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A cidade de Lavras emoldurada pela belíssima Serra da Bocaina
Foto: Alejandro - arquivos do
IHG de Lavras
Exílio dourado? Sim, só mesmo usando essa
expressão metafórica para entender as razões de estar residindo tanto tempo
longe, bem longe da terra natal. Um jornalista de minha terra, Eduardo
Cicarelli, diretor do Jornal de Lavras,
ao ler uma de minhas crônicas sobre o internato no Seminário de Itaúna-MG, provocou-me:
“... você tem o dom de
prender os leitores quando narra uma história, uma dádiva de Deus a poucos que
lidam com a escrita. Mais uma vez fiquei embevecido no seu texto. Agora queria
te fazer uma pergunta: você nasceu em Lavras, cidade emoldurada pela serra da Bocaina;
teve parte da vida vivida em Itaúna, cidade também emoldurada pelas montanhas
de ferro e manganês, e em Belo Horizonte, pela serra do Curral. Pergunto:
.... como é morar em
Brasília, onde os olhos só alcançam a vastidão do cerrado? Não te faz falta as
ondulações que sempre tiveram presentes na sua vida?”
Obrigado, amigo, pelas
gentis palavras. Muito me alegram suas considerações. Comentários dos leitores
são a mola mestra, os alentos que nos impulsionam e incentivam a sempre
escrever e compartilhar. Além de jornalista tarimbado você é um arguto e
perspicaz observador. Você foi direto ao ponto: as montanhas de Lavras e de Minas Gerais. Isto
me leva a crer que o amigo também é um apaixonado pelas montanhas das Lavras do
Funil do Rio Grande, tão bem cantada por outro jornalista e escritor lavrense,
Hugo de Oliveira, e que a título de lembrança, reproduzo seu poema de loas à
nossa majestosa Serra da Bocaina. Eu as menciono, as montanhas mineiras, em
quase todas minhas crônicas e poucos dos 400.000 leitores que já acessaram este
blog de crônicas, contos e causos, notaram esse viés de apaixonado pelas
montanhas. Para responder-lhe, preciso contar uma longa história, nova crônica,
pois sua pergunta é mais que pertinente: Como viver longe das montanhas ?
A admiração à linhas sinuosas das montanhas e
suas imponentes alturas é um caso de puro e inato amor! De fato, nasci entre
montanhas ornamentadas pelos ipês amarelos . Acresça-se a isto as inúmeras
escolas ali existentes, com esmerada formação, que nos fazem lembrar do lema de
Lavras: Terra dos ipês e das escolas. Assim, desde criança, na fazenda, tomava
café da manhã e demais refeições à mesa em frente às janelas da copa/cozinha,
que tinham como cenários aquelas duas montanhas, que você bem as conhece, pelo
lado oposto à fazenda, pois você e todos os lavrenses sempre passam a seus pés
(ambas na rodovia 265 - Lavras/ trevo da
Fernão Dias), a serra do Late-cachorro/Queixada, na curva fechada da caixa d`água
(antigo sítio do Prof Paulo de Souza) e a da Cachoeira da Bebela, próxima à
passagem da ponte sobre o ribeirão Água Limpa.
O quarto da casa da fazenda onde nasci, em Lavras.
Ao fundo a Serra do Queixada, onde passa, do outro lado, a rodovia que liga
Lavras ao trevo da Fernão Dias.
Foto do autor - 2014
Daquela mesa da copa/cozinha, o menino ficava a admirá-las e a indagar a si mesmo em sua fantasiosa imaginação infantil, o que haveria lá no alto daquelas montanhas? Estariam cheias de bichos ferozes, onças, lobos, cobras e tudo mais que os adultos “sabiam” existir para amedrontar os pequenos mestres arteiros e mantê-los ao redor da casa, sem grandes aventuras em locais mais distantes? Ah... e aquelas árvores que avistamos ao longe, seriam grandes, frondosas? E as rochas, seríamos capazes de rolá-las serra abaixo, sem problema? E até onde elas chegariam cá embaixo? Chegariam ao ribeirão Água Limpa e barrariam suas águas, formando uma linda represa com um lago cheio de peixes, marrecos e paturis? E do outro lado daquela serra, o que se avistaria? E assim desenvolveu-se no menino aquela curiosidade constante. inata. Primeiramente, o desejo de escalá-las para saber de tudo aquilo, até mesmo empurrar uma grande pedra e ver o estrago e a barulhada morro abaixo. Interessante que certa vez em missão de trabalho no IICA, na Costa Rica, fui visitar, em um final de semana, ciceroneado por professores da Universidad de San Jose, um vulcão em plena atividade, o Arenal. Ao passar perto, ainda na rodovia, a uns dois km de distância e em área segura, vimos aquela avalanche de rochas incandescentes rolando morro abaixo, verdadeiro rio de fogo. À noite, já no hotel turístico, com vista privilegiada para o vulcão, o show pirotécnico foi maravilhoso e dormimos embalados pelo som das rochas batendo umas nas outras em direção ao vale com aquele lindo rastro de fogo que iluminava a noite. Aquela avalanche barulhenta nos lembrava as rajadas de metralhadoras tão comuns nos filmes de guerra. Impressionante e amedrontador, não fosse a segura distância do hotel em relação ao vulcão. Duas lembranças vieram-me à mente, e de onde? Justamente da escalada à Serra da Bocaina, onde por descuido (talvez inexperiência, mesmo), o amigo Fabiano Soares, futuro diretor do Aero Clube de Lavras, se adiantou na escalada e em certo momento fez escorregar algumas pedras que, por pouco não me atingiram, justamente ali no ponto mais íngreme da montanha, a garganta onde as duas metades da serra se encontram. Outra lembrança foram as das queimadas na mesma serra, quando os fazendeiros usavam colocar fogo para queimar as secas pastagens, para que brotassem mais rapidamente logo às primeiras chuvas da primavera. O fogo começava ao sopé da grande serra, na chamada Serrinha e dali subia, em extensa linha dourada, se alastrando, por toda à noite, até o cume da montanha, num espetáculo pirotécnico maravilhoso, não fosse triste e evitável para preservação da fauna e flora. Da varanda de minha casa ficávamos a observar aquela linha de fogo por toda a extensão da serra. Lindo show para as crianças, mas lamentável quando se pensa na destruição da fauna e de toda a vegetação. Hoje, verdadeiro crime ambiental, sujeito às penas da lei.
Quando trabalhava nos EUA, acostumei-me às planícies da região do Corn Belt (cinturão do milho) a oeste do Michigan e todo o estado de Illinois e fiquei surpreso quando pude ver as serras dos montes Alleghenies, na cordilheira dos Apalaches, no estado da Virgínia, com suas serras muito semelhantes às da Bocaina em Lavras. Ali viveu Samuel Rhea Gammon, fundador do educandário (1892) que tem seu nome, ainda hoje. Deste colégio, o Instituto Gammon, surgiu a Universidade Federal de Lavras. Poucos sabem que a Serra da Bocaina foi uma das inspirações que levaram o Reverendo Gammon a escolher Lavras para sediar o Instituto Gammon. Em tudo se assemelhava às montanhas que ele apreciava diariamente na infância, ali na Virginia. Montanhas existem em toda parte do mundo (menos em Brasília...). Ainda no exterior, visitei e escalei algumas montanhas no Equador, Guatemala, Peru e México. Neste último as ruinas da cidade sagrada de Theotiuacan estão situadas no topo de uma montanha não muito distante da capital mexicana. No Equador conheci a estação da Nasa num dos cumes mais altos, justamente na linha do equador. Na Guatemala visitei plantações de café, em elevadas montanhas, tais quais os cafezais das fazendas de minha família em Lavras. No Peru e México escalei as montanhas de sítios Incas, com cultivos de lavouras irrigadas, as terras dos Astecas e Maias com suas pirâmides no alto das montanhas. Em todas essas visitas verifiquei semelhanças que evocavam as montanhas de Minas Gerais. Uma coisa é certa, as montanhas estavam definitivamente gravadas na minha memória afetiva. Suas presenças estavam em tudo e em todos os lugares, até mesmo nos relatos de nossos pais, sobre os inatingíveis maciços de rochas e matas, como na “história” de que toda a água que abastecia a cidade de Lavras, naqueles anos de 1950, vinha do Poço Bonito, situado na Serra da Bocaina. Como pode brotar água das rochas do alto da montanha se “não vemos” rios ou ribeirões escorrendo por suas encostas? Curiosidades, verdadeiros enigmas para as crianças, nem sempre compreendidas pelos adultos. As reminiscências sobre as montanhas estavam constantemente em nossa memória, até mesmo no estrangeiro, em distantes terras, as montanhas locais nos provocavam o banzo da cidade natal. Não pude rolar pedras do alto da serra da Cachoeira ou da Late-cachorro, mas, como descrito acima, mas, passei uma noite inteira ouvindo as trombadas da rochas vulcânicas incandescentes rolando pela Serra do Arenal, lá pela América Central, no país da Costa Rica.
Prosseguindo, ainda em
Lavras, o menino mudou-se para a cidade
e sua casa, numa enorme chácara ao final da rua Progresso (que terminava na rua
Sabino Lustosa e dali para frente começavam os 20 hectares da chácara), com
vista privilegiada para a maravilhosa moldura de Lavras, a Serra da Bocaina. Da
varanda da casa contemplava os voos das aves de rapina que vinham de lá,
planando e rodeavam a matinha e as pastagens da chácara (hoje Vila Cruzeiro do
Sul) em busca de presa. Ah..., não poderia me esquecer de mencionar que sempre
que vou a Lavras, faço voos rasantes próximos à essa maravilha chamada de Serra da Bocaina, além
do que, lá pelos 20 anos eu e Fabiano Maia Soares (ex-presidente do Aero Clube
e Recauchutadora Paulo Guida) decidimos escalara Serra da Bocaina. Temeroso de
encontrar as “feras” imaginadas na infância , à mesa do café da manhã, tratei
de colocar na mochila um revólver para nossa defesa..., pois quem sabe poderias
surgir uma onça ou mesmo uma cobra cascavel. Naquele tempo, ainda nos anos 60,
não havia restrição ao uso de armas e todos os garotos criados em fazendas
tinham o hábito de caçar e eram, experientes no uso de armas. Aliás, esse
costume era atávico e remonta ao ano de 1726, quando um parente desbravador,
caçador de ouro em Lavras/Carrancas e S.J.D.Rey, escreveu carta ao
recém-empossado governador da província de Minas Gerais, que estava difícil
sair em expedições á busca de ouro, pois havia ajuntamentos de escravos negros
e índios fugitivos (quilombos) atacando-os e por isso, solicitavam o envio de armas para uso dos garimpeiros. Os registros
históricos de Minas Gerais citam esse fato. Praticamente todos andavam armados,
os fazendeiros principalmente, disseram-nos os cientistas, SPIX e Martius que passaram por Lavras em 1818 e registraram em seu livro: Viagem pelo
Brasil (cujos três tomos foram
editados em 1823, 1828 e 1831, respectivamente, e cuja edição brasileira,
promovida pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, IHGB, data de
1938). Outro cientista, Saint Hilaire (1822), também esteve em Lavras e
descreve esses fatos e ainda menciona que as mulheres das casas dos fazendeiros
eram muito curiosas e ficavam a bisbilhotá-lo por detrás da porta. Saint
Adolphe, outro cientista também passou por Lavras e descreveu, em 1845, sobre os
costumes de sua gente e os produtos da cidade, alguns exportados para o Rio de
Janeiro.
“Escalando/sobrevoando” a Serra da
Bocaina, em Lavras, num Aero-Boero argentino.
Proa alinhada ao dorso de pedras da bela serra
que emoldura a cidade, como a relembrar a escalada realizada aos 20 anos e ao
chegar ao alto da montanha, sentir-se gratificado, como se estivesse mais
próximo de Deus. Nesse avião, voando com pleno controle e estabilidade,
lembrei-me dos voos do urubu que tanto me encantavam na infância e era dali,
daquela serra que eles vinham,
Foto do autor - 2014
Abrindo um parêntese, devo explicar melhor o
antigo costume de se usar armas de fogo nas fazendas e que durou de 1720 até o final
dos anos de 1960, permanecendo, portanto, por quase 250 anos. A existência de
quilombos, com ataques de ex-escravos ao longo das estradas, aumentou de intensidade a partir do dia
seguinte ao 13 de maio de 1888, data da Abolição da Escravidão. Todos os ex-escravos
saíram pelas estradas, nelas se acamparam e os que chegaram até a cidade, se
alojaram em barracos de pau e cobertura de sapé nas periferias. Lavras tinha
seis ou sete entradas de estradas que ligavam as fazendas à sede do município.
Em todas elas havia esses aglomerados de ex-escravos expulsos das fazendas.
Visitei, em trabalho de pesquisa, da disciplina de Sociologia Rural, duas
dessas ruelas em Lavras. Foi assim que se inciaram as favelas nas grandes
cidades. Peço desculpas por me alongar, mas são explicações necessárias para se
entender o contexto, no qual fazendeiros andavam armados, até o final dos anos
60 do século passado. Era para se defenderem dos ataques nas estradas, por quem
passava fome em decorrência da expulsão da fazendas escravocratas. Por
consequência, os fazendeiros ensinavam a seus filhos a arte de dominar o uso
daquelas armas. Felizmente, nos anos 70, esse costume foi abolido e leis
passaram a proibir e controlar o uso de armas de fogo. Sobre isso escrevi longa
crônica que integrará meu livro, em fase de conclusão, sobre a escravidão nas
fazendas de Lavras, cujo link é indicado ao final.
Ainda sobre as montanhas de Lavras, os sonhos
do menino eram muitos, sem limites. Tinha uma vontade louca de voar por sobre
as montanhas. Invejava os voos planados e mergulhos dos gaviões carcarás e
urubus (estes têm o voo mais bonito, planam silenciosamente e mergulham em voo com
alta velocidade). O escritor e médico lavrense Paulo Rodarte de Abreu, escreveu
um livro intitulado: O voo do Urubu. Tive a honra de participar da festa de
lançamento desse livro no belo e histórico Hotel Vitória. Por outro lado, eu ficava
intrigado pela maneira que elas, aquelas aves de grande envergadura de asas,
conseguiam dobrar ambas as pontas para cima. Somente na década de 70 vim a
saber que a EMBRAER foi a primeira indústria aeronáutica a copiar aquele
recurso usado pelas aves de rapina, as pontas das asas arrebitadas. Isto
aumenta a sustentabilidade do voo, a eficiência e a velocidade, economizando
combustível dos aviões. Copiaram a técnica aerodinâmica usada pelos urubus e batizaram
aquela pontinha da asa, apontada para cima, de “winglet”. Hoje todas os
fabricantes de grandes jatos e jatinhos as usam. Veja a ponta das asas dos modernos aviões.
Curioso, perguntei a um amigo, piloto de caça e ex-comandante da Esquadrilha de
Mirage, por que a indústria aeronáutica demorou 70 anos, depois da invenção do
avião, para imitar o voo do urubu e demais aves de rapina que precisam de
velocidades máximas e as aumentam torcendo a ponta asa para cima quando voam em
mergulho. Boa pergunta, respondeu-me ele!
Voltando à paixão pelas
montanhas, saí de Lavras e fui estudar em Itaúna, também cercada por montanhas
de ferro e manganês. Por outro lado, o percurso de Lavras a BH é serpenteado
entre montanhas, montanhas e mais montanhas. Trabalhei em BH por um ano,
cercado pela Serra do Curral, bem a seus pés, no Bairro São Lucas. Subi aquela serra, em
excursão a pé, passando pela mata do Jambreiro. Chegando a Nova Lima, voltamos
de ônibus pois ninguém é de ferro... rsrs. Aliás, a montanha era de ferro e
ainda resta um pouco dela se as mineradoras ainda não as implodiram totalmente
e venderam os minérios para a China e Japão. Por força de ofício, fiz
reflorestamentos nas demais serras em torno de BH, Mariana, Ouro Preto, Caraça,
Serra do Cipó/Serro e tantas outras. Na serra do Cipó quase que era necessário
encher os bolsos com pedras para que o vento não nos carregasse e nos fizesse
rolar montanha abaixo. Aliás, nas proximidades do viaduto da Mutuca, na divisa
de BH com Brumadinho (saída da BR 040,
de BH rumo ao Rio) havia uma que se
chamava Serra do Rola-Moça. Não vi moça nenhuma rolar por lá, mas as mulas, com
as cargas de mudas de eucalipto, as vezes escorregavam e perdia-se a carga nos
jacás.
Serra do Curral- BH, muita semelhança com a serra de Lavras.
Foto- Prefeitura de BH
Pois bem, com todo esse
histórico de montanhas, desde menino pequeno, não gostava de trocar as serras
pelas praias. Férias e temporadas, quase sempre em regiões serranas da
Mantiqueira com ou sem águas termais. As centenas de voos, nas rotas BSB/Rio e
BH/SP, que passam, ambas, exatamente sobre Lavras, eram escaneadas pelo meu GPS
mental, a cada minuto. Todas as cidades rios e principalmente as montanhas eram
identificadas. Em 50 minutos de voo era só olhar pela janela da direita e lá
estavam: Santo Antônio do Amparo, cuja torre da Igreja Matriz é mais alta que
qualquer montanha. À direta Perdões e o Rio Grande, Ribeirão vermelho, à
esquerda Bonsucesso e ali, bem embaixo... Lavras com a Serra da Bocaina, mais
adiante Itumirim, Luminárias mais à direita com suas lindas serras, etc, etc, e
o devaneio tomava conta de minha mente. Nesse momento, já olhando para trás ,
pela pequena janela do avião a uns 9 ou
10 mil metros de altura (o procedimento de lenta descida do avião para o Rio de
Janeiro começava em S.J.D. Rey e era possível sentir a desaceleração da
aeronave), batia um banzo danado e a vontade era de abrir a porta e saltar de
paraquedas e cair bem ali naquela larga avenida da UFLA que eu e o Prof.
Juventino Júlio de Souza demarcamos quando ainda éramos estudantes na velha
ESAL/UFLA. Eita..., saudade danada! E aqui, meu caro Eduardo Cicarelli, cabe
perfeitamente a sua pergunta, que é mais do que pertinente:
... “como é morar em Brasília, onde os
olhos só alcançam a vastidão do cerrado? Não te faz falta as ondulações que
sempre tiveram presentes na sua vida?”.
Veja bem, passei aqui os
seis anos iniciais de minha estada à procura de uma chácara para lazer. Nada de
encontrar alguma que agradasse. Terrenos áridos, vegetação rala e retorcida,
sem mananciais (mineiro adora um corguinho e matinha... rsrs), nada me
agradava até o dia que fui a uma fazenda
de 400 hectares que fora dividida em chácaras. Situada numa baixada de um
grande ribeirão, mais volumoso que o nossos Água Limpa e Maranhão, verdes
pastagens, gado nelore, branquinho, contrastando amo o verde da pastagem e o
azul da serra ao fundo (serras no planalto?) e até uma plantação de marmelo, igual
as que se viam em Lavras. A fazenda tinha, ainda, uma magnífica sede em estilo goiano/mineiro (herdado
dos colonizadores portugueses) e pasme, cercada de pequenas montanhas (em
extensão e altura), mas suficientes para nos fazerem lembrar das Lavras do
Funil do Rio Grande com suas lindas montanhas. Foi amor à primeira vista. Água
abundante, energia elétrica e... montanhas à vista (uma das primeira coisas que
fiz, foi comprar um cavalo mangalarga, tradicional marchador e o mais procurado
pelos mineiro (as fazendas do Favacho e Passa Tempo/S.A. Amparo, eram criadoras
fornecedoras desses cavalos aí na região de Lavras) e participar de numa
cavalgada por toda aquelas montanhas, num raio de cinco ou seis km. Trouxe de Lavras um carro de boi, transportado
pelo Aguinaldo de Souza (imagine que aquele generoso amigo, presenteou-me com
esse ato e nada cobrou, mesmo sob insistentes pedidos da conta), um arado de
aiveca que pertenceu a meu pai até os anos 60, uma máquina de fiar lã e algodão (roca) , com todos os acessórios de
preparo da lã e do algodão, um carneiro hidráulico que bombeava água nas
fazendas de Lavras e outras tralhas.
Até mesmo nas planuras do Planalto
Central, o menino encontrou
um recanto em meio às serras e lá
construiu uma chácara com todos os encantos
e mimos da trazidos da terra natal. Como ensinou o poeta Mário Quintana:
"a gente continua morando na velha
casa em que nasceu”
Foto do autor –2004
Verifica-se, portanto, que cumpri
aquele ditado, que o poeta e filósofo
Marcel Proust escreveu: "os
verdadeiros paraísos são os que perdemos" e nessa mesma
linha, Mário Quintana nos ensina que: "a gente continua morando na velha casa
em que nasceu". Carregamos
isso pelo resto da vida, a
casa em que nascemos. Literalmente, “eu trouxe Lavras” para cá e reconstruí a minha doce infância e
juventude com esses mimos que têm lugar especial no meu coração. Aliás, não só
de Lavras, trouxe de BH um Jeep Willys igualzinho ao que nele trabalhei nas
serras do quadrilátero ferrífero,
subindo montanhas e plantado eucalipto. Construí a casa e trouxe as
tralhas/mimos em reprodução literal à minha querida terra natal. E é por isso
que sempre digo, moro nas planuras do Planalto Central pelo dobro do tempo que
vivi na terrinha natal, mas,
ainda hoje, sei medir com os olhos as
distancias das linhas sinuosas das montanhas mais que as planuras deste
planalto central.
O coração não muda..., já dizia o príncipe dos
poetas, Guilherme de Almeida em seu belíssimo e profundo poema:
“Tudo muda neste mundo de ilusão, vai para o
céu a fumaça, fica na terra o carvão. Mas sempre, sem que te iludas, cantando
num mesmo tom, só tu, coração, não mudas porque és puro e porque és bom!”
Por isso aqui vivo, há 50 anos, em dourado
exílio, mas sempre com o coração puro, amarrado no carinho e amor que aí recebi
e aprendi com a família, professores e
toda a comunidade, onde os adultos nos tratavam como se seus filhos fôssemos.
Um dia minha cinzas repousarão sob o ipê amarelo da janela do quarto da fazenda
onde nasci. Meu neto já foi encarregado dessa missão, mas ele diz em tom de
gozação: Vovô, eu só vou passear de avião até BH, pois as cinza eu as jogarei
antes de chegar ao aeroporto daqui... Vou deserdá-lo, respondi... rsrs, mas
antes registrarei em cartório o meu desejo, do repouso das cinzas na terra
natal, à qual tudo devo, o que sou, o que fui e os sucessos obtidos na vida.
Espero que o amigo jornalista tenha entendido o
meu dourado exílio, onde sempre revivo as memórias de nossas montanhas que bem
conheço e com o olhar sei medi-las melhor que as planuras deste planalto
central. Um abraço!
O amigo, jornalista Eduardo Cicarelli, à
direita, numa solenidade cívica na Praça de Lavras. A seu lado, o saudoso Hugo de Oliveira, também jornalista e autor
do poema Serra da Bocaina. Eduardo Cicarelli é diretor do Jornal de Lavras e a
ele dedico essa crônica, em resposta à sua pergunta sobre o amor às montanhas.
Foto arquivos do IHGLavras
Brasília, 30 de junho de 2024
Paulo das Lavras
Ode à montanha, de autoria do jornalista e escritor Hugo de Oliveira
Foto: arquivos do IHGLavras
A casa da chácara onde vivi até o término da
faculdade. Vista privilegiada da
Serra da Bocaina que emoldura a
cidade de Lavras.
Foto: tela a óleo, acervo do
autor
O menino, jovem
engenheiro, formou-se em Lavras e partiu para BH , de onde se aventurava pelas
montanhas de Ouro Preto, Mariana, Serra do Caraça e
Catas Altas, plantando florestas de eucaliptos para as
usinas siderúrgicas.
Foto do autor – Ouro Preto - 1968
O neto de Samuel Rhea Gammon-fundador do IG e UFLA) Dan Gammon e esposa
Sandy, ciceroneados pelo autor, em visita à secretaria do colégio do Intituto
Gammon,
que tem na parede de fundo um panorâmico poster da Serra da Bocaina.
Em 1892, o cenário dessa serra, semelhante à dos montes Alleghenies da Virgínia/EUA,
inspirou aquele missionário a escolher a cidade para sediar o Colégio
Internacional,
que se chamava Gynasio de
Lavras, depois IG, teve como vinculada a Esal
que se transformou em UFLA.
Foto do autor - 2019
Montanhas sempre
fascinaram o menino das Lavras. Aqui o fenomenal Vulcão Arenal, próximo a San
José de Costa Rica. Sua constante
erupção de lava incandescente oferece um espetáculo pirotécnico, noturno, sem
igual e chega a ser assustador. Produz um barulhão da rochas incandescentes
rolando montanha abaixo.
Mais parecia uma rajada de metralhador a perturbar o
sono no hotel a uns 4 km de distância e com essa maravilhosa vista mostrada na
foto.
Foto: internet
Na Guatemala escalei uma montanha para conhecer a cultura
indígena e suas plantações de café nas montanhas. Uma indígena descia o morro com um feixe de lenha na cabeça.
Consentiu a foto, raridade, pois não gostam. São supersticiosos, acreditando
que a fotografia rouba seu espírito, contou-me um professor de Ambato/Equador
Foto do autor –1986
Em Ouro Preto, recordando os tempos que
reflorestava suas montanhas, passeou no trem turístico
que liga essa cidade à
também histórica Mariana.
Foto do autor - 2012
O sul de Minas é pródigo
em montanhas. Veja a Montanha Sagrada, de São Lourenço-MG ,
local de saltos de
parapente e paraglider! Entre a praia e
as montanha, para se passar
férias, sempre escolhia
a última e procurava conhecer o alto
dessas montanhas, com ou sem teleférico.
Foto: Internet – São Lourenço-MG
... e para aguentar o banzo no exílio dourado, até mesmo o arado de
aiveca, que
pertenceu a meu pai, nos anos
50, foi trazido de Lavras para Brasília.
Vista geral das serras de minha chácara, um recanto especial e
nostálgico
nas planuras do planalto central. Não foi fácil encontrar uma chácara com essa vista evocando a lembrança das montanhas. Pura reminiscência da terra natal
Foto do autor, 2024
Saindo de BH
rumo ao sul de Minas... por entre montanhas, alegria renovada e incontida,
clicando a Serra de Itatiaiuçu/Igarapé, onde à direita situa-se a cidade de
siderúrgica
de Itaúna, também de gostosa memória.
Foto do autor, 2019
Brasília, vista de cima, da janela de um avião. parece um avião!...
... mas, é uma linda cidade-parque, com 200 mil pés de ipês. Na foto, florada dos ipês roxos
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