioma. E haja cuidados com a pronúncia
correta das palavras, por conta das diferenças de sons fonéticos em relação à
língua mater. Certa vez o Menino discutiu com um motorista de taxi, pois respondeu-lhe
repetidamente que “não conhecia e nem sabia aonde ficava a cidade de Reston”.
Como pode um taxista de aeroporto não conhecer seu local de trabalho? Ainda não
existia GPS, Wase, nem celular e por isso o Menino explicou-lhe duas, três vezes,
os detalhes de distância, 20 milhas e até o quanto custaria, cerca de US$ 40 e ainda
foi-lhe informado o roteiro, próximo ao Pentágono, o QG da Defesa Americana e da
CIA, e..., nada! Indignado com a “ignorância profissional”, o Menino mandou
parar o carro antes de atravessar a ponte sobre o rio Potomac, logo depois do Aeroporto
Nacional de Washington, de onde tinham acabado de sair. Desceu, pediu-lhe para
abrir o porta malas. Retirou da mala de viagem um envelope e lhe exibiu a
fatura pré-paga do hotel, em Reston. Foi então que ele viu o nome da cidade e
deu uma estrondosa gargalhada que ecoou até o outro lado do rio, no Mall do
Capitólio, fazendo tremer aquele obelisco igual ao da cidade natal do Menino
das Lavras, onde esse monumento é conhecido por “pirulito”. Surpreso, com o
sotaque desastroso do brasileiro, o motorista retrucou, a uns 80 decibéis... “ooohhhh it´s Reeeeeeeeeston, not Heston!”.
Desapontado, com cara de paisagem, restou ao Menino também gargalhar e num
instante chegaram ao destino, pois o tempo passou e as gargalhadas nunca
cessaram. Para o visitante brasileiro, ainda com a língua portuguesa no
subconsciente, Reston é RReston, com dois “erres”. Para eles é com aquele som
de um só “R”, isolado, como na palavra maré. Ele certamente pensou no Charlton Heston
(RReston), lá em Hollywood, muito longe dali....., coitado, não saberia mesmo que se tratava de erro de pronúncia do brasileiro.
Alguém já pensou em complicações assim? Nesses ambientes poliglotas não
se pode perder uma única palavra, sob pena de se
prejudicar a compreensão e comprometer as respostas aos questionamentos em
pauta. Não se pode dizer um sim ao interlocutor quando a resposta deveria ser não!
As normas trabalhistas exigem, não à toa, que os tradutores e intérpretes
trabalhem apenas 50 minutos, com intervalos de vinte, pois o cérebro se
esgotaria em menos de duas horas. Seria fácil absorver esses impactos
estressantes, se isolados fossem. Mas, nunca foram assim, pois dia seguinte
novas viagens se iniciavam para outros destinos, com diferentes pessoas e ambientes e
pessoas quase sempre desconhecidos, o
que exigia mais atenção e
cortesias protocolares. Além disso, nas reuniões no continente europeu
alternavam-se três idiomas, inglês, francês e espanhol. Haja resiliência para
suportar a sobrecarga no cérebro, sempre com novos e importantes compromissos
de negócios da educação e formação universitária de profissionais. Nunca
restava tempo para lazer, descanso da mente, mesmo quando se saía sozinho pelas
ruas, havia sempre a preocupação de se respeitar a cultura e os costumes dos
anfitriões, nem sempre conhecidos pelos visitantes.
Cultura, costumes
em países estrangeiros? Ah, isto por si só já daria um livro recheado de
casos folclóricos. Em Lisboa o menino quase deixou de comer um bom bacalhau
porque interpretou que o garçom fora grosseiro. Nada disso. À pergunta, “tem
bacalhau?”, a resposta foi rápida: “temos”. Mais rápido ainda, virou-se e foi-se embora. Chamado de volta, foi-lhe perguntado por que foi-se embora sem dizer
as opções do prato, mas a resposta foi certeira: “O senhor perguntou se temos bacalhau,
respondi-lhe que sim.... Afinal, o que desejas?”. Compreendido... não estava no
Brasil, onde a simples pergunta “tem bacalhau” carrega implícito o desejo de
saboreá-lo, portanto já se constitui em “pedido do prato”. Igualmente na
Guatemala, foi perguntado ao garçon: ..que
es taco? E a resposta, veio direta, nada simpática: Taco es taco, senhor... Naturalmente esperava uma explicação sobre
os componentes daquela comida típica da América Central e México. Surpreso,
diante da cara nada amistosa do atendente e sem conhecer os ingredientes do “taco”,
o Menino preferiu outra iguaria. Na maioria das vezes,uma frase dos nativos
que, à primeira vista, possa parecer grosseira para com o visitante, nem sempre
é. Basta consultar a outro nacional daquele país, e constata-se que não passa
de uma atitude normal, que faz parte da cultura local. Lanchonetes e restaurantes
eram os locais de “maior má vontade”, onde os atendentes nem sempre são
corteses ou dispõem de tempo para melhor explicar o cardápio aos visitantes. O
jeito era comer o que foi servido, diferente do que se pensou ou desejava. E,
faça-se cara de paisagem... thank you, merci, gracias...
Assim, o estresse ia se acumulando, especialmente na França xenofóbica dos anos
1980/90.
Felizmente melhorou
a aceitação do estrangeiro em terras francesas depois da entrada na C.E.E., a
Comunidade Econômica Européia. Antes, porém, o Menino passou por
constrangimento no aeroporto de Orly. Cansado da correria, fez o check in para Montpellier, na costa
mediterrânea, onde visitaria o Complexo Agropolis. Apressou-se em assentar-se
num único assento disponível, ao lado de vários outros já ocupados. Falou a
palavrinha mágica, “Pardon, Monsieur”, para
um quarentão cavalheiro ao lado do assento vazio e foi se abancando. Antes que
se acomodasse levou um sonoro “ Il y a quelqu´un
ici”.... Comment?, retrucou o Menino, mas, a contra resposta foi
fulminante: tu ne peux pas, em tom mais elevado e
insatisfeito. Constrangido, o Menino levantou-se rapidamente e ficou de pé onde
estava antes. Vinte minutos se passaram e o banco continuou vazio, ninguém
apareceu. Soou puro egoísmo por parte daquele cidadão. Perguntado, a um colega
francês, qual teria sido a razão daquela suposta “hostilidade”, a resposta, também
foi curta e seca: “normal”, disse ele! Decepcionado,
o Menino ainda insistiu para que houvesse nova explicação e ouviu: “Ele não quis
que você se assentasse lá...”. Melhor não discutir os costumes locais, respeita-se
a cultura e pronto!
Voltando ao pesadelo
parisiense, o Menino acordou sobressaltado e por bom tempo ainda se estendeu a madrugada.
Taquicárdico, suando, ofegante com a respiração entrecortada. Verdadeiro pânico,
a 11 mil quilômetros de distância de casa, sozinho e... comment appeler quelqu´un?... O que fazer? Totalmente
desorientado
ao acordar, sufocado, sem saber em que cidade estava ou até mesmo o layout do
quarto de dormir com as localizações de luzes, móveis e banheiro, fatores
agravantes do estresse pós-trabalho. Some-se a isto a má alimentação, à base de
sanduiches e refrigerantes servidos no quarto de hotel, nos finais de semana,
devido à fadiga e falta de vontade para procurar um restaurante e tem-se um
quadro perfeito com todas as pré-condições para a explosão do stress em forma
de pesadelo e pânico. E não são apenas aqueles fatores próprios do indivíduo,
que influenciam o estado de espírito. A ciência já comprovou que o tempo nublado,
com reduzida luminosidade, diminui a produção de serotonina, o neurotransmissor
responsável pelo humor, o apetite e a qualidade do sono. Por outro lado,
aumenta a produção de melatonina, hormônio responsável pelo sono. Daí aquela
vontade de ficar debaixo do cobertor mesmo durante o dia. Dorme-se mais, porém,
mal e acorda-se cansado, irritado. Evita sair de casa ficando recluso mais
tempo, fechado em quatro paredes, aumentando-se o isolamento social, com
mudança de humor e..., o pior de tudo, altera-se o apetite com tendência a
comer mais doces. O resultado? Explosão! Na balança e no humor, beirando o estado
depressivo.
Ah..., mas, Paris? Como
ficar assim na Cidade Luz? Como é possível? Não há exagero nisso? Lógico que não, pois isto
pode acontecer em qualquer lugar do mundo e há o testemunho de JK, turista
forçado em Paris, que assim se expressou em seu exílio: “Não há primavera nesta terra. As árvores estão verdes e as flores
coloridas, mas o sol, que é propriedade comum dos homens, se esconde sempre
atrás de nuvens carrancudas e hostis.
Isso reflete na alma da gente e só convida a pensamentos que trazem o tom das
nuvens, cor de spleen” (grifei).
Viva Brasília, nossa morada, sol 365 dias, céu azul, de brigadeiro, sem nuvens,
verdes campos e jardins floridos mesmo no período de seca, com irrigação e água
abundante na chácara, onde também os jardins se despontam. Para quem não
acredita que o céu de Brasília traz felicidade, veja o que disse o poeta e
diplomata Francisco Alvim, que viveu em meio mundo e ao atravessar a pé o Eixão
deixou-se atrair pela luminosidade de Brasília, se deslumbrou e assim se
expressou em poema:
“Um céu que não
existe/ou talvez exista na França de Poussin/refratado nos interiores de
Chardin/talvez em Turner/talvez em Guignard/certamente em Dante/ao chegar à
praia do Purgatório/ A felicidade que a luz traz/solta, nua neste céu.”
Mas, amanheceu o dia na
Paris nublada e fria daquele domingo de inverno e o Menino, que fora despertado
por terrível pesadelo, depois de três ou quatro semanas em missão oficial de
trabalho, estava assustado, angustiado. Distante da
família e amigos, sem ânimo nem mesmo para sair para almoçar, atacou-lhe o
pânico. Uma ansiedade sem igual com sentimentos de medo e solidão. O ambiente era
desconhecido e imaginariamente hostil, até mesmo pela paisagem urbana da mais
que milenar capital francesa que se apresentava em profundo contraste com a
luminosa, radiante, espaçosa e verdejante capital de nosso país, local de
residência fixa havia longo tempo. O Menino conheceu assim e pela primeira vez
a depressão. Ali, na ironicamente chamada de Cidade Luz, a olhar pela janela
aquele cenário sombrio, embaçado, de casario e prédios antigos, que aumentavam
ainda mais a angústia quando comparada aos amplos, modernos e ensolarados
espaços de Brasília, onde o céu mais parece um mar azul sobre nossas cabeças.
Bateu o desespero no Menino cujo pânico aumentava a cada instante e com os
olhos embebidos em lágrimas perguntava para si mesmo o que estava fazendo ali,
por que teria que passar por aquilo? Como a relembrar as palavras de JK e se
pôs a perguntar onde estariam as palmeiras em que cantam os sabiás, as aves que
gorjeiam nas copas das exuberantes árvores? Ah... JK e o poeta Gonçalves Dias foram
sábios, experientes, felizes ao formularem aquelas palavras de pura nostalgia,
de amor incontido à Pátria, aos amigos, à família. A angústia, a dor da saudade
dos entes queridos, verdadeiro banzo, provocavam mais lágrimas em pranto
incontido. O Menino, assombrado, suplicou então a Deus, implorando para que
aquele pesadelo ao vivo passasse logo e que a paz em seu espírito condoído
voltasse à normalidade.
Coração disparado, respiração curta e
ofegante, suor, tontura, seria um ataque de coração? A boca seca, uma onda de
calor pelo corpo, e num gesto desesperado abriu a janela do quarto, empoeirada
por fora. O dia já corria, beiravam às 11 horas da manhã e o frio cortante do
inverno parisiense acoitou-lhe o rosto provocando um choque térmico que pareceu
cortar-lhe de vez a respiração. Desmaio iminente com a alma ferida, em
verdadeiro desespero, pânico, olhos marejados, agonia que se prolongava por
mais de seis horas seguidas. Mas, num esforço físico extraordinário e
derradeiro, já com os joelhos dobrados, prestes a desabar de vez, lançou mão do
telefone, ali na cabeceira da cama, bem à altura de seus olhos a menos de meio
metro do grosso e macio carpete que revestia o piso. Não existia ainda a
telefonia celular, onde tudo seria mais fácil, bastando apertar uma única tecla
de emergência e a ligação cairia automaticamente em casa, não importando em qual
país estivesse. Com muita dificuldade, ainda assim, conseguiu ligar para a casa
distante. Juntou os lampejos de raciocínio que ainda afloravam e deu conta de
discar o zero, outro zero, e então o 5, outra vez o 5, o 6 e o 1, completando
os códigos do país e da cidade e depois os oitos dígitos do número de casa,
cuja memória sabia de cor, pois tantas e tantas vezes o discara em busca de
notícias da família. Foram suficientes apenas dois toques do tom de discagem e
atenderam a ligação, de imediato. Que alívio, que benção dos céus, logo ao primeiro
toque e como foi bom ouvir a voz da esposa, do outro lado do Atlântico. Parecia
que estava retornando ao aconchego do lar e reconfortado o menino pôde ouvir, distante,
mas soando nítido as palavras do Salmo 23:
“O
Senhor é o meu pastor; nada me faltará... Ainda que eu ande pelo vale da sombra
da morte, não temerei mal algum, porque Tu estás comigo...”.
Foi
a maior lição de sua vida. O menino compreendeu, por meio desse
triste e sofrido episódio, que as unhas do inconsciente, ocultas como as dos
felinos, podem aflorar repentinamente e nos levar ao colapso
psicológico, ferir-nos gravemente e até provocar a morte. Percebeu que a
loucura passou perto, ou em outras palavras, no jargão médico, foi um ataque de
ansiedade ou de pânico, que é mais comum do que se imagina. Por isso, apreendeu:
É preciso equilibrar o trabalho e viagens com o aconchego da família. "Já
passei por problemas oriundos dessa loucura. O estresse a que somos submetidos nos
leva a superar limites. E, às vezes, a não superá-los", disse o compositor e cantor Digão, do conjunto Os
Raimundos, cujas palavras, que bem retratam a realidade, foram propositadamente
colocadas em epígrafe, abrindo esta crônica. Acertadamente, a
pesquisa britânica também constatou que 75% daqueles que têm a viagem como
obrigação de trabalho, consideram-na “um problema” e isto, não raras vezes,
leva ao colapso psicológico, à depressão. Ainda bem que o menino das Lavras
superou os traumas e agora nem mais está sujeito à escravatura workaholic e também não mais viaja
tanto.
E
ainda dizem que viagens, especialmente ao exterior, são glamorosas... Os amigos
sempre diziam isto ao Menino. Não sabiam da metade dos casos. Glamorosas, só se forem de férias, acompanhado
pela família e ainda assim uma única vez ao ano, até porque o melhor da viagem,
dizem, é a volta para casa. Aliás, hoje o Menino está em casa, escrevendo, lazer
predileto, contando essas histórias que um dia foram vividas e deixaram marcas para
sempre.
Um
bom feriado para todos!
Brasília, 15 de novembro de 2017
Paulo das Lavras
O Menino esperou 30 anos para voltar à França depois
daquela amarga experiência com as garras do inconsciente. Viajar a trabalho com
agenda cheia, reuniões infindáveis, jet lag, comunicação obrigatória em outro
idioma, são ingredientes que, se não cuidados, podem levar ao estresse ou mesmo
à depressão dos viajantes.
Na foto, o Cemitério Americano da Normandia. Ali
estão sepultados cerca de 10.000 soldados das tropas aliadas da Segunda Guerra
Mundial.
Simulando
depressão. Muitos amigos não acreditam que é possível haver depressão em
viagens. A charge da foto ilustra bem, simulando pessoas em depressão. Para os
viajantes contumazes, a depressão pode estar fora das pistas, ou seja, nas
próprias pessoas. Não está apenas no desnível da pista, mas na alma, cujo
abismo é maior, desconhecido e imensurável. Só mesmo quem viajou por muito
tempo, por períodos prolongados, sabe o que é a depressão nas viagens. Perigo!
Foto: internet
Espantando a
saudade de casa, num final de semana em Otawa,
com o que mais
alegra os corações: flores
...ou num
ferryboat, de Vancouver para a ilha de Vitória,
no oceano
Pacífico.
Cartagena de las
Indias, terra do escritor Gabriel Garcia Marques
Passeando no
bondinho de São Francisco, na California, pouco antes
da primeira
experiência de pânico que se revelou, na verdade, uma premonição de algo grave
acontecido em casa, naquele exato momento, a mais de 10 mil quilômetros.
Ansioso, numa demorada
stop over de conexão aérea, em Miami,
aguardando
o voo noturno da
PanAm, o único direto para a casa em Brasília
Em outra ocasião,
num sábado, nas montanhas da Guatemala, com uma indígena
cuidando da
lenha para cozinhar
Primavera em
Michigan, com o colega de nosso escritório nos E.U.A,
Charles Laughlin. Professor de Fitopatologia
da MSU e escritor de contos infantis.
Pouco tempo
depois foi vitimado por insidioso mal e nos deixou para sempre
Fim de semana
numa bela fazenda em Tuscola- Illinois. Sim, essa é
uma casa de
fazenda, no “Corn belt” americano,
local das terras mais
férteis do
mundo, cerca de 250 km ao sul de Chicago.
Fim de semana em
Londres, fugindo do frio de Paris, onde
trabalhávamos por
mais de quatro ou seis semanas seguidas a cada período
Aproveitando o
final de semana na cidade do México. Pausa para conhecer a história
de seu povo,
juntamente com uma adida cultural da Unesco/Paris
Castelo de
Sintra – Portugal
...da sacada do
Vaticano, contemplando a milenar cidade de Roma
Quase nunca foi
possível levar a família nas viagens de serviço. Momento de
rara
descontração com a esposa. Visita a uma universidade, com o casal Michaeel e
Mrs. Smartler, da Michigan State University – 1977
Não havia tempo
sobrando, só trabalho. Nesta foto, de 1988, em Paris, recebendo no Ministère de
l´Agriculture/ Division de l´Enseignement Agricole Superieur, uma delegação
brasileira de dirigentes universitários. O primeiro da direita é o diretor da
então Escola Superior de Agricultura de Lavras- Esal/Ufla, Prof. Juventino Julio de
Souza.
Viagem de lazer, depois de 30 anos. De volta a
Paris, com os canhões de Napoleão
Na Ponte do
Amor, em frente à Catedral de Notre Dame, bem próximo ao hotel
. onde passou
por aqueles momentos terríveis. Revisitou-o. Nenhum ressentimento. Apenas
relembrou a lição aprendida e agradeceu a Deus pelo livramento de mal maior.
Bunker alemão,
na costa da Normandia, de onde metralharam 5.000 soldados das Forças Aliadas,
no Dia D, da invasão para libertação da França.
Lazer na França?
Só muito mais tarde lá voltei e pude visitar tudo que queria,
tranquilo...,
sem stress e muito contente com o aprendizado histórico cultural
Foram cerca de três
mil viagens no país e em missões
internacionais em quatro continentes.
Quase 40 anos de serviços no Ministério da Educação, com mais de 25 ministros.
Trabalho com
alegria, tanto no país como no exterior... Mas, os fins de semanas em terras
estrangeiras... .
Recebendo, no
MEC, os dirigentes do UniLavras
Desembarcando em
Lavras (primeiro à direita) com o Ministro da Educação, Hingel
(semi-encoberto)
que cumprimenta a diretora do Uni-Lavras, Marilia Lunkes.
Ao lado, o
reitor da Ufla , Silas Pereira.
A volta para
casa começa no dia anterior, com o périplo pelas lojas para os indefectíveis
presentinhos. Lembranças para quem ficou em casa e não foi esquecido. Faz parte
daquele ditado: O melhor da viagem é a chegada em casa! Até mesmo por ver os
familiares revirarem as malas em busca dessas pequenas lembrancinhas, mimos,
que mais nos fazem felizes por presenciar a alegria familiar, a certeza de que
eles sabem que nunca foram esquecidos.
Mas...., mas...,
o melhor mesmo é
viajar de férias, levando a família. Diversão e prazer garantidos. Certamente
não haverá momento algum de ansiosidade, de angústia, estresse que provoque
esgotamento, deprê que teima em minar nossa alma nas longas e demoradas viagens
de trabalho.
Hoje, mais que
nunca, “o melhor da viagem é a volta
para casa” para curtir os netos, a família.
Os filhos não pudemos curtir
tanto quanto se desejava, pois viajava até duzentos dias por ano.
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