A
história das manifestações populares no Brasil nunca registrou tamanha
manifestação popular. Cerca de 1,4 milhão de pessoas em 12 capitais foram
simultaneamente às ruas. A maioria de jovens estudantes secundaristas e
universitários. Pena que uma minoria tenha ido às manifestações de rua apenas
para tumultuar, agir com vandalismo, ferir pessoas e depredar o patrimônio
público. Infelizmente Brasília presenciou isso ao final da manifestação.
Participei da passeata como observador atento, integrado aos diversos grupos e
atento à situação de possíveis perigos ou confrontos. Das 17:00h às 19:00h foi um
período tranquilo, uma beleza, só alegria por estar ali no meio daquela
corrente positiva. Viam-se muitos jovens, funcionários públicos e do comércio
engravatados ou não, pais e mães com filhos pequenos, enfim o povo em geral
empunhando apenas cartazes de papel confeccionados na hora, tendo o chão como
mesa de apoio para a escrita das mensagens idealizadas ali mesmo. Conversei com
jovens de caras pintadas, sugeri frases para os cartazes e fotografei-os. Falei
com idosos e ainda fiz blague com um engenheiro de 72 anos perguntando-lhe o
que ele e eu fazíamos ali no meio dos jovens. Falei com índios da etnia Kayapó
que marchavam em ritmo de dança guerreira e entoavam canções de amor à terra,
em seu próprio idioma e empunhando cartazes contra a PEC 215. Emocionei-me com o
significado de seus cânticos, com cocares e corpos pintados de urucum e jenipapo.
Falei com policiais, de capacetes e
coletes, porém sem armas letais e que formavam um cordão humano de isolamento
do acesso ao Congresso. Tentei ultrapassar aquele cordão, de corpos colados uns
aos outros, para ganhar a via lateral, totalmente livre para se retornar, pois
ali era o final da caminhada. Impediram-me, porém com extrema gentileza,
demonstrando-me que não poderiam autorizar a minha passagem, pois embora
merecesse ganhar um caminho mais livre para retorno, todos invadiriam logo em
seguida alegando os mesmos direitos. Mais que lógico. Agradeci, dei meia volta
e retornei pelo meio da imensa multidão.
Ao
deixar a linha final, no cordão de isolamento e a caminho da Estação Central do
Metrô ouvi a primeira bomba, que na verdade seria um rojão atirado contra a
polícia por baderneiros isolados no Congresso Nacional. Ainda bem que os
manifestantes, pacíficos como eu e dezenas de milhares, já haviam deixado o
local e então os baderneiros tomaram lugar. Tristes cenas vimos depois pelos
noticiários. Uma pena, mas, apesar disso (e ponha pesar nisso), acreditamos que
esses vândalos criminosos com seus rojões, pedradas e pauladas não anularam o
brilho do civismo daquela grande manifestação, apenas mancharam.
Que bom que esse movimento é
apartidário, aliás, diz o adágio que povo unido não precisa de partido. Há um
distanciamento muito grande da classe política e dirigentes públicos em relação
às necessidades da população. O cientista político Rafael Cortez afirma que “existe
um esgotamento das imagens dos partidos”. Os marqueteiros oficiais se
esqueceram de avisa-los, em todos os níveis da administração pública, que não
basta olhar apenas para os menos assistidos, concedendo-lhes bolsas de
sobrevivência, justas é verdade, e outras benesses mais. Esqueceram-se da
classe média, aquela que paga os impostos escorchantes, sequestrados no
contracheque, nos bens de consumo e até nos alimentos e remédios e pior, no
ajuste do IR sem descontar gastos integrais com saúde, educação e segurança que
são obrigações do Estado, mas, por sua ineficiência contumaz, somos obrigados a
gastar com penalização em dobro no bolso. Esta classe esquecida acordou...
ganhou as ruas em movimento sem precedentes, legítimo.
As
pedras e pauladas civilizadas que vi e até ajudei a criar algumas, na Esplanada
dos Ministérios na tarde/noite de 20 de junho, foram outras bem mais apropriadas.
Foram os cartazes, faixas e gritos com protestos de toda ordem. Foram
“pedradas” devolvidas aos políticos. A causa é apartidária, simples e direta:
um futuro melhor para o nosso país, nossos filhos e netos. Mais investimentos
em Educação, Saúde, Segurança, Transporte Público, Reforma Politica (eleitoral,
partidos, estrutura do executivo, fim de privilégios e mordomias, etc.), PEC 37
e outros, além, logicamente, da mais comum: menos corrupção.
E
não venham se fazer de desentendidos dizendo que “não se tem com quem dialogar porque é um movimento sem líderes”.... . Líderes são aqueles que seguem a sua
própria consciência. Chega, basta de hipocrisia! O mito do brasileiro
pacífico não se aplica mais, somos apenas pacientes demais. Não nos prestamos à
subserviência de pseudos lideres que ao empalmarem o poder viram as costas às
reais necessidades dos cidadãos que os pagam e os sustentam com seus impostos.
Foi-se o tempo do coronelismo embora hoje os políticos gostem de patrocinar
inúmeras benesses sociais, algumas justas, diga-se, pois visam mitigar a
miséria dos cidadãos carentes. Coitados desses miseráveis. Não vi nenhum deles
na Esplanada, talvez com medo de serem fotografados e perderem as benesses. Se
lhes fossem negados os direitos de votar em eleições certamente os políticos
não se empenhariam tanto em aprovar bolsas e bolsas. Não se admirem se algum deles
propuser a criação da Bolsa Ingresso para os jogos da Copa da FIFA. A propósito
fui a um dos jogos no Estádio Nacional Mané Garrincha e também ali não vi entre
os mais de 60 mil pagantes de ingressos de 160 a 300 reais, nenhum cidadão
humilde assalariado. Apenas a classe média, jovens sarados, adultos malhados,
bronzeados com roupas esportivas de grife. Mais uma vez, coitados dos pobres,
pois a partir da entrada dos megaempresários no negócio futebol, parece que este
deixou de ser um esporte das massas. Pelo menos tem sido assim no chamado
padrão FIFA. Nas vaias de abertura do jogo da Copa das Confederações as TVs
mostraram uma faixa que sintomaticamente dizia: “Quem paga ingresso é o que paga impostos”. Ao cuidarem, nesses
últimos 10 anos, de políticas focadas apenas nos mais necessitados, e ainda com
práticas nada salutares por parte de maus políticos, a classe média então
esquecida acumulou todos esses ressentimentos que agora extravasaram. É justo que
ganhem as ruas para protestar!
Doeu
e ainda dói na alma do cidadão constatar e sofrer os efeitos da conhecida tese que
o poder econômico subordina o político e que as políticas beneficiam a força de
investidores que põem o capital para trabalhar. Simples assim a teoria
comprovada na prática, “governantes
privilegiam o capital, quem tem dinheiro para investir”, em detrimento das
necessidades básicas do cidadão. Ainda agora, ilustrando essa tese, vimos três
políticos, detentores dos mais elevados cargos da administração pública, o
prefeito paulistano, o governador do estado e o vice-presidente da republica,
também paulista, que se uniram embora pertençam a partidos antagônicos e voaram
ligeiro para Paris em busca de apoio à candidatura para se sediar naquele
estado a Expo Universal de 2020, um megaevento. Decretaram o aumento da tarifa
de ônibus e, alheios a tudo, deixaram para trás o povo protestando e apanhando
com truculência nas ruas. Os cidadãos protestavam justamente contra os gastos do
megaevento, a Copa. Grandes eventos são fascinantes para os megalômanos,
principalmente com o vislumbre de grandes obras. O Brasil está cheio de
exemplos de estádios, pontes, ferrovias e túneis superfaturados que enriqueceram
políticos inescrupulosos quase nunca condenados. Aliás, o desrespeito à Justiça
é flagrante. Raramente são condenados e quando são zombam dela e da sociedade
com o apoio dos colegas, maus políticos.
Líderes do movimento, onde estão?
Ora, os políticos de hoje precisam melhorar suas assessorias. Marqueteiros que
douraram a pílula no passado (e ainda hoje) para nos enganar eleitoralmente
precisam se reciclar. Em época de redes sociais cada um é líder de si mesmo, de
sua consciência amadurecida nas reflexões no aconchego do lar ou do escritório,
rodeado (virtualmente) por dezenas, centenas, milhares de amigos e informações
do mundo inteiro, a um clique, em segundos. Não aprenderam que a era digital
está “deletando” os maus políticos?
Acabou... chega de enganação, o Brasil real é outro, dos trabalhadores,
da classe média que de fato sustenta essa máquina infame que sequestra impostos
e nos impõe a maior carga tributária do mundo. Arrecada-se uma fábula (710 bi, de
janeiro a junho de 2013), gasta-se mal, com corrupção (50 bi), Copa da FIFA e construção
de estádios superfaturados (33 bi), Olimpíada (26 bi). Somente o Estádio
Nacional, de Brasília, está consumindo 1,7 bilhões de reais. E pasmem, foi
alugado por 4 mil, sim, quatro mil reais. É justo usar o seu, o meu, o nosso
imposto para dar de mão beijada aos empresários que faturaram 7 milhões de
reais? Eu disse e confirmo: sete milhões de renda num único jogo e em
contrapartida o governo do DF recebeu uma migalha pelo aluguel correspondente a
apenas 10 ou 12 ingressos do jogo. Uma vergonha, revoltante, pois os empresários
que nada investiram levaram os “restantes” R$ 6,996 milhões.
Não
se precisa da imprensa (nem sempre ao lado do povo, afinal são empresas que visam
lucro e se omitem quando lhes convém) para ver e sentir isso e mais: desrespeito
à Justiça, corrupção generalizada, baixos investimentos em educação, saúde,
segurança, transporte público (até parece que nos transportes os políticos são
parceiros das montadoras e do petróleo, onde o erário se apossa de mais de 50% em
impostos, daí o descaso com o transporte público). O
Estado é jogador que não aceita perder. Ele modifica as regras do jogo, segundo
o professor de filosofia e crítico da política realista que reprime e explora
os cidadãos, Christian Lazzeri, da Universidade de Paris-Ouest. É hora de o
Estado negociar e nesse caso leia-se: Os Três Poderes. E negociar nesse momento
não significa achar os lideres do movimento e barganhar. Primeiro porque os
lideres são você, eu e milhões de cidadãos contribuintes e dispostos a
colaborar com as políticas justas e honestas em todos os setores da
administração pública. É hora de ação em todos os níveis dos poderes da república.
E não venham com a velha história de cortar investimentos em saúde, educação,
segurança e outras áreas. Basta acabar com a ficção do Orçamento e executá-lo
sem cortes ou remanejamentos de conveniência para supostos superávits, como
também a diminuição de custeios e melhoria na eficiência da máquina
burocrática. Cidadania passa pela atenção do Estado, pois, segundo o professor de
filosofia e ética da Unicamp, Roberto Romano, “os monopólios do Estado (força
física, norma jurídica e impostos) servem para potenciar políticos e
magistrados em prejuízo dos cidadãos comuns, os leigos”. O Estado deve servir
ao povo que o sustenta. Chega de país caro, corrupto, inseguro, ineficiente e com
a Educação e Saúde em baixa.
Consequências
das manifestações? A redução da tarifa
de ônibus foi apenas o estopim da explosão cidadã. E esta se deve mais à
intervenção do ex-presidente da república, imbatível no faro das ruas, do que a
vontade do prefeito paulistano. Este não conseguiu disfarçar o mau humor e constrangimento
por ter de engolir suas declarações anteriores em contrário, embora as organizações
sociais tenham batalhado contra o aumento. Ainda esperneou dizendo que haverá
um rombo de 600 milhões e que terá de fazer cortes em investimentos (enxugar a
máquina administrativa, não? Eis aí a sanha, a fúria arrecadatória, sempre!...).
As consequências mais tangíveis das manifestações foram as ações do próprio Executivo
que no auge da crise voou para São Paulo levando staff politico que lá se
juntou ao ex-presidente da república, o presidente do partido situacionista e
também outro integrante, o marqueteiro oficial. Embora esse gesto tenha sido
mais eleitoreiro do que social, mostrou que o grito das ruas foi e será ouvido,
conforme já declarado pelo Planalto. Dia seguinte foi a vez de reunir-se, o dia
todo, como staff técnico e cancelamento de viagens no país e exterior. Melhor
assim e talvez a mais importante ação: um pronunciamento oficial à nação. Bingo!...
Com sensatas colocações, relembrando seu passado de lutas na juventude para garantir
a democracia, a presidenta elogiou a atitude dos jovens, maioria nas passeatas
e condenou os atos isolados de vandalismo. Disse ter entendido o recado das
ruas e que está atenta, ouvindo a população. Prometeu mais diálogo com as
entidades representativas dos movimentos sociais e, sobretudo, com os
dirigentes dos demais poderes e estabelecer um pacto com governadores e
prefeitos para a melhoria dos serviços públicos. Ótimo para o país e como
cidadãos ordeiros devemos, em primeiro lugar, respeito à nossa Presidenta e
nela acreditar com esperança que as coisas melhorem. Reconhecer os problemas é,
sem dúvida, o primeiro passo para a resolução dos mesmos e nisto ela, a Presidenta,
foi muito positiva. Aguardemos, portanto, com mais confiança sabendo agora que
o país está sendo observado com bastante interesse pela comunidade
internacional. Foram sintomáticas as declarações anteriores ao pronunciamento
da Presidenta, tanto por parte da FIFA exigindo segurança para as seleções de
futebol e turistas durante as Copas das Confederações e do Mundo, como do
Departamento de Estado dos EUA que recomendou a seus cidadãos que evitem a
proximidade das passeatas nas ruas brasileiras. Na mesma linha alguns bispos
brasileiros manifestaram preocupação com a visita do Papa para a Jornada
Mundial da Juventude, a realizar-se no Rio de Janeiro no próximo mês. Tudo isso
sem contar que a mídia mundial destacou em manchetes essa nova situação social
no Brasil enfatizando as consequências sobre os eventos internacionais que aqui
se realizam ou realizarão. Cenário e timming são dos melhores possíveis para
acreditarmos nas recentes promessas de nossa presidenta.
No
âmbito do legislativo, alvo maior das manifestações de rua, a reação não foi a
mesma. Parece acuado e timidamente anunciou apenas o adiamento da votação da
combatida PEC 37 que retira poderes de investigação de crimes por parte do
Ministério Público. Já é um começo. É hora para reflexão e mudança de
comportamentos perante a sociedade que os elegeram. O recado das ruas foi claro,
límpido, sonoro e justo! Merece resposta à altura.
Muito
ainda está por vir, mas, pode-se afirmar com segurança que nos últimos 10 anos,
foi a maioria mais pobre e carente do eleitorado que decidiu as eleições em
todos os níveis, mas, agora, a classe média recuperou a sua participação e
novas vitórias virão em torno de temas relevantes para a vida dos cidadãos. Por
outro lado, a exemplo do que ocorreu com o movimento “Fora, Collor” que ensejou
o surgimento de novas lideranças como os atuais senadores Lindbergh Farias e
Randolfe Rodrigues, esse novo movimento também produzirá novos lideres. Esperar
para ver. Tomara que os novos líderes não se contaminem com o imoral toma lá,
dá cá, prática tão em voga entre legislativo e executivo.
Mas,
e os perigos dessa megamanifestação em todo o país? Primeiramente a questão dos
oportunistas. Em todos os sentidos, político, econômico e social. Quer um
exemplo? Os vândalos de ontem e sempre. Vi mascarados com olhares suspeitos e
temi ser confundido com seus antagonistas. Portavam mochilas que aparentavam
certo peso. Nelas, certamente, estavam escondidos as marretas e martelos, bolas
de gude, bombas (de São João, cuja festa está próxima), rojões, sinalizadores
explosivos, coquetéis molotov e, pasmem... pólvora usada nas fogueiras conforme
visto nos noticiários. Cabe agora à polícia investigar e nos dar respostas:
quais os líderes? Quais os motivos? A quem servem? Quem os financiou? O
Secretário de Segurança Pública do DF está empenhado nisso. São questões que
precisam ser esclarecidas ao cidadão de bem, sob pena de pairarem suspeitas às
semelhança do que ocorreu com aquele carro bomba que explodiu em grande show
artístico no Riocentro. Péssimas lembranças, mas que precisam ser lembradas e
delas tirar lições. Com a palavra as autoridades. Já se disse que o preço da
democracia é a eterna vigilância. Vigiemos! E com responsabilidade social, pois
incendiar não resolve.
Valeu...
1,4 milhão de pessoas nas ruas, no país e no exterior.... Um peso, uma força
incalculável, pois fizeram tremer as estruturas dos poderes e não somente a do
Congresso Nacional que, literalmente, teve a estrutura física do prédio balançada
quando os jovens ali subiram.
Brasília,
21 de junho de 2013
Paulo
das Lavras