Não,
não é um conto de ficção. É uma história real, acontecida em casa e cujos
resultados engrandecem a alma, proporcionando-nos a alegria de compartilhar e
apoiar aos mais necessitados. Dois episódios cujas ações e efeitos marcaram a
família para sempre. Manhã de 15 de novembro de 1999, no feriado nacional que
comemorava os 110 anos da Proclamação da República, desembarcou em nossa casa
um tio de minha esposa que até então morava em São Paulo. Veio acompanhado por
dois sobrinhos, um de Belo Horizonte e a outra de Penedo-RJ. Os primos explicaram que havia uns três meses
transferiram o tio Orlando, por motivos de saúde, para a bucólica e turística
cidade de Penedo. Idoso, não se adaptou ao local e foi levado para a casa de
sua irmã em Belo Horizonte. Não ficou uma semana sequer e declarou que queria
ir para Brasília, para a casa de sua sobrinha querida. Aqui chegou nessas
condições e sob cuidados dos sobrinhos, pois em São Paulo o porteiro reportara
algumas vezes que o Sr Orlando, morador solitário, por mais de 50 anos no mesmo
prédio, começava a apresentar, esporadicamente, lapsos de memória. Decidimos
acolhê-lo em definitivo. Em poucos meses seu estado de saúde se agravou com o
Alzheimer se instalando e debilitando suas funções vitais. Depois de muito
tempo sob nossos cuidados o Senhor o levou para o descanso eterno.
Ainda
naquele ano de sua chegada, duas semanas depois, nos deparamos com uma matéria em
jornal, de grande circulação da capital federal, dando conta que um missionário
chegara do Piauí e trouxera uma menina de 10 anos, cega e com dificuldade de
locomoção. Entramos em contato com o missionário e o convidamos para vir à
nossa casa para que pudéssemos leva-la à clínica oftalmológica de um médico
amigo e vizinho de longos anos. Dia seguinte ao chegar para o almoço encontrei a
família em alvoroço e comoção com uma criança no colo. Embora tivesse estatura
própria dos dez anos de idade, mas muito magra, deixando transparecer subnutrição,
a ponto de não se sustentar de pé, se comportava como um bebê de apenas dois
anos. No colo ficava a abraçar a gente, passando a mão pelo nosso rosto como se
quisesse identificar a pessoa. Deliciava-se com as guloseimas, especialmente os
chocolates. Verdadeiro bebezinho que diante da situação nos levava, a todos, às
lágrimas. Um ser totalmente dependente, carente de amor, do simples toque, um abraço
apenas. Tinha dificuldade na fala e além da total deficiência visual estava muito
debilitada. Logo em seguida a levamos ao médico. Entretanto este nos disse que
nada poderia ser feito para a recuperação de sua visão. Havia lesões internas
irreparáveis, agravadas pelo extremo grau de subnutrição. Uma pena. Ficamos
todos comovidos e esperançosos de que a superalimentação oferecida pelo pastor
e os cuidados médicos pudessem recuperá-la e voltar para a sua casa.
O
missionário arrecadava doações para celebrar o natal daquelas crianças
paupérrimas, do distante município de Santa Luz, no estado do Piauí. Foi então
que decidimos, toda a família, arrecadar fundos para a compra de brinquedos,
roupas e artigos de primeira necessidade. Surpreendentemente, o Sr. Orlando
sacou uma vultosa quantia de dinheiro e disse que também queria ajudar no natal
daquelas crianças carentes, cuja coleguinha estivera em nossa casa e a todos
comovera. Compramos muitos, mas muitos brinquedos, roupas, calçados e ainda
arrecadamos mais. Embalamos cada pacote de presente contendo brinquedos,
guloseimas, roupas e enfeites alusivos ao natal. Ao final o missionário alugou
um caminhão baú e partiu para o sertão do Piauí alguns dias antes do natal,
abarrotado de doações que conseguira. Deu-me uma vontade enorme de
acompanha-lo, juntamente com os equipamentos de irrigação que faziam parte da
carga natalina e orientar a produção agrícola que seria possível desenvolver a
partir de então. Mas, as obrigações do trabalho no Ministério da Educação não
me permitiam ausentar do trabalho e por aqui não temos o ano sabático, como nos
EUA, onde os profissionais podem se ausentar para outras atividades.
Encomendamos
ao missionário que nos trouxesse fotos das festas natalinas e o nome de uma
família, da zona rural, à qual pudéssemos contribuir com uma bolsa alimentação.
E assim o fizemos por mais de uma década. Mas, das fotos e dos casos contados
pelo missionário que voltou à Brasília, o mais interessante, além do sucesso do
caminhão do Papai Noel que chegou abarrotado de presentes à pequena comunidade
e fez a alegria de todos, foi o caso de um menino que estava doente e não pode
comparecer à distribuição dos presentes de natal. Os organizadores tiveram o
cuidado de guardar um dos pacotes preparados em nossa casa. E eis que, logo que
pode, correu em busca do prometido e tão esperado presente. Mas, ele veio
acompanhado de um amiguinho, de longe, e que também não estivera ali no dia da
festa. O que fazer se só havia um
pacotinho de resto? Por sorte, em cada pacotinho destinado aos meninos, minha
família havia colocado dois lindos caminhõezinhos, além das guloseimas e outros
mimos. Assim, as organizadoras locais não tiveram dúvidas. Abriram o pacote e o
dividiram ao meio. Cada qual saiu todo alegre com seu bonito caminhãozinho...
Essa foi a parte que mais nos tocou e muito nos gratificou. Lógico, durante os
anos seguintes repetimos a ação. Mas, já no ano seguinte o Sr Orlando, grande
colaborador dessa obra, não podia mais participar, indo às compras dos
presentes para as crianças. Ele também se tornara uma criança que exigia 24
horas de cuidados. Viveu em nossa casa, cercado de atenção e carinho, por mais
oito anos. E essa, a experiência de cuidar de um idoso, foi também a mais
emocionante lição de vida que aprendemos. Encheu-nos de humildade e compreensão
de que é preciso plantar para colher. Nada mais fizemos do que retribuir-lhe o
amor que dedicara à sua sobrinha querida e mais tarde aos nossos filhos,
crianças amadas por ele desde que nasceram em São Paulo, estado que ele adotara
desde que foi admitido na Secretaria da Fazenda de MG, na representação do
Escritório de Exportação de Café.
Criança
é uma joia que Deus coloca em nossas mãos. E o idoso é como uma criança, disse
o poeta e filósofo Rubem Alves. Nossos natais, desde então, nunca mais foram os mesmos. Aquela criança, de apenas de 10 anos e profundamente carente em todos os sentidos e o idoso, solitário, tal qual uma criança carente e que buscou abrigo e aconchego em nossa casa, tocaram fundo nossos corações. Agora é época de ligar para o missionário, receber notícias e confirmar a chegada dos presentinhos.
Façamos uma criança Feliz neste Natal.
Boas
Festas
Brasília,
22 de dezembro de 2015
Paulo
das Lavras
Poinséttia, ou
bico de papagaio, com suas cores vermelha e verde, símbolos do Natal
De volta para o Piaui... Em 2008, Marta,
uma dos sete filhos da família que
adotamos, veio nos visitar. Foi muito bom recebe-la e ouvir os progressos
da
humilde família da castigada zona rural do
município de Santa Luz
Nenhum comentário:
Postar um comentário