Quantos anos você tem? Perguntou-me o amigo. Notando sua intenção jocosa, atirei de raspão..., 10, talvez uns 15. Deixe de brincadeira, cara, retrucou-me o amigo. Você já tem uns 80, pois já o conheço aqui em Brasília há uns 50 anos... Foi então que mirei no alvo e acertei-o para valer: sim já tive, quase os oitenta que você mencionou. Se já os vivi, não os tenho mais, portanto já tive e o que tenho pela frente talvez dez ou um pouco mais, como lhe disse. Sem graça pelo erro de colocação, ele se corrigiu..., é não parece, você está bem conservado... Atirei de novo..., detesto essa palavra quando se refere às pessoas. Ora, conservado se usa para expressar o estado de decomposição ou não de material qualquer, um móvel, um carro ou até mesmo a comida cheia de aditivos chamados de conservantes, edulcorantes e outros adjetivos. Foi o tiro de misericórdia no velho amigo (somente a estes podemos ainda provocar, neste mundo de gente estressada pós-pandemia)... e para amenizar um pouco, completei: Ah, entendi, você quis dizer que tenho aparência de bem cuidado, com saúde. Ah, sim, obrigado, poucas rugas, cabelos fartos, embora encanecidos, pele saudável, postura ereta, sempre alegre e de bem com a vida ..., de fato me cuido conforme preceitos dos geriatras. Obrigado! Não se atreveu a mais provocações...
Bem, depois
dessa “amistosa” saudação em forma de duelo com fina ironia, a conversa fluiu e
acabou se iniciando pelas faltas recentes de amigos. Você soube que o seu amigo
e ex-ministro Paolinelli faleceu? Perguntou-me
o amigo já recomposto do impacto de
minhas provocações. Grande homem, continuou ele, benfeitor da humanidade no
campo da produção de alimentos. Invariavelmente, depois de certa idade, principalmente
passados os setenta, as conversas entre amigos incluem esse doloroso tema,
rememorar os amigos que se foram. É um assunto difícil, pois nesta nossa idade,
a morte de pessoas próximas, parentes, amigos, colegas de trabalho ou mesmo
conhecidos e artistas queridos, é cada vez mais frequente. Sempre vem aquele
sentimento de que a nossa hora está chegando, o que é inevitável, mas que nunca
o tínhamos quando éramos jovens e “imortais”.
Agora, com o avançar do tempo e o aparecimento de novas tecnologias da
comunicação e ainda com as redes sociais que nos conectam a milhares de
pessoas, a toda hora chegam as notícias de óbitos de amigos, conhecidos e
colegas de trabalho. Isto sem dizer das
figuras públicas estimadas, especialmente artistas ou do meio cultural. Pessoas
com as quais nos identificamos e admiramos pelas suas qualidades pessoais e profissionais.
Nesta semana lá se foi a artista Aracy Balabanian, um pouco antes perdemos
vários outros como Olivia Newton John, Erasmo Carlos, Gal Costa, Rolando
Boldrin, Jô Soares, Arnaldo Jabor, Tina Turner, Rita Lee e tantos outros que de
uma forma ou outra nos influenciaram ou deixaram mensagens positivas e nos alegraram
na arte e na cultura. Um vínculo afetivo não precisa necessariamente ser
presencial, basta um livro, um filme, palestra ou a música de determinado
cantor para nos tornarmos amigos/admiradores e assim deixá-los ocupar um lugar
em nossos corações.
No rol de amigos destacam-se aqueles com os quais
convivemos desde tenra infância, passando ainda pelos tempos de estudante ou de
atuação profissional. Para quem mora distante da terra natal onde se concentra
o maior número de amigos e influenciadores, receber a notícia do passamento de
um deles é duplamente dolorido. A distância aumenta a dor, impedindo um último adeus.
Especialistas dizem que a dor do luto não é pela morte da pessoa querida, pois
ela, a pessoa que morreu,
continua com você, no seu pensamento. Você continua se lembrando dela, sempre, no abraço, ou nas alegrias que nunca mais receberá de quem se foi para
sempre. Pior para quem mora longe e não há tempo para se chegar e dar o último
adeus. Não que o último adeus vá acabar com a dor da perda, mas, de certa forma
ajuda a mitigar a dor, Compartilhar com os amigos, ali presentes à despedida,
nos ajuda a diminuir um pouco a dor, pois vemos neles o mesmo sentimento e ao
compartilhar nos sentimos reconfortados. Restará a saudade que nada mais é do
que o amor que fica.
Nossa geração está indo embora. Afora alguns artistas citados acima, doeu-nos, particularmente a partida recente daqueles com os quais convivemos e não pudemos dar-lhes um adeus e compartilhar a dor da despedida com familiares e amigos. Dentre tantos, Evandro Menicucci, Marcos Possato, Maria Adélia Possato, Alysson Paolinelli, Ygor von Thiessenhause e agora, na semana passada, João Oscar de Pádua Gonçalves. Dolorido pelo impacto da notícia, sem chances de ir se despedir em um último adeus, a mente trava e o gatilho dispara as reminiscências da vida junto a aquele amigo que subitamente partiu sem aviso. O pior de tudo é que a saudade não conta o tempo. Tanto faz se o ente querido partiu a poucos dias atrás, como João Oscar, ou se já faz tempo, anos e anos. Minha mãe se foi prematuramente aos 47 anos e já se vão exatos 60, quando eu tinha apenas 17 anos, cursava o colégio e me preparava para o vestibular dali a poucos meses. A dor da perda a saudade cortante que, dependendo das reminiscências, ainda arranca lágrimas, como se o desenlace tivesse acontecido ontem. E assim acontece com todos. O Prof. Paulo de Souza se foi há 25 anos e ainda hoje relembro suas aulas magníficas no curso de agronomia, cheias do saber e sabedorias para os alunos que se preparavam para a profissão. Tinha especial carinho para comigo que traduzia capítulos de seus livros norte-americanos, de onde fizera pós-graduação com distinção na Carolina do Norte, para reprodução em mimeógrafos e distribuição gratuita aos alunos, pois naqueles idos dos anos 60 a bibliografia nacional era inexistente na agronomia.
Da mesma forma, Alfredão, Prof. Alfredo Scheid Lopes, conhecido internacionalmente, pelos seu brilhante trabalho de domínio da fertilidade dos solos de Cerrado, tornando-os produtivos, elegeu-nos com a distinção, por conta de nosso ótimo desempenho em sua disciplina de Fertilidade dos Solos, para frequentar estágios em empresas paulistas do ramo de fertilizantes e depois proporcionando nosso primeiro emprego, numa empresa de planejamento agrícola, florestal e paisagismo em Belo Horizonte. Não bastasse isso deu-nos a todos os alunos uma lição que me serviu e ainda serve durante toda a vida: comprem livros, formem sua biblioteca, pois eles são as referencias do conhecimento e sem eles vocês não saberão discernir um fato, um problema agronômico ou sequer saber que tipo de doença ou deficiência nutricional que a planta apresenta... Toda vez que entro numa livraria, presencial ou virtual, me lembro de seu conselho e me tornei um leitor voraz.
Assim é a vida, amigos que se vão e levam um pedaço de nós. Não há como não se sentir menor diante da perda de um amigo. Paolinelli, que partiu há uns 15 dias, deixou-nos a todos enlutados. Desejei-lhe um repouso eterno em verdes pastos celestiais, iguais ou mais bonitos do que aqueles verdes campos de trigo, soja, milho ou alvos como as plantações de algodão às vésperas da colheita. Ou quem sabe amarelo ouro das plantações de girassóis que também povoam o cerrado por ele desbravado e que hoje, com fartas colheitas, alimenta o mundo, literalmente. Mas, por que relembrar tantos amigos e conhecidos que já partiram? É que agora ainda dói a saudade deixada por João Oscar de Pádua Gonçalves e como disse antes, a saudade não conta tempo. Assim, com o impacto de seu passamento me pego a recordar os tempos de juventude em Lavras e Belo Horizonte, onde se estreitaram os laços de amizade e camaradagem com João Oscar. Ele se dava ao trabalho de me buscar em casa, próximo à Faculdade de Medicina da UFMG onde ele estudava. Quase todos os finais de semana íamos para Lavras em seu fusquinha e tínhamos prazer nas viagens. Era o tempo em que aqueles dois jovens de 23 anos lamentavam a ausência da cidade, suas histórias, as paqueras e namoros, os amigos de sempre, fins de semana nas fazendas e a vida familiar, de onde nunca tínhamos nos separado. Dois chorões umbilicais dos costumes de nossas famílias do mesmo tronco. Sim, Pádua e Sales (minha mãe) descendem de Manoel da Costa Vale (1703-1784), imigrante português que chegou a Lavras em 1750. A seus filhos e netos deu nomes de santos de sua devoção e aos quais devia graças alcançadas: Santo Antônio de Pádua e São Francisco de Salles.
Mas, voltando
ao ano de 1968, me lembro que ao passar por Igarapé avistávamos a grande serra em
frente (divisa dos municípios de Igarapé e Itaguara) e nela o perfil de seu
topo semelhante à figura de um gigante deitado, ensinava-me o João Oscar.
Verdade, lá ainda está aquele gigante deitado no topo da serra que é avistada
logo que se passa o trevo da BR 262 na rodovia BH/Lavras (BR 381). Passei ali
centenas de vezes ao longo desses 55 anos passados desde que ele me ensinou a
observar o gigante deitado e, todas as vezes eu me lembrava de João Oscar
contando e apontando o gigante à frente. Pequenas coisas, mas que nos marcam e
estreitam os laços de amizade. Passados alguns poucos anos João Oscar voltou
para Lavras, casou-se e foi ser meu vizinho novamente. Eu já havia retornado
definitivamente para Lavras, como professor da ESAL/UFLA e ali no Bairro
Centenário, onde morava, veio a residir também o ex-vizinho de B.H e
companheiro de viagens. Ali ele construiu uma bela casa, depois vendida ao
UniLavras e que ainda se encontra do mesmo jeito, hospedando a reitoria daquele
educandário. Estivemos sempre por perto, tanto em BH como em Lavras, nossa
querida terra natal.
A dor da
saudade existe e está sempre presente quando se trata de pessoas queridas e com
as quais convivemos ou fomos influenciados por elas, mas sofrimento não existe
onde há boas memórias compartilhadas. Mais uma vez repetimos, a saudade é o
amor que fica e isso, em vez de sofrimento traz-nos conforto à alma. Que
descanse em paz o nosso amigo João Oscar que se foi para sempre e nos deixou o grande legado do amor. Muitos
de seus amigos, em quantidade impressionante, compareceram e levaram centenas
de coroas de flores que simbolizam o amor, o reconhecimento a um vitorioso e
que servem de consolo à família enlutada. As flores representam tudo isso e
ainda a esperança de que a pessoa que partiu possa descansar em paz, além do que
o singelo presente representa também a gratidão de quem o oferece, como
reconhecimento de que em vida aquele amigo lhe era muito querido e respeitado.
João Oscar foi assim. Todos que ali compareceram deram testemunho de quão atencioso, cordial e caridoso foi para com
todos, sempre praticando o bem. A profusão de coroas de flores, que antigamente
eram colocadas na cabeça dos vitoriosos de guerras e competições esportivas, agora
acompanhadas de mensagens de carinho e afeto aos familiares enlutados revelaram
isto. Ele foi sempre um vitorioso pela sua competência profissional como médico
e virtudes da alma.
Não pude estar
na sua despedida e na saudade sempre presente, com doces reminiscências da
convivência compartilhada desde os tempos de infância e juventude, envio, hoje,
essa minha coroa de flores em forma de crônica e a compartilho com todos.
Crônica que simboliza a saudade..., o amor que fica e não a dor, o sofrimento,
como sugerido no título e aqui agora, negado. Nada melhor do que falar de amor
neste Dia dos Pais, sobretudo quando nos lembramos daquele pai amoroso,
profissional médico competente e dedicado que partiu há duas semanas!
Brasília, 13
de agosto de 2023 (Dia dos pais)