Viajando, sempre! Quanta alegria, quanta satisfação com a viagem deste dia de aniversário. Foram tantas as viagens..., mais de três mil, pelo país e mundo afora em mais de 35 países. Mas, como assim? Viagens em ano de pandemia? Sim, revisitei a maioria dos locais por onde andei por mais de 50 anos. Hoje, aos 76 anos, celebro e comemoro todo esse tempo já passado. Tanto tempo que até mesmo nunca imaginei chegar tão longe, pois minha meta e meu horizonte temporal de vida eram sempre muito curtos. Não planejava sequer chegar aos 50 anos de idade, tantas foram a pelejas para sobreviver. Se ali chegasse já estaria de bom tamanho. Assim pensava, pois a história de meus parentes parecia não ajudar muito, pelo menos naqueles primeiros vinte anos. Minha mãe e sua irmã partiram jovens ainda, para sempre. Também minha irmã, Suely, se foi aos 16 anos. Perdas irreparáveis, doloridas em dobro, pois foram chamadas muito cedo. Todas elas com complicações cardíacas, num curto intervalo de apenas três anos. Com esse histórico de curtas vidas na família, achava, durante muito tempo, que também não chegaria nem aos cinquenta. Além do histórico familiar, a vida naqueles primeiros anos não tinha tido grande apreço por mim. Por cinco vezes driblei a dona morte, aquela temida senhora caricaturada com vestes pretas e uma enorme foice às costas. Por isso não tenho e nunca tive medo de falar e escrever sobre ela, embora a maioria das pessoas sequer goste de ouvir a menção desses assuntos, a nossa finitude.
Manhosa,
aquela lúgubre senhora descobriu que meu coração era forte, livre dos ataques
que levaram os parentes, decidiu então procurar outros meios para despachar-me deste
mundo. Ao longo do tempo, derrotada em seus planos com graves ataques à saúde
respiratória do menino, um afogamento na infância e a perda total da visão de
um dos olhos em acidente, partiu para outro tipo de assédio, aparentemente mais
fatal. Castigou-nos com grave acidente aéreo sob violento temporal ao se tentar
o pouso de um grande avião de carreira, quando então nos salvamos quase nadando
em meio a um mar de combustível, o querosene, que milagrosamente não explodiu. Naquele
dia ela se esqueceu de um detalhe, razão pela qual as fagulhas do impacto e
arrasto da asa estraçalhada com a turbina, tanques, trem de pouso e outras
peças metálicas sobre o asfalto não foram capazes de incendiar as toneladas de
querosene e explodir tudo pelos ares, inclusive o menino, encharcado, ferido e sufocado,
mas salvo pelos bombeiros. Quase meio metro de camadas de enxurradas apagaram
totalmente as fagulhas que sequer prosperaram. Milagre e derrota para ela e o
menino saiu apenas levemente ferido e encharcado de querosene. Cinco vezes,
sim, por cinco vezes escapei dela... e isto sem contar outras duas vezes nas
quais foi, novamente derrotada ao tentar derrubar outros aviões com o menino a
bordo em viagens no exterior e que nem considerei como risco de vida.
Um
acidente aéreo já seria bastante, mas por incrível que pareça em duas outras
vezes a dona Vida quis nos abandonar nas alturas. Mais uma vez saímos ilesos. Portanto, nem são cinco e sim sete vezes que
lutei com a vida e driblei a aquela traiçoeira dona de capa preta e alfanje às
costas. Pois bem, assim consegui chegar aos cinquenta, e já havia passado bom
tempo sem novos ataques que nos colocassem em risco de vida. Respirei aliviado.
Mas, ainda assim, estava sempre a perguntar, chegarei aos 60, ou 70? A dúvida
sempre existiu, pois ela, a minha perseguidora estava quieta, sumida desse os
43 anos, ultimo acidente de avião. Olhei para trás, já com 70 anos, e vi,
percebi o tempo de vida já decorrido, os caminhos trilhados, as dificuldades, o
sucesso profissional alcançado e então dei uma sonora gargalhada, verdadeira
vaia para a dona morte e exclamei: Te venci..., sete vezes, e já vivi muito
mais do que esperava. Agora estou no lucro e cada dia a mais será lucro, lucro
a ser celebrado a cada instante!
Cheguei aos 70 como se disputasse uma maratona. O
cronômetro e registros que usei para medir a corrida foram as minhas anotações,
tipo um diário, onde tudo registrei para um dia contar aos filhos e netos o
valor da perseverança. Olhar para frente, sempre e assim cheguei até agora, bem
e com muita disposição para escrever e agradecer a tudo – a Vida, dom de Deus. Desde
então tenho escrito crônicas que contam o passado, as passagens alegres da
vida, mas sempre com a certeza de que estou no lucro, pois dela tirei e continuo
a tirar muito proveito. A Vida é a nossa maior professora e quando cheguei aos
setenta anos foi como se tivesse virado uma esquina. A esquina da Vida, uma
virada que aos 75 anos, que ainda ontem assim contava meu tempo, mostrou-me que
o menino ainda tem fôlego nessa maratona. Porém, sem esquecer que estamos mais
frágeis e o ritmo deve ser mais moderado, principalmente em tempos de pandemia,
quando os cuidados devem ser redobrados, pois a possibilidade da morte, que
antes parecia normal, ganha agora mais força. E hoje, logo no alvorecer do Domingo
de Páscoa, leio na manchete do jornal que a Vida venceu a morte na ressurreição
de Cristo, e isso é uma mensagem de esperança, conforme a tradição da igreja.
Outra notícia mostra a fé inquebrantável das pessoas em superar a crise dessa
pandemia que nos assola e já levou mais de 320.000 vidas, somente em nosso
país. Se antes eu dizia que, por sete vezes, fui assediado pela dona morte,
agora então, em breve, poderei acrescentar mais uma, pois até aqui, o Senhor
tem nos conduzido a salvo. Assim seja e que todos nós possamos vencer mais essa
batalha que tanto sofrimento nos tem trazido.
Por
outro lado, e independentemente dessa dura batalha que ora enfrentamos e que a
Ciência já está iniciando a vitória com as vacinas e outras medidas sanitárias,
o menino ganhou a certeza de que suas maiores batalhas da vida já foram
vencidas nesse longo tempo que se passou. A agora resta olhar o passado,
refletir e com alegria colher os frutos que plantou. É evidente que, se antes
fazíamos planos para cinco anos à frente, agora com o avançar da idade e
limitações naturais, o horizonte diminuiu. Ficamos mais tranquilos no dia a dia
e pensando mais nas futuras gerações, nossos netos já crescidos nessa geração Z
(nunca saberão o que é uma foto analógica, um relatório manuscrito em
garranchos apressados ou gravados em fita K-7, a datilografia, etc.). Mas essa
tranquilidade e suposto desinteresse em traçar metas arrojadas e longas para
futuro não se aplica aos planos de escrever novas crônicas e livros, alguns já
quase finalizados. E o menino os produz com gosto e prazer.
Mas,
e as viagens no dia de se comemorar os 76 anos de idade? Ah..., acordei um
pouco atordoado em meio a tantos pesadelos e entendi o recado. Hoje, véspera de
aniversário, amanheci assim, encharcado de suor, enrolado em manta de frio
(temporal ontem à noite, muito frio) e imediatamente fui meditar... é tão bom
viver! Obrigado pela Vida, dom de Deus. E mais convencido fiquei ao abrir o
jornal, pois parece que a maioria das pessoas, do mundo inteiro, também pensa assim.
Aniversário é assim, só alegria. É o maior presente que temos para dar e
receber. Amém!
Mas,
ainda tenho que falar das “Viagens aos 76 anos”, afinal esse é o título da crônica.
Elas afloraram em sonho nesta noite e a bem da verdade nem mais me interesso em
fazê-las, pois as tenho gravadas na memória. Foram mais de 3.000 (sim, três
mil), registradas em planos de voos, com anotações de identificação das
aeronaves com o tipo de avião, modelo e matrícula, seus destinos, datas, reuniões
e compromissos oficiais. Tudo anotado, em simples blocos de papel ou agendas de
capa de couro, recheadas de notas sobre os eventos (até a
pouco tempo atrás não existiam agendas eletrônicas, notebooks, tablets e muito
menos ainda os smartphones com mil e uma funções, inclusive a de máquina
fotográfica que, na ocasião eram verdadeiros trambolhos, com rolos de filmes em
papel de 12 ou 24 e 36 poses que necessitavam de processo químico de revelação
das imagens em laboratórios especializados).
Reuni
milhares de fotos e cartões de visitas de pessoas com as quais me relacionei nos
mais de trinta países visitados. Um amigo, ao ver toda essa tralha, se espantou
e chamou-me de “acumulador”. Para que isso? Desentulhe seus espaços, disse-me
ele. Ora, respondi-lhe, já não bastam os familiares que reclamam do trabalhão
para limpeza do ambiente? Saiba você que fui bastante previdente, pois
registrei e guardei tudo em caixas e mais caixas identificadas. Sabia que em
muitas dessas viagens não tive sequer tempo de apreciar as paisagens, o
ambiente, a comida e que um dia tais registros serviriam para alguma coisa,
além dos relatórios técnicos de viagens. E veja, hoje são minhas fontes para a
escrita, histórias de vidas e lugares. Nada mais precisou ser dito e o amigo
concordou e apreciou minhas coleções de moedas, a caixinha com os crachás de
uma festa e ainda levou de presente um lindo porta copos verde e branco, com
motivos da universidade onde trabalhei nos Estados Unidos.
Por
conta desse grande acervo, ou tralhas, como dizem os implicantes, nem preciso
de viagens reais, pois anotava tudo, fotografava e produzir montanhas de
relatórios e artigos técnicos conceituais sobre a educação superior no Brasil e
no mundo, especialmente nos EUA e França, onde permaneci por mais tempo em
serviço. Toneladas de anotações e relatórios gravados em fita K-7 (alguém sabe
o que é isso?) e muitos, mas muitos manuscritos..., sim manuscritos que eram o
terror das exímias secretárias brasileiras e norte-americanas que passavam dias
degravando ou interpretando os rabiscos apressados do jovem yuppie. O único alívio para as
datilógrafas brasileiras era quando a missão tinha duração superior a quatro ou
seis semanas nos EUA, pois ali havia assistentes que nos acompanhavam em
viagens e reuniões nas universidades e centros de pesquisas, gravando ou
anotando tudo em linguagem taquigráfica. Dia seguinte restava-nos apenas fazer
a revisão dos originais já datilografados (interessante notar que os executivos
norte-americanos trabalham à base de “memorandum”. Dia seguinte você recebe
cópia do memorando, contendo os principais pontos e decisões tomadas na
reunião. Se por acaso discordasse de algo, tinha que replicar imediatamente,
senão tudo passaria a ser decisão sacramentada, tal qual ali expresso).
Assim,
hoje, basta abrir qualquer pasta dessas “toneladas de arquivos” e minhas
viagens virtuais começam sem que eu tenha de enfrentar filas, check-in em
aeroportos, dirigir carros alugados, filas em hotéis, restaurantes, teatros,
museus. Detalhadamente desfilam à minha vista, lindos palácios europeus,
cenários de filmagens hollywoodianas monumentos e até sítios turísticos que
apareciam pelo caminho. Portanto, voltar aos lugares antes visitados é
maravilhoso, ainda mais quando já se tem pleno conhecimento das causas, dos
objetivos e principalmente, depois de tanto tempo, dos resultados positivos
daquela visita e seu trabalho. Tudo volta à mente quando abro qualquer das
pastas de arquivo, seja um ingresso de museu, tickets aéreos, terrestres ou
marítimos e as simples fotos feitas como ali no Smithsonian Air and Space, em
Washington-DC, onde amarguei dolorida decepção por não encontrar nada sobre o
nosso grande Santos Dumont, o inventor do avião. Ali só imperam os irmãos
Wright como únicos inventores do avião. Decepções à parte, podemos ainda lançar
mão dos recursos da internet e assim adentrar a suíte do mesmo hotel ou outro
lugar, bastando olhar a antiga fatura ou cartão de visitas guardados em nossos
arquivos e acessar sua home page.
Por isso viajo muito
aos 76 anos e posso garantir que, mesmo virtualmente, o prazer de se rever um
local antes conhecido é duplamente prazeroso. Sempre gostei de viajar e as
lembranças estão sempre presentes, até mesmo
a porta de meu escritório, em casa, está decorada com motivos das viagens
um dia realizadas, as quais, à época, nem imaginava que seriam repetidas
eternamente e sem sair de casa em verdadeira realidade virtual. Relembrar o
rosto das pessoas e agora, com as facilidades das chamadas em vídeo, conversar
com elas a 1.000 ou 10.000 km de distancia e relembrar os tempos passados e
trocar ideias sobre os tempos atuais..., ah isto é o mesmo que viajar para lá e
reencontra-los, ultrapassando a realidade virtual e tendo a mesma sensação de
ali estar, ainda que depois de tanto tempo e apenas diante de uma câmera de seu
smartphone ou computador.
Assim,
aos 76 anos, que agora completo, entro em meu escritório e olho centenas de
livros, caixas e caixas de arquivos de fotos, documentos, suvenires, modelos de
aviões (os jatos da FAB são os preferidos e estão sempre a passar por aqui,
próximo à Esplanada dos Ministérios), jeeps, bandeiras e uma infinidade de
arquivos digitalizados no computador e..., o que vejo tudo me agrada! Sim, vivi
com intensidade e amor em meio a tudo que me veio durante tantos anos, a
começar pelo trabalho profícuo no país e no exterior. Encontros com os top of minds da ciência e tecnologia, pessoas
admiráveis, em todas as universidades federais do país e várias estrangeiras.
Enfrentei situações adversas, incluindo pessoas não confiáveis, para se dizer o
mínimo, mas, a grande maioria foi mesmo
de pessoas admiráveis e situações que nos conduziam a resultados positivos. Enfrentei diferenças
culturais, tanto no exterior como aqui e até mesmo no trato com mais de uma
centena de consultores estrangeiros que aqui passavam períodos curtos e de
médios prazos em consultorias técnicas. Li muito, mas muito mesmo, relatórios
em idiomas outros e livros que ainda hoje abarrotam meu escritório em casa.
Escrevi muito também, profissionalmente e agora, na aposentadoria algumas
crônicas. Nelas estão as experiências que vivi ou convivi e dizem muito a meu
respeito, o que realmente sou.
Setenta
e seis anos..., apesar de fustigado por alguns percalços, quando senti por sete
vezes o roçar e o bafo daquela senhora de preto, posso dizer que depois dos
quarenta ela, felizmente, desistiu de me perseguir e deu-me uma trégua. Acho
que além de compensar-me com o desfrute da longevidade centenária semelhante à de
meu pai, vai, ainda, me esquecer por algum tempo a mais. Fiquei temeroso com a
pandemia e cheguei a pensar que ela, a dona do temido alfanje, iria se
aproveitar da ocasião... Que nada, a vacina está aí e vai dar um baile nesse
vírus.
Saúde!
Esta foi e é a mensagem que mais tenho recebido pelo meu aniversário. Obrigado
e que ela, a Saúde, seja bem vinda, para mim e todos nós. Levemos a vida com a
alegria, um dia de cada vez. Ah..., mudei os planos, depois dessa pandemia que
agora está sendo derrotada pela “dona vacina...”, quero chegar aos 100 e
escrever muito, contando as coisas boas da vida. A cada manhã que acordo e olho
pela janela a beleza do dia agradeço, com muita gratidão, a Deus pela dádiva da
Vida e digo a mim mesmo que estou preparado para a próxima viagem, ainda que a
data e o destino sejam desconhecidos, embora conheça o motivo, a finitude. E
enquanto o meu embarque para esse voo não é anunciado, continuo a agradecer e a
escrever como sempre fiz nas salas de espera ou a bordo dos aviões e hotéis,
onde passei mais de dez mil horas ao longo de minha venturosa vida de executivo
viajante. E hoje, aos 76 anos, adoro a minha vida de viajante virtual com
relatos reais sobre ela, a Vida e os amigos que me acompanharam ao longo de
tanto tempo. Revejo tudo e a todos a toda hora e por isso sou feliz nessas
viagens de agora. Que venham mais dias! Saberei usar o tempo com mais pressa,
mais proveito, pois ainda tenho muito a escrever, revisar e concluir aqueles
mais de seiscentos títulos e respectivas anotações que me aguardam nos arquivos
eletrônicos.
Adorei
minha viagem, em sonhos, desta noite. Acordei, um pouco sufocado pelo calor da
manta de frio, mas amei a viagem. Revivi o gostoso passado, colorido e pensei no
futuro de nossos filhos e netos, enfrentando a pandemia há um ano, mas com fé e
esperança, como bem mostrou o jornal de hoje. Assim é a vida!
Obrigado,
Saúde,
Amém!
... pois, aniversário é para isso: Celebrar a Vida!
Brasília, 04/05/2021
Paulo das Lavras
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