Era
o dia 04 de agosto de 1975, meu último dia de trabalho na velha e quase
septuagenária Escola Superior de Agricultura de Lavras-Esal que, dali a 19 anos
se transformaria em Universidade Federal de Lavras-Ufla. Não foi fácil dizer
adeus a um lugar que fazia e ainda faz parte de minha vida. Naquela manhã antes
de partir para Brasília, percorri, em meu Opala branco de quatro portas, a
principal avenida e seus dois ramais com os poucos prédios existentes: o da
Administração da Escola, Capela Ecumênica, Economia Rural, Biblioteca Central
(primeiro módulo apenas), Ciências dos Alimentos, Engenharia (dois prédios) e
Zootecnia. Mais acima a Garagem/Oficina Mecânica, onde ficava o único ônibus
Mercedes Benz - o Messias, ano 1968, tratores e meia dúzia de veículos. Do
outro lado da avenida, os prédios da Agricultura, Engenharia Florestal, Química
e Solos. Esses prédios, recém-construídos, constituíam todo o novo Campus da
Esal, pequeno em número de edificações, mas enorme no coração de quem ajudou a
construí-lo inteiramente, desde as medições de terrenos contíguos para fins de
desapropriação, à locação da via de acesso e da avenida principal com seus dois
ramais, um à direita e outro à esquerda, até à demarcação dos prédios e suas
respectivas construções, iniciando-se pela escavação das fundações e
chegando-se aos telhados e acabamentos com todos os sistemas de abastecimento e
esgotamentos de águas servidas, pluviais, redes elétricas e de telefonia, tal
qual a infraestrutura de uma cidade.
Parei o carro debaixo de frondosa árvore defronte ao prédio da
Administração da Escola – futura Reitoria. Contemplei a cidade e ao fundo a
maravilhosa Serra da Bocaina emoldurando a vista no horizonte. Olhei pela
última vez e demoradamente o belo campus que vimos gestar, nascer e crescer,
tijolo a tijolo, laje por laje e um profundo e imenso sentimento de gratidão
perpassou a mente, rolando com muita intensidade um filme em flashback..., 1967 a avenida de ligação,
1968/69 os primeiros prédios, 1970 a transferência definitiva para o campus e
mais prédios, culminando com a aprovação de novos cursos de graduação,
especialmente o de Engenharia Agrícola, do qual participamos dos primeiros
sonhos e frequentamos todas as reuniões do MEC antes da criação dessa nova
profissão no Brasil. Ali estava, também, a Coordenadoria de Pós-Graduação que
tivemos o privilégio de implantá-la, criar os primeiros cursos de mestrado e
lançar a Escola no seleto clube da então iniciante pós-graduação strictu sensu da área de ciências
agrárias no Brasil. Justo naquele ano de 1975 iniciamos dois cursos de mestrado.
Quase dois anos de preparação dos projetos e muitas idas e vindas ao Ministério
da Educação, em Brasília, para onde iríamos em definitivo no dia seguinte. Se
ali, na velha Esal, trabalhamos com dedicação e conseguimos convencer as
autoridades educacionais de Brasília a acreditarem na instituição e nela
confiar, como capaz de levar avante e com sucesso essa nova modalidade de
ensino, fomos, ainda, honrados com o convite para ali atuar, no MEC, em programas
de desenvolvimento do ensino de ciências agrárias em todo o país. Um desafio
prontamente assumido e com o aval do colegiado superior e da diretoria da Esal.
O
filme flashback deslizando na memória e ali
contemplando toda aquela obra, além do cenário da cidade e sua bela serra,
fez-me relembrar do primeiro contato com a velha e respeitada instituição de
ensino, então pertencente ao Instituto Presbiteriano Gammon – IPG. Foi em maio
de 1956, quando cursava o 4º ano do curso primário. Em excursão, visitamos o
Museu de História Natural. Menino de apenas 11 anos, ficou impressionado com os
bichos empalhados ali expostos e até mesmo um feto de criança de quatro ou cinco
meses de gestação, devidamente conservado em formol. Não passaram despercebidos
os objetos de tortura dos escravos que ali estavam às vistas dos incrédulos
meninos. Ainda assim, passado algum
tempo, não mais se lembrou da Esal. Cerca de cinco anos depois assistiu algumas
palestras para jovens no auditório Lane-Morton, do IPG, que era também a
instituição mantenedora da Esal. Dali, da entrada do IPG avistava-se o portão
de entrada da escola de agronomia que um dia viria a cursar. Em março de 1963,
matriculou-se no curso de extensão, de formação de tratorista agrícola, no
Centro de Treinamento de Tratoristas, da Esal/Gammon, em convênio com o INCRA –
Instituto Nacional de Reforma Agrária. Em janeiro de 1964 prestou vestibular
para o curso de Agronomia, único curso então existente na Esal, que fora
federalizada havia apenas dez dias (Lei 4.307, de 23/12/1963). Primeiro
vestibular da Esal como escola federal e ainda logrou um grande feito, pois foi
aprovado em primeiro lugar. A gloria para o menino que sonhava ser engenheiro
agrônomo.
Foram quatro anos de
ótimo desempenho nos estudos, valendo-lhe, como prêmio, estágio em empresa
paulista de produção de fertilizantes, bolsas do CNPq de iniciação científica
em Química Agrícola e em seguida no Departamento de Engenharia, por dois anos.
Foi nesse período, como bolsista de engenharia, construções e topografia, que
participou dos trabalhos iniciais de implantação do novo campus, no platô da
área agrícola do campus. E então veio a sonhada formatura em Agronomia,
seguindo-se o primeiro emprego em Belo Horizonte, numa empresa de planejamento
agrícola, florestal e paisagismo. Um ano depois, em fevereiro de 1969, o então
diretor, Alysson Paolinelli, buscou o menino em BH para trabalhar como
professor auxiliar de construções rurais e atuar na construção do novo campus
da Escola, o que, aliás, já tinha feito antes, desde o tempo de aluno
estagiário e bolsista. Um ano depois, em 1970, inaugurou-se o novo campus e
para lá transferimos toda a Escola, alunos, professores, colaboradores, salas
de aulas, laboratórios, oficina mecânica e biblioteca, além do plantio de
árvores ao redor dos prédios e sob uma delas ali estávamos a devanear em
despedida.
Campus
novo, bonito, espaçoso, todo planejado e então era hora de se pensar na expansão
da oferta de cursos e vagas. E a primeira preocupação do diretor: qualificar os
docentes. A ordem era para que todos os
docentes se matriculassem em cursos de pós-graduação. A Escola de Engenharia de
São Carlos, da USP foi o meu destino, em fevereiro de 1971. Para lá seguimos
com a família e também outro colega. Hélcio Alves Teixeira. Ano seguinte mais
dois, Carlos Frederico Hermeto Bueno e Nadir Francisco da Silva. Em agosto de
1972 retornamos, com os créditos concluídos e um ano depois defendemos a tese
de mestrado. De volta à Escola, recebemos a honrosa incumbência de implantar a pós-graduação
e assim, em 23/03/1973 fomos nomeados Coordenador de Pós-Graduação, função que
corresponde ao atual cargo de Pró-reitor. Uma maratona de viagens às
universidades congêneres, de Piracicaba, Viçosa e Rural do Rio para conhecer a
estrutura administrativa e acadêmica dos cursos de pós-graduação. Incontáveis foram a idas e vindas ao MEC, em
Brasília. Antes mesmo da aprovação dos dois primeiros cursos de mestrado na
Esal conseguimos aprovar a criação do curso de graduação de Engenharia
Agrícola, depois de algumas reuniões no MEC com técnicos da Usaid, em 1974. O
curso foi implantado, finalmente, em julho de 1975. Os mestrados de Fitotecnia
e de Administração Rural, os primeiros da Esal, tiveram início em março e
agosto de 1975. E foi exatamente na manhã daquele 03 de agosto que se deu a
aula inaugural do primeiro curso de mestrado em Administração Rural do país.
Terminada a aula magna, os alunos de curso de Fitotecnia, já em funcionamento
desde o primeiro semestre, pediram a palavra e leram uma carta de despedida,
assinada por todos. Não foi fácil segurar a emoção, tal o carinho, o pareço
daqueles primeiros alunos de pós-graduação da velha Escola. E ali, debaixo
daquela árvore, sozinho em meu carro, com todo aquele filme passando pela
mente, reli a carta e desabei.
Foi
difícil dizer adeus à velha e querida Esal naquele final de manhã do dia 04 de
agosto de 1975. Acabara de ser homenageado pelos alunos da pós-graduação e mal
contidas as lágrimas, tamanha a emoção, agora, ali estava sob a frondosa árvore
a contemplar a cidade emoldurada pela serra da Bocaina, o novo campus que
ajudara a construir... Muito orgulho, muito amor por tudo... Como foi difícil
dizer adeus para um lugar que me transformou, que me fez uma pessoa melhor
tanto pessoal como profissionalmente. Alma enlevada, agradecida por tudo.
Obrigado
Esal/Ufla, obrigado Lavras, obrigado Samuel Rhea Gammon que, vindo de tão
longe, plantou essa semente aqui na sua terra prometida. Semente que germinou,
produziu frutos que alimentaram a minha alma, os sonhos de um jovem e de muitos
outros que por ali passaram. Nela deixamos um pedacinho de nossa contribuição
para o futuro de nossos filhos e próximas gerações. Sou grato por tudo que
recebi dessa instituição de ensino e mais, fui privilegiado pela oportunidade
de participar de seu desenvolvimento nesses quase sessenta anos,
presencialmente e depois por meio do Ministério da Educação, onde a representei
por quase quatro décadas e pude também enxergar outras realidades mundo afora.
Obrigado,
Esal/Ufla. Sucesso sempre, pois foi plantada sob o lema do grande missionário,
Samuel Gammon: Dedicado à Gloria de Deus e ao Progresso Humano, encampando,
ainda, a trilogia dos Land Grant College, pioneira no país, do Ensino, Pesquisa
e Extensão, calcada na Ciência e na Prática.
Brasília,
31 de julho de 2019
Paulo
das Lavras
O velho portão da Esal – anos 60
Foto: acervo de Renato Libeck
Prédio Álvaro Botelho – ESAL, onde funcionava o
Museu de História Natural,
que o menino
conheceu em 1956. Em primeiro plano o busto de Samuel Rhea Gammon,
o fundador da
Escola Agrícola em 1908
Foto: acervo Ufla - 2013
O “menino” primeiro, em pé à direita, com os colegas
já no segundo ano
do curso de agronomia da Esal – 1965.
Novo Campus da Esal/Ufla, inaugurado em 1970
Foto: acervo Ufla
Ao chegar ao MEC, em Brasília, assumiu a gestão dos
programas internacionais de Educação Agrícola Superior. Visita à Universidade
de Wisconsin- Madison-1978, em supervisão aos professores brasileiros
matriculados em cursos de PhD.
Representando o MEC na inauguração de prédio na Esal-Ufla, construído
com
recursos dos programas de Educação Agrícola Superior
– Set 86
Idem, 1993- Medicina Veterinária
Recebendo homenagem pelos 40 anos da Pós-graduação
Foto: acervo Ufla - 2015
Solenidade dos 40 anos do Mestrado de Fitotecnia,
com três dos 21 alunos pioneiros, do ano
de 1975, Maria das Graças Carvalho, Milton Moreira de Carvalho e Pedro Milanez.
Coincidentemente,
por seus
próprios méritos, foram contratados, por concurso público, como professores
da Esal/ UFLA
logo em seguida.
Esses três ex-alunos da Pós-graduação também
assinaram a carta abaixo:
Homenagem pelos 50 anos do Departamento e
Engenharia, onde atuei desde 1966,
ainda como estudante e depois como professor, a
partir 1969
Vista parcial do Campus da UFLA, em 2016
Foto: DuAlto Imagens Aéreas
Uma foto mais que histórica, com duas grandes personalidades
da história da ESAL-UFLA, com os quais nos reunimos na UFRPE, por ocasião da
47ª Reunião de Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior- ABEAS. O
primeiro, à esquerda, Alysson Paolinelli, diretor e figura central do processo
de
federalização da Esal. A seu lado o eminente Prof.
Eudes de Souza Leão, que
em 1963 evitou, como assessor do MEC, o fechamento
da ESAL e por
consequência foi, então, federalizada. Nesse
encontro combinamos a ida do Dr Eudes
à Lavras para receber as devidas homenagens da
comunidade, o que efetivamente
aconteceu em
solenidade de 09/09/2012
Foto: Abeas – outubro de 2007, Recife/PE
A minha gratidão à ESAL/UFLA nos 50 anos de
formatura
Setembro de 2017
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