(Série quarentena – 10)
Mergulhar
nas águas do tempo é tomar ciência do valor da vida...
Lya
Luft
O homem está sempre em busca do tempo perdido, o tempo passado, como bem
nos ensina o escritor Marcel Proust que, em vez de seguir uma forma
literária contínua e linear da ação e dos personagens, reproduziu em sua
grande obra a realidade como conteúdo da consciência.
Ele busca
o passado a partir de sensações casuais. É por isso, na mesma trilha de Proust,
que busquei o passado das várias quarentenas a que fui submetido. E nada mais justo
que reconhecer em Proust o verdadeiro
sentido da vida:
"A verdadeira vida, a vida enfim descoberta e tornada clara, a
única vida, por conseguinte, realmente vivida, é a literatura." E entendamos aqui, como “literatura” toda a experiência de vida,
vivida por alguém, seja ela expressa em letra, música, arte ou simples
exposição oral. Assim, nada melhor do que se reviver com essas experiências e
delas tirar proveito para uma vida feliz.
Foi
preciso esperar a quinta quarentena na vida do menino, aos 75 anos, para
entender o valor desses períodos de reclusão. Passei antes por quatro situações
semelhantes, mas nunca havia pensado com profundidade sobre o real significado
e as consequências de uma quarentena, voluntária ou não. Impressionante as
coincidências de datas desses eventos fortuitos com meus aniversários. O
primeiro, já no nascimento, o seguinte aos dois anos, o terceiro aos 12 e o quarto
aconteceu aos 23 anos. Agora, novamente, no aniversário de 75 anos reaparece
outra, a mais prolongada quarentena. Mas, esta, embora não menos importante e
até mais perigosa, parece mais proveitosa para o pós-pandemia. Lições nos são
oferecidas a todo momento, pois, na idade madura somos mais propensos a melhor
analisar e tirar conclusões dos eventos episódicos, ainda que catastróficos e
ameaçadores como essa pandemia do coronavírus.
A primeira quarentena enfrentada pelo menino
foi em 1945, logo ao nascer, em pleno conflito mundial da 2ª Grande Guerra. Quarentena
de guerra? Sim, na zona rural de Lavras
a população tinha pavor da aviação militar, pois no ano de 1930 foi
“bombardeada” por um avião militar que ali se exercitava para combates na
revolução de 1930. Pouco mais tarde outros aviões vieram para a revolução de
1932 e treinamentos para a grande guerra de 1940/45. Nos anos de 1970 os “ataques
aéreos” continuaram sobre Lavras, em voos simulados de bombardeios à grande e
estratégica ponte sobre o Rio Grande, na rodovia que liga as capitais de Minas
e São Paulo. A fazenda onde nasci e vivi até os três anos de idade, Três
Barras, ficava na exata rota aérea BH/SP, distando apenas 4 km da citada ponte,
alvo da aviação militar da FAB que passava zunindo com seus jatos de caça a poucos
metros de altura, espalhando cheiro de querosene queimado pelas turbinas em
pleno tracking e logo a seguir
fazendo a manobra de balsing para o mergulho em direção certeira ao alvo.
Portanto, nossa fazenda além de ter sofrido, em 1930, durante um mês inteiro as
investidas do avião Mauren Saulnier, da Aviação de Guerra do Exército,
destacado especialmente para amedrontar a população de Lavras, foi também “vítima”
das investidas de treinamento dos pilotos aprendizes de guerra do aeroclube
local e da FAB, com manobras aéreas em rotas milimetricamente traçadas para os
ataques ao alvo selecionado, a grande ponte do Rio Grande. Nossos pais, como
também os fazendeiros da vizinhança, se fechavam em casa ao menor barulho vindo
dos céus e esse medo se estendeu até mesmo após o termino da grande guerra, que
ocorreu em 02 de setembro de 1945. Por isso, o menino esteve por uns cinco ou
seis meses em sua primeira quarentena, com reclusão domiciliar imposta pelo
“medo” dos aviões de guerra. Lógico que os efeitos sobre as crianças eram
indiretos, apenas os reflexos do medo da guerra mundial sobre a família, ali
isolada nas fazendas. Qualquer barulho de avião que passasse pela movimentada
rota BH/SP, já era suficiente para amedrontar a todos e instalar o pânico,
especialmente quando passavam em baixas altitudes, em voos quase rasantes, como
aqueles dos alunos do aeroclube de Lavras que caprichavam na “pontaria” sobre
as pessoas isoladas nas roças. Verdadeiro terror daquele pássaro barulhento que
“podia” cuspir fogo e bombas e o único escape era correr para debaixo das camas,
como contava minha mãe, na presença dos envergonhados camaradas e vizinhos
naqueles dias de rodas de almoço, café e lanches, nos dias de mutirão de
capinas ou colheitas. Só não contava, em suas caçoadas aos medrosos homens, que também elas, as mulheres corriam para
junto de seus filhos e esconderem-se nos quartos, trancados , como se isso impedisse
o tal suposto bombardeio aéreo dos aviões de guerra.
A
segunda quarentena do menino foi mais melindrosa. Logo aos dois anos de idade
foi submetido a uma delicada cirurgia torácica que lhe exigiu quase nove meses
de convalescência, 265 dias, contava e os olhos de lágrimas a sua mãe. Quarentena
mais que prolongada, com reclusão em casa e sob intensos cuidados e visitas
periódicas ao Hospital Vaz Monteiro, pois portava um dreno pulmonar durante
todo aquele tempo. Por ironia, esse mesmo hospital que acolheu o menino, recém inaugurado na cidade e especializado em
assistência materno infantil, foi construído pelo mesmo mecenas que financiou o
aeroclube, cujos aprendizes de pilotos tanto amedrontaram a população, anos
antes, no período da grande guerra. Mas, o menino saiu-se bem dessa segunda
quarentena, renasceu, como diziam todos, pois recebeu atenção especial e ficou praticamente todo o tempo sob
os cuidados de todos da família. Assim, recebeu mais afeto, carinho e amor, em
função da fragilidade física momentânea. E Freud explica muito bem os reflexos
da atenção e cuidados emocionais que se dedicam à crianças, justamente na fase
da primeira infância. Criança feliz, adulto feliz, afirmam os especialistas!
O avião
de guerra, de 1930, em Lavras, com o mecânico e o piloto (com o pé sobre a
roda). Acidentou-se no pouso forçado nos altos da Universidade. Recuperado por
lavrenses, construiram uma pista de pouso no local onde hoje situa-se o
Batalhão de Policia Militar. Este avião amedrontou a população da região,
durante um mês, enquanto ali ficou baseado. Um terror para quem nunca tinha visto
um trem daquele, barulhento, voando em cima de incautos lavradores da terra.
Foto:
arquivos de Reanato Libeck
Hangar
Vaz Monteiro, inaugurado em 20 de Julho de 1943. Na foto, vários aviões estacionados defronte ao
hangar, vindos de Belo Horizonte, São Paulo e cidades vizinhas especialmente
para a inauguração. Dali partiam os alunos em treinamento de guerra para também
fazer rasantes sobre a população.
Foto:
arquivos de Reanato Libeck
Hospital
Vaz Monteiro, inaugurado em junho 1941, onde o menino sofreu
intevenção cuirúrgica de grande porte, em 1947
Foto: ano
1941- arquivos de Renato Libeck
O menino
aos três anos de idade e totalmente restabelecido,
após
quarentena de quase nove meses de
convalescência. Renasceu,
diziam todos, inclusive o médico
e ex-prefeito Dr Jacinto Scorza, cirurgião que cuidou do menino.
e ex-prefeito Dr Jacinto Scorza, cirurgião que cuidou do menino.
Foto do autor - ano 1948
A
terceira quarentena foi a mais prolongada, em 1958, aos 12 anos. Foram
285 dias de internamento em um seminário católico que preparava os meninos para
a vida sacerdotal. A partida para o seminário, no trem maria–fumaça, na estação
Costa Pinto em Lavras, nem foi tão dolorida, pois estava acompanhado do pai e
de uma irmã. Parecia uma viagem qualquer, ainda que pela primeira vez no trem
de ferro. A excitação da novidade não deu tempo ao menino para pensar que
estaria partindo para uma longa e demorada ausência. O chororô se instalou no
dia seguinte, quando os acompanhantes o deixaram sozinho naquele distante e imenso
internato. Foi uma dura despedida. O menino “desabou” quando o
pai e a irmã dobraram a esquina, acenando-lhe um último adeus dolorido na alma.
Sua vontade era largar a mão amiga do padre diretor, correr atrás e com eles
voltar para a casa. Só Deus haveria de consolar aquele coraçãozinho angustiado
pela despedida e o impacto do ambiente totalmente desconhecido e muito distante
de sua casa, dezesseis horas de viagem no trem noturno. Cortar bruscamente os
laços familiares produziu no menino um grande impacto emocional , mas, com
certeza reforçou e moldou-lhe um caráter mais forte e maleável às adversidades
da vida. Foram longos os dias e noites na solidão, verdadeira quarentena,
isolado dos familiares, dos abraços e aconchego do lar.
Depois de noites mal dormidas
e saudoso da família, era hora de se levantar, vestir o uniforme de gala,
branco, e seguir para a missa dominical na igreja matriz da cidade de Itaúna,
onde cantávamos no coral. Uma
pausa na melancolia, pois após a missa
algumas mães amorosas nos esperavam para nos dar um abraço. Bálsamo para a alma.
Dura, muito dura a quarentena dos meninos,
longe do aconchego da família
Foto: 1958- Seminário N.S. de
Fátima, Itaúna-MG
Em frente à barra de
exercícios, do Seminário O primeiro à direita, agachado é o menino das Lavras. Adão
é o 1º em pé à esquerda. O terceiro, em pé, é Eustáquio, o Taquinho. Eram os
os melhores amigos,
companheiros de todas as brincadeiras. A maioria com semblante triste.
Foto: 1958- Seminário N.S. de
Fátima, Itaúna-MG
A
quarta quarentena do menino foi em BH, a capital dos mineiros. Ali, recém
formado, iniciando a vida profissional, o jovem engenheiro submetido à dureza
do trabalho de campo, sob frio e chuva intensos e severos nas montanhas
alterosas de toda a região do quadrilátero ferrífero, mal alimentado e
residindo em região insalubre da área hospitalar da capital mineira, não
resistiu a tantos fatores negativos e contraiu, aos 23 anos de idade, uma Tb do terrível bacilo de Kock.
Foram quarenta dias de reclusão, dai o nome quarentena – a quantidade de dias
requeridos para a convalescência e completa recuperação da saúde, mediante
intenso tratamento com hidrazida do ácido isonicotínico e superalimentação,
além dos cuidados no hospital Militar de BH. Ali, ficou sabendo que o ilustre e
saudoso Jk também ficou internado e curou-se do mesmo mal, contraído nos tempos
de noites mal dormidas e má alimentação, quando era telegrafista dos Correios
em período noturno e estudante de medicina o dia todo.
O menino
engenheiro nas montanhas de Ouro Preto, vento gelado, chuvas e... o Dr Kock
apareceu... e o colocou em quarentena por exatos 40 dias. Aprendeu a cuidar da
saúde, começando pela erradicação do cigarro e boa alimentação.
Foto do autor - julho 1968, Ouro Preto
A
quinta e atual quarentena, vivenciada por todos, a pandemia do terrível
coronavirus, tem deixado o mundo inteiro apavorado, com milhões de infectados e
milhares de mortos, inclusive no Brasil, onde os casos comprovados já ultrapassam
dois milhões e os mortos já chegam 84 mil pessoas. Nenhuma quarentena e
isolamentos sociais podem ser comparados e julgados como melhores ou piores
entre si. Todas deixam marcas em nossa alma, sejam elas por motivo de doenças,
internatos ou fugas por medos de guerras e revoluções ainda tão comuns. Esta, particularmente, por
conta do coronavírus e que já dura quatro meses, tem nos marcado profundamente.
Nada que se compare ao choro no internato distante da família ou o isolamento
de 40 dias para uma grave doença respiratória infecciosa que, tratada
corretamente apresenta resultados positivos imediatos e permanentes, sem
grandes riscos. Seus efeitos são infinitamente maiores e nada seria capaz de produzir
tanto medo, incerteza e dor como nesta atual conjuntura. Já se vão quase quatro
meses de pandemia e as dúvidas continuam, quase as mesmas de quando do seu
inicio. Há tratamento eficaz? Pode se contagiar pela simples respiração? Quanto
tempo o vírus permanece ativo? Quais as chances de alguém portador de
comorbidades se salvar? Quando estarão prontas as vacinas e quando terminará o
ciclo infeccioso pandêmico? Inúmeras são as dúvidas, o que leva a população ao
pânico, ansiedade, o medo de contrair a infecção e de perder a vida. São
fatores estressantes, agravados pelo estado de quarentena, o isolamento social
que implica mudança total na rotina, limitação na mobilidade das pessoas, medo
de infecções, frustração, tédio e toda a gama de problemas de logística
doméstica como desabastecimento, falta de empregados para a execução dos
trabalhos do lar, afetando, especialmente os idosos que mais necessitam de
cuidados, enfim, toda a sorte de estresse inclusive a diminuição da renda e até
mesmo perda de empregos. Esses impactos diretos sobre cada um de nós podem se
prolongar por tempo superior ao período de quarentena propriamente dito, pois a
recuperação é demorada, causando transtornos psicológicos mais acentuados.
O
isolamento social foi-nos imposto e por si só já é um transtorno. Ficamos
isolados de nossos entes queridos, pais, avós, netos, familiares que vivem em
casas diferentes e amigos. Com nenhum deles podemos nos avistar, abraçar,
frequentar festas e tudo mais que exija proximidade física. Ficamos privados
até mesmo de realizar atividades físicas em parque e jardins. As escolas foram
fechadas e nossos filhos e netos confinados em casa, a exigirem maior atenção e
tutoramento na educação à distância com suas tele aulas. Muitos pais tiveram
que se adaptar a essa rotina, de tutor educacional em casa, mesmo estando em home-office. Perdemos nossa autonomia de decidir nossas
vidas, ir e vir, circular, fazer coisas. O inimigo virótico nos pegou de
surpresa, sem avisar e não irá embora tão cedo. Acresça-se a tudo isto a
incerteza, causada, em grande parte, pelo bombardeio de notícias ruins a todo
instante, veiculadas pelas mídias, e o medo natural da morte . Quantos de nós
já perdemos familiares ou amigos com essa terrível doença e sequer pudemos
comparecer ao seu funeral para dar um adeus e despedida? Sem dúvida, esta é uma
quarentena dolorosa, cruel e doída demais! Seus efeitos ainda estão por ser estudados
com maior profundidade no decorrer do tempo.
Triste
muito triste e não há quem, entre as pessoas que amam, que não derrame lágrimas
quando confrontado com a realidade do isolamento social. Foi preciso haver essa
imposição, pelas circunstâncias sanitárias, para que muitos valorizassem o
abraço, o carinho da presença dos entes queridos. Para os avós e netinhos tem
sido penosa, muito sofrida essa separação. Resta-nos o consolo de que os entes
queridos moram em nossos corações e sempre estão presentes em nossa mente. Alma
que respira amor, o calor que literalmente nos acalenta, amolece corações! Mas,
nada se compara à dureza de assistir à cena de uma filha levando as compras de
supermercado para sua mãe idosa, que mora só, e deixar os pacotes na escadaria
da casa sem poder subir e dar um abraço. Cenas que nos comovem como, também, o
vovô que, no dia de seu aniversário de 75 anos, foi surpreendido por uma
seresta diferente, com os pimpolhos cantando o “parabéns pra você”, também ao
pé das escadarias de sua casa. O que era para ser pura alegria acabou se
transformando numa cena comovente..., digna de lágrimas, pois o vovô teve que
se conter, reprimir a vontade de pular escadas abaixo e abraça-los com força, a
força do amor pleno da alma.
O isolamento social, imposto pela pandemia
do coronavirus, obrigou os netinhos a cantarem à moda de serenata, o “parabéns”
de aniversário dos 75 anos do vovô. Surpresa agradável, mas paradoxalmente
triste por não poder descer as escadarias e receber o abraço dos entes queridos,
incluindo uma família de amigos (ao meio).
Foto do autor -
abril de 2020
Não
podemos ainda dizer ou afirmar que a contenção das manifestações de carinho e
afeto durante a quarentena tenha sido de todo ruim e que se constitua um trauma.
Hoje, passados mais de 60 anos daquele internato do menino em um seminário,
quando o chororô foi constante devido à falta do carinho da família, as
consequências de médio e longo prazos até foram benéficas. Embora tenha sido
“terrível” à época, o menino aprendeu a melhor aproveitar as oportunidades de
convivência com os amigos e valorizar o ambiente e a união familiar, a
cumplicidade entre pais, filhos e todos do lar, pois, tudo isso lhe faltava no
distante internato. Aprendeu o valor de um abraço, de um almoço em família,
farto e gostoso, um beijo na face e a benção do pai e da mãe. Aprendeu a
valorizar a liberdade de ir e vir, em casa ou conhecer e explorar novos
lugares, a companhia dos amiguinhos para as brincadeiras na hora que quisesse
ou sair às ruas e simplesmente caminhar para a escola e ainda, no caminho, ser
acarinhado pelos amigos da família. Ah..., desfrutar de um lar, da companhia
fiel e amorosa da família, acompanhar o pai em cavalgadas pelas fazendas e toda
a família às missas de domingos e dias santos, coisas simples que acontecem no
dia-a-dia de cada um, mas que na
privação o menino aprendeu a valorizar tudo
aquilo, por toda a sua vida. Que bela lição foi aprendida pelo menino naquela
quarentena seminarista.
Da
mesma foram as demais quarentenas e angústias que enfrentou, serviram-lhe para
valorizar a vida. Houve crescimento espiritual e realinhamento de comportamentos
e estilo de vida, como também os efeitos psicológicos benéficos que a criança, de
dois anos de idade, ganhou por ter recebido toda a atenção do mundo, principalmente
da a família que a manteve por todo o tempo no colo, literalmente, cercado de
carinho e amor. Criança feliz será um adulto feliz e mais, dizem os psicólogos,
crianças criadas com amor materno e familiar estão sujeitas quando adultas a
menores incidências de depressão e suas reminiscências do passado são mais
gratificantes, felizes, além de terem QI mais elevado que aquelas que foram
rejeitadas na infância.
E
agora? Quais são as lições da atual quarentena? O tempo dirá, mas já podemos
adiantar que a vida não será mais a mesma. Mudará muito... e para melhor! Por
outro lado, agora, diferentemente dos idos tempos das guerras e das internações
hospitalares, ou até mesmo dos extremados rigores do internato do seminário de
então, a presente quarentena conta com benesses que sequer existiam no passado.
Embora essa crise da pandemia do Corvid-19 pareça uma avalanche que tudo
arrasta em tempos de muita chuva e com muita ligeireza, ainda assim podemos
desfrutar da tecnologia para nos ajudar a levar a vida nestes tempos de
reclusão forçada. Sim, a mesma tecnologia quase sempre acusada de afastar as
pessoas, a internet. Ah... agora somos capazes de olhá-la com outros sentidos.
O tele trabalho e a educação à distância não serão mais os mesmos. Me lembro da
dificuldade que tivemos no Ministério da Educação, no final dos anos 90, para
iniciar a implantação da Educação à Distância. Total descrença para a novidade
de então que. Aliás, foi duramente combatida pelos conselhos profissionais em
geral. Tive o privilégio de ter aprovado o primeiro curso de graduação, em
Administração, na história da EAD no país. Se alguém duvidava de e sua
eficiência e eficácia..., restou a experiência que tanto a EAD como o tele
trabalho, funcionam e ensejam mais conforto e melhor desempenho para o
estudante ou o empregado que é poupado do stress dos deslocamentos diários.
E as vantagens tecnológicas de hoje não se
restringem ao campo da educação e do trabalho, pois, por meio da internet
estamos assistindo a shows de artistas famosos, lives, concertos, aplausos das janelas, posts e mais posts com
flores e lindos poemas a cada manhã em nossas redes sociais. Além disso, tem
havido bons filmes e series desses gêneros de entretenimento. Ah... e as vídeo
chamadas para os netinhos e filhos que se encontram distanciados? Sim, em
tempos do coronavírus, com isolamento em casa, bem vinda é a tecnologia digital
que nos aproxima e permite–nos essas trocas de juras de amor e afeto. Esses contatos,
agora mais frequentes, nos afastam e nos fazem esquecer um pouco da canseira de
ouvir e assistir nas mídias, as noticias horrorosas sobre economia e brigas
entre políticos e desacertos nas politicas contra a pandemia. Cada qual quer
apenas ver quem fatura mais com a politicagem, acima dos interesses humanos.
Cansados de ouvir a balela de sempre que a economia é mais importante, que não
se pode deixar o país quebrar. Ora, ora..., a economia sempre predominou, com
injeções bilionárias de socorros aos bancos, à indústria e ao comércio... Só
não pode (não querem, na verdade...) tirar desses privilegiados setores para remanejar
para a área da saúde, educação e assistência social aos menos favorecidos. A
revcita dos corruptos é sempre a mesma... vamos criar mais impostos e tome a
nova, mas antiga e super derrotada CPMF... Vergonhosa decisão. Triste e
trágico!
Tenho
certeza que, ao final dessa quarentena, sairemos no lucro apesar da inexistência
de uma política sólida e justa por parte do poder publico.. A primeira vítima
será certamente o consumismo exagerado. Mania dos tempos modernos onde tudo é descartável.
Para que tantos carros na garage e trocados a cada ano? Casas de campo e de
praia? Para que tantas roupas, sapatos e acessórios no armário? Celulares aos
borbotões e trocados a cada oito meses
ou no máximo um ano, que é o intervalo de lançamento de novos modelos,
agora 5G, com ultra velocidade e câmera fotográfica com mil e um recursos para
nos deixar mais bonitos com ou sem fotoshop? Seríamos fotógrafos ou designers profissionais? Por que pagar
tão mais caro? Uma amiga, aproveitando a presença compulsória em casa, fez uma
limpa nos armários. Encontrou 142 blusas da filha, muitas ainda nas embalagens
de lojas. Exagero, péssimo costume, seja lá o que for, pois não é uma atitude
sensata. Hoje, com home-office, não é
necessário mais que meia dúzia de peças. Sapatos? Um par (... de preferência um
tênis confortável) para sair de casa, de vez em quando e ainda assim em casos
de extrema necessidade, os quais devem ser deixados na porta, sobre uma pano
sanitizado. Contra esse consumismo
exagerado insurgiu-se até mesmo um estilista famoso, Giorgio Armani, que
supostamente deveria defender o contrário. Mas, sabiamente e em nome da
sustentabilidade do planeta, repudiou a cultura da moda descartável. Disse achar um absurdo uma roupa de apenas
três semanas na vitrine já ser considerada obsoleta, quando, na verdade o
próximo lançamento em quase nada difere do anterior. Tachou isso de “imoral”!
Reconheço que não é fácil mudar o habito de se vestir, sempre “diferente” das
demais pessoas, com grife chique e figurinos exclusivos. Já presenciei mulheres
jovens passar uma festa inteira amuadas, decepcionadas em seu canto, pelo
simples motivo que apareceu outra com o mesmo look que supunha ser exclusivo, somente seu. Quando me aposentei,
dependurei, literalmente, os ternos e gravatas usados em 40 anos de
“esgravatura”. O hábito estava tão arraigado no meu subconsciente que ao sair
de casa, mesmo muito tempo depois, me sentia constrangido sem aquele figurino
social. Parecia estar nu sem o paletó e gravata, cinco, dez anos após
abandoná-los. Não foi fácil desacostumar dos ternos e da variedade infinita de
gravatas, pois a cada aniversario, dia dos pais e natal, iam se acumulando as
gravatas recebidas de presente de familiares e amigos. Mesmo depois de tanto
tempo de abandonar seu uso, ainda hoje carrego o paletó em visitas e viagens,
embora quase todos eles tenham sido doados e restado apenas uma meia dúzia no
armário. Mas, tenho esperanças de que, se meia dúzia de estilistas se engajarem
nessa campanha da moda minimalista, poderemos mudar a situação. O mundo e a
natureza agradecem, o bolso também. Ah..., só não vale aquela ideia maluca do
Jânio Quadros, obrigar os funcionários do governo a usarem uniformes, o chamado
slack, bege que ele próprio usava, uma espécie de farda, aquela que os
dirigentes orientais ainda hoje usam, ou então caçadores em safári pelas selvas
africanas. Feia, horrorosa. Eu não a usaria. Ainda bem que o maluco ficou só
sete meses no poder, pois foi defenestrado quando quis aplicar um golpe para se
tornar ditador, até mesmo da moda com uniformes típicos das ditaduras.
Mergulhar
nas águas do tempo é tomar ciência do valor da vida..., disse Lya Luft.
Verdade, e que esse mergulho quarentenário de hoje, sem data para terminar, nos
traga reflexões positivas que possam melhorar nossa vida e o mundo em que
vivemos, almejando um futuro promissor e profícuo para nossos filhos e netos. O
menino tem mergulhado bastante nas águas do tempo e aprendeu que enfrentar os
seus percalços com amor compartilhado da família e amigos é fundamental.
Sobreviveu na infância, passou por longas quarentenas, com sofrimentos vários,
mas a recompensa que ainda hoje desfruta é imensamente maior. Assim também, nos dias de hoje, já temos, de
início, um grande ganho, pois aprendemos com mais intensidade e zelo, a cuidar
do próximo, sobretudo daqueles com os quais temos responsabilidade e os amamos.
Com alegria vejo nas redes sociais uma recomendação que se tornou constante e
que revela o amor que temos pelo próximo:
Se
cuide!
Brasília,
25 de julho de 2020
Paulo
das Lavras
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