Era o dia três de setembro de 1988, embarquei no voo
da antiga empresa aérea Cruzeiro do Sul, rumo a São Paulo, de onde prosseguiria
para a cidade de Lima, capital do Peru, na costa do oceano Pacífico de águas
mais frias que o nosso Atlântico. O widebody da Varig B-767, prefixo
PP-VNP, novinho em folha voou 04:40hs de
Guarulhos até Lima. Tudo novo, o avião e o aeroporto de Guarulhos que
fora inaugurado em 1985. Viagem tranquila, apenas ligeira turbulência ao cruzar
a Cordilheira dos Andes, com seu cume coberto de neve, branquinha, reluzente.
Linda paisagem, porém, de triste memória com a queda do avião uruguaio, que
levava uma delegação de 45 atletas universitários para o Chile, em 1972, quando
apenas 16 sobreviveram. Na sala de desembarque do aeroporto de Lima, chamado de
Jorge Chaves, estava a nos esperar o nosso anfitrião, Reitor da Universidade
Nacional Agrária La Molina.
Agora,
36 anos depois, mais precisamente na noite de ontem, o amigo Antônio Carlos
Albério, de Belém/PA, ex-reitor da Universidade Federal da Amazônia- UFRA e ex-presidente
do Crea-PA nos chamou para lembrar nossa visita conjunta à La Molina/Peru, naquela
data e acrescentou: o nosso anfitrião acaba de nos deixar, o ex-reitor e
ex-Presidente do Peru, Alberto Fujimori. Participávamos de um encontro
Latino-americano de Educação Agrícola Superior, que reunia todas as escolas de
agronomia da América Latina, do México à Argentina. O amigo Albério
representava as Escolas do Brasil, na qualidade de presidente da ABEAS-
Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior. Convidado especial, representávamos
o Ministério da Educação, como diretor de Ensino Agrícola Superior.
Naquele
ano de 1988 o reitor Alberto Fujimori nem imaginava ou tinha planos de ocupar a
Presidência da República do Peru logo a seguir, menos de dois anos depois, em
1990. Nem ele, nem ninguém comentou algo a respeito naquele mês de setembro de
1988. Tudo que sabíamos era que se tratava de um competente educador, reitor e
coordenador do Fórum das Universidades Peruanas. Na política, dois anos depois,
foi um candidato extemporâneo, de fora do círculo político-partidário. Pois bem, foi o azarão de 1990 e se elegeu,
derrotando ninguém menos que o famoso escritor Vargas Llosa. Coincidentemente o
mesmo ocorreu aqui no Brasil, surgiu “o salvador da pátria, caçador de marajás,
Collor de Melo”, também eleito no mesmo ano de 1990. Aqui deu tudo errado e
sabemos o que aconteceu na política. No Peru, Fujimori foi uma figura controversa na política, pois no
início de seu mandato, fez uma gestão considerada positiva, com o controle da
hiperinflação e redução dos índices de criminalidade e até capturou o líder do
grupo terrorista Sendero Luminoso. Porém, dois anos depois de eleito, dissolveu
o Congresso e passou a interferir no
Judiciário, mas teve que renunciar anos depois.
Política à
parte, o reitor de então (1985/89), da Universidade Nacional Agrária de La
Molina, tinha interesse em ampliar a cooperação universitária com o Brasil.
Aqui esteve e o recebemos no MEC. Sabia dos laços educacionais que ligaram sua
universidade à criação do curso de
Engenharia Agrícola no Brasil, em 1973
na UFPel. O Prof. Axel Durrogeany, de La
Molina, esteve aqui em 1972, sob o patrocínio o IICA e da FAO, assessorando a UFPel na criação e implantação daquele curso, o
primeiro no Brasil. Assim, quando nos convidou para a reunião latino-americana
tinha o propósito de estender esses laços educacionais. O reitor Alberto Fujimori
foi informado, quando aqui esteve, sobre a grande contribuição que sua
universidade prestou ao Brasil na área da formação em Engenharia Agrícola.
Testemunhamos isto e juntamente com o Prof. Jair Vieira, ex-reitor da UFLA,
elaboramos o projeto desse curso, finalmente aprovado pelo MEC e implantado em
Lavras no ano de 1975 e o modelo da Universidade de La Molina foi importante
para nosso projeto em Lavras. Diante desses antecedentes, tratou-nos com toda a
cortesia e distinção, dispensando-nos atenção integral durante uma semana
naquele país. Além das visitas ao campus e a diversos departamentos acadêmicos,
levou-nos a conhecer o Museu do Ouro e os principais monumentos históricos como
a Plaza Mayor, onde se situam o Palácio do Governo e o comércio de artesanatos,
rico em produtos típicos da região andina e outros locais. Interessante foi
conhecer o Zoológico da cidade de Lima. Lá tivemos contato, pela primeira vez
com a lhama, animal de carga e que produz lã, essencial no gelado frio andino.
Me lembro ainda hoje de suas palavras de alerta “atención, no te acerques,
te escupen...” , não se aproxime,
elas cospem em você. Poucos sabem, disso, que as lhamas se aproximam e lhe
cospem, direto no rosto. Péssima surpresa! Tiramos foto, mas de longe daqueles
bichos mal-educados... Mas, depois na feira de artesanatos compramos uma linda
blusa de frio, de lã de lhama ou alpaca...
O prof.
Alberto Fujimori nos brindou com especial gesto de acolhida, a mim e ao Prof.
Albério, convidando-nos para um jantar, com toda sua família, na residência situada
no elegante bairro de Myraflores, a janela para o Pacífico. Depois de nossa
visita, não mais nos encontramos, mas trocávamos mensagens de cunho
profissional, até o encerramento de seu mandato de reitor, ocorrido em
1989. Em 1990 entrou para a política,
elegendo-se presidente do Peru e partir de então nunca mais nos falamos. Agora,
o Prof. Albério nos informa de seu passamento e relembra-nos daquela viagem de
uma semana no Peru e em especial da acolhida
que tivemos por toda sua família.
Boas
lembranças. Descanse em paz!
Brasília,12/09/2024
Paulo das Lavras
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