Menino das Lavras, crônicas, contos e causos
quarta-feira, 1 de janeiro de 2025
... e 2025 chegou!
domingo, 29 de dezembro de 2024
Um Papai Noel escritor-historiador
quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Meu conto de Natal - 2024
Chegou o Natal... e é incrível observar como nós, os adultos, também nos transformamos em crianças. Relembramos aquela Criança que um dia fomos, sonhando o tempo todo com a chegada do Papai-Noel carregado de presentes e com a certeza de que não faltaria presente para nenhuma criança. Todos receberiam o mimo de Natal.
Haja expectativa, mas, hoje, para nós, a expectativa é maior, ao contemplar a alegria inata das crianças, os olhinhos brilhando em busca do Papai Noel ali no shopping ao entregar-lhe um cartinha contendo seus pedidos e, no dia de Natal, correr para a árvore enfeitada em busca do seu sonhado presente. Não esperam nem a ceia familiar da meia noite, tamanha a curiosidade, ansiedade para receber o pacote e ver com seus próprios olhinhos o que haveria dentro de tantas embalagens enfeitadas.
Será que o Papai-Noel atendeu meu pedido, indagam a todo momento. Ah..., hoje, para vovôs corujas..., não tem dinheiro que pague contemplar esse cenário de pura alegria, puro amor infantil. E foi assim que rebuscando meus arquivos encontrei uma crônica que escrevi, para o Dia dos Pais, há alguns anos e que bem retrata esse sentimento, o amor das crianças, muito bem retratado na metáfora do conto “O Pássaro Encantado”. O autor, Rubem Alves, muito bem nos definiu, a nós os adultos, especialmente os avós: Adultos que tem crianças morando dentro de si e têm medo da solidão”!
“As almas dos velhos e das crianças brincam no mesmo tempo. As crianças ainda sabem aquilo que os velhos esqueceram e têm de aprender de novo: que a vida é brinquedo que para nada serve, a não ser para a alegria!” (Rubem Alves)
E neste Natal de 2024, quero, por meio da crônica a seguir, que retrata o amor das crianças, levar o meu abraço a todos os amigos e leitores de minhas crônicas e contos. Natal é época maravilhosa em que celebramos o nascimento do Menino Jesus. Tenho muitas crianças morando em mim e agora é hora de festejar, abraçar, dar e receber presentes, como gostam as crianças. Que as crianças, que também moram dentro de você, extravasem a alegria, o Amor.
Saúde...! Boas Festas e um Ano de 2025 cheio de realizações.
Veja a crônica: (copie o link e cole-o no seu navegador)
https://contosdaslavras.blogspot.com/2018/08/a-saudade-que-encanta-as-pessoas-e-o.html
domingo, 10 de novembro de 2024
O sono de uma criança..., as fadas e um anjo que eleva e enleva nossa alma
Pela primeira vez Pedro Henrique, de cinco anos, dormiu sozinho com o vovô. Ele numa cama e eu em outra, no mesmo quarto, lado a lado, distante do quarto onde dormiam a vovó e a priminha Sarah. Só o fato de ser a primeira vez já nos deixou a ambos antenados na curiosidade do “como viria a ser”. Sempre antes de dormir, ele na cama de casal com a vovó, era praxe pedir para que eu fosse contar uma historinha depois que já tivesse feito sua prece. Assim, cumprimos o ritual das poucas vezes em que costumava dormir na casa dos avós. Terminada a oração comecei a contar uma história baseada numa visita que fiz à Base de Lançamentos de Foguetes, em Kourou, na Guiana Francesa. Mal acabara de iniciar e descrever a sala de controles do lançamento e o enorme tamanho do foguete já fumegando, pronto para disparar, mas ainda atrelado à torre de lançamento, ele interrompeu-me: ihhh..., não..., vovô..., essa é da NASA, eu já conheço. É semelhante, mas não é da NASA, é da França, de sua base lançamentos aqui na fronteira com o Brasil. Ah..., é a mesma coisa, eu já vi lançamento de foguetes e espaçonaves... Interrompida a história tive que inventar outra, pois certamente já vira, na TV, o “filme” das espaçonaves. Mas, o que mais me fez feliz naquela noite foi ver aquela criaturinha ir apagando-se aos poucos, piscares miúdos, como a sorrir zombeteiramente e por fim o sono dos justos.
Nada é mais gratificante do que ver o filho ou neto, que acaba sendo filho em dobro, com dupla dose de amor, cair no sono, adormecer, entregando-se como a dizer com aquele rostinho angelical: está tudo bem, estou feliz, vovô cuidará de mim contra os fantasmas. Estou protegido contra todos e tudo. Tudo aquilo que alimenta sua alma infantil de doçura que acredita em fantasmas, tartarugas ninjas poderosas e fadas madrinhas do dentinho de leite. Não há felicidade maior do que estar ali ao lado daquele rostinho suave, pele brilhante, olhos fechados, tranquilos. Semblante feliz a ressonar suavemente. Tudo é paz. E ali ficamos a contemplar aquela cena, enlevados, com a alma flutuando e desejando que aquilo não terminasse nunca. Que fosse eterna a noite, tal o estado de felicidade por estar e ter sido o escolhido como guardião para aquele anjinho que se entrega em doce sono. Aquele mesmo contestador... ah... vovô conta outra história... essa eu já sei... e de repente, vencido pelo sono, silencia adormecido. Ah, quanta graça, quantas bênçãos de Deus por merecermos estar ali, fazendo parte daquele sonho.
Naquela noite não consegui dormir plenamente. A todo instante olhava para o lado e pousava a mão sobre seu bracinho descoberto e o recobria. Lá pelas tantas, às três da matina, ele sentou-se na cama e disse: vovô, quero ir ao banheiro. Respondi, vou com você. Lá, acendi a luz e antes de voltarmos para a cama disse-me: “Eu vi a fada-madrinha em frente ao espelho, mas ela não trouxe meu dentinho novo, deve ser porque ele caiu no esgoto e o ratinho ainda não o entregou a ela”. Não entendi muito bem, mas confirmei... sim, a fada madrinha do dentinho esteve aí em frente ao espelho do banheiro..., e acrescentei que amanhã ela levaria o dentinho. Voltamos para a cama e antes de continuar o sono, ainda perguntou: Você vai me levar para a escolinha? Bem cedo, antes das sete, já estava olhando para mim, clamando para levantar e cochichando pediu-me para falar baixo para não acordar a vovó e a priminha Sarah que dormiam no quarto ao lado.
Um pouco mais tarde relatei o “sonho” da fada madrinha e a vovó explicou que no dia anterior ele havia perdido um dentinho que estava prestes a cair naturalmente. Não conseguira segurá-lo, pois caíra no ralo do lavatório. Decepcionado, por não ter podido recuperá-lo e entregar à fada-madrinha, que lhe faria nascer outro, a mãe lhe dissera que havia um ratinho lá no lago, onde desemboca a rede de esgoto, esperando o dentinho para entrega-lo à fada-madrinha. Assim, na pureza de sua alma absorveu a fantasia do ratinho coadjuvante e em seu sonho na alta madrugada, ficou sem entender por que a fada-madrinha veio visitar lhe, bem ali em frente ao grande espelho e não lhe deu o novo dente. Essa, certamente, foi a sua “visão”, vislumbrando a fada ali no lavatório igual ao de sua casa, onde havia caído seu dentinho que desceu ralo abaixo. E com o dedinho na banguelinha dos dentes incisivos, perguntava: Por que, vovô, por que será que ela não trouxe o dentinho novo? Talvez, porque o ratinho ainda não tivesse entregado a ela o velho dentinho que caíra no lavatório. Vai demorar um pouquinho, mas ela o trará para você.
Que belo momento esse do ninho, do aconchego da cama quentinha, onde a criança tem plena segurança e confiança naqueles que a cercam. Que privilégio conviver com uma criança tranquila, que só tem amor em seu coraçãozinho. O poeta e filósofo Rubem Alves disse que “um homem que guarda memórias de ninho na sua alma tem de ser um homem bom. Uma criança que guarda memórias de um ninho em sua alma tem de ser calma”! É verdade, além do que nos torna mais compreensivos e amorosos, pois somos “a segurança” deles, os pequenos. O nosso ninar, o abraço, o dar as mãos, o olhar, ou até mesmo a nossa palavra são os esteios seguros nos quais as crianças se apoiam.
Ao chegarmos à escolinha pouco antes das sete horas, enquanto ele e eu conversávamos com a professora, chegou outro menininho que, quase choramingando, abraçou o pai e diante do argumento " preciso ir", o filhinho perguntou: para onde você vai, pai? Papai vai trabalhar filhinho... E nesse ponto entra o Pedro Henrique e diz bem alto: "O meu vovô não trabalha, não, ele fica em casa".... Paguei o maior mico, pois todos acharam graça nas palavras do netinho, inclusive aquele que estava quase chorando. Coisas de crianças que disputam situações inusitadas. Mas, querem saber, mesmo? Jogo de mão dupla, pois, na verdade elas, as crianças, são os nossos esteios, pontos firmes de apoio e estímulo para a nossa alma, razão do nosso viver prolongando nossos dias aqui na terra. Anjos que elevam e enlevam nossa alma.
Amém!
Brasília, 25 de junho de 2014
Paulo das Lavras
sábado, 2 de novembro de 2024
02 de Novembro de 2024 – Dia de Finados
A celebração do dia de finados é bem antiga e foi unificada
pela igreja católica, durante a Idade Márdia, há mais de mil anos. O dia 02 de
novembro foi escolhido por ser o dia seguinte ao Dia de Todos os Santos. Por
que dia de todos os santos ? Siplesmente porque os mártires morriam em grupos,
especialmente no período da grande perseguição aos cristãos pelo império romano.
Assim, essa foi a forma mais prática de se celebar a memória de todos eles. A
escolha da data, de 1º de Novembro para o dia de todos os santos, foi para
concorrer com as festas pagãs do Halloween. Um dos costumes dessa festa era
levar flores aos entes queridos nos
cemitérios. Então, a igreja separou esses rituais e criou o dia especial, 02 de
novembro, como sendo o Dia de Finados. Esse dia especial, celebtado no dia
seguinte ao de todos os santos, é especialmente reservado para as homenagens
aos entes queridos de cada família.
Este dia não deixa de ser um momento propício para a reflexão
sobre a morte e vida. Não gosto, como a maioria das pessoas, de pensar e
tampouco falar sobre a morte. Medo? Não! Prefiro a alegria da vida. O que é a
vida? Assim perguntou Rubem Alves em sua obra “Sobre a morte e o morrer” e
prossegue com mais perguntas intrigantes como o que é a vida de um ser humano?
O que e quem a define? A vida é tão boa! Não quero ir embora. Ninguém quer ir
embora, deixar a vida. Que coisa mais sem graça ser colhido no meio da festa (a
vida, a convivência com a família e amigos), interromper tudo sem aviso
prévio e
depois os amigos vão esvaziar suas gavetas, seu guarda-roupas, seus livros,
seus mimos, aquel baú de afetos que todos nós guardamos com cuidado e carinho,,
como que apagando todas as pistas que você deixou durante uma vida inteira. Que
coisa cruel, não para quem se foi, mas para aqueles que ficaram e choram a sua
lembrança. Só quem já perdeu abruptamente entes queridos sabe avaliar essa dor
irremediável, de se esvaziar “as gavetas da vida” de quem acabou de partir e
deixou um vácuo, uma dor terrível na alma de todos.
Penso que a vida é uma dádiva de Deus e que devemos vivê-la
de tal modo que ela, por si só, se torne uma jornada feliz, alegre, em paz
consigo próprio e com todos que o cercam ou, em outras palavras, com amor. E
isto é o céu. A qualquer hora que ela, a morte, vier nos buscar nos encontrará
felizes e sem nenhuma dívida (falta) para com os amigos e aqueles com os quais
convivemos. Tenho certeza que assim procedendo será mais fácil para aqueles que
ficam. Assimilar a partida final não é fácil e, “morrendo feliz” os amigos terão o conforto de
que aquele, que partiu para sempre, praticou o bem e que suas faltas
involuntárias nem contam diante do saldo positivo que deixou para todos. O filósofo Rubem Alves disse: “Para tudo há o seu tempo. Há tempo para
nascer e tempo para morrer. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A reverência
pela vida” exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a
vida deseja ir”.
E hoje, Dia de Finados, também é dia de se lembrar daqueles
que um dia fizeram algo memorável para a humanidade, Aqueles que tombaram em
batalhas, defendendo a liberdade ou lutando por algo importante para a
hgumanidade, Assim, neste dia, relembro alguns destes grandes homens que
embora, não os tivéssemos conhecido, deixaram respeitável legado a todos nós.
Mas, não somente neste dia, tenho uma palavra aos amigos:
“Feliz daquele que cuidou da vida de
alguém que se preparava para partir. Cuidar para que a finitude seja mansa, sem dores e cercada de amigos,
longe de UTIs. Portanto, neste dia de lembrança dos nossos entes
queridos que nos deixaram para sempre, nosso coração se conforta com a lembrança
do carinho e cuidado que dedicamos a eles, nossos pais e demais entes queridos,
nos dias que antecederam as suas partidas para a Glória de Deus, justamente
quando mais precisaram de nós”.
Espero que as suas memórias neste dia
especial, em relação aos entes queridos, tenham servido de conforto ao seu
coração ainda dolorido. Nesse sentido, reproduzo as palavras que hoje recebi de
amigo dos tempos de seminarista aos 12 anos de idade:
Dia de Finados: lembremos com carinho
daqueles que amamos, daqueles que partiram antes de nós. Sinta saudade, mas não
tristeza, pois, apesar da ausência física, o amor permanece intacto. Recorde os
momentos felizes, agradeça a maravilhosa oportunidade de ter convivido com
pessoas tão especiais...
Amém! E que você tenha depositado uma
flor no túmulo de seus entes queridos, em sinal de respeito e amor, pois as
flores nos inspiram isso. Também uma oração de agradecimento a Deus, pela oportunidade
de ter convivido com eles, conforta igualmente a alma, onde quer que você
esteja, ou tenha estado neste dia de hoje. Amém!
Brasília, 02 de Novembro de 2024
Paulo das Lavras
quarta-feira, 30 de outubro de 2024
Colegas de escola – saudades que se renovam
Nossos colegas de escola marcaram
nossas vidas. Afinal, passamos longo tempo juntos, alguns desde os primeiros
dias de escola primária. Não poderíamos esquecê-los nunca, tal o grau de
proximidade e interesses comuns que nos uniram ao longo da vida e justamente no
período em que estávamos buscando nossa própria identidade. Talvez isto, a consolidação
da amizade, do vínculo fraterno, fosse mais importante que as horas em sala de
aula ou juntos em horas e horas de estudos e elaboração de tarefas escolares. Por
isso, alguns deles tanto nos marcaram, quer pela gentileza, simpatia,
humildade, dedicação, inteligência e tantas outras qualidades e às vezes até
mesmo as dificuldades naturais da vida de estudante, às voltas com matéria
“chatas” ou de difícil assimilação e que estávamos sempre a nos ajudar
mutuamente. Mas, chega-se à última formatura, na faculdade e nos separamos em
definitivo, cada qual em seu novo rumo..., profissão, família , mergulhando em
seus próprios sonhos, tornando-se independentes, em outro mundo social. Outro
mundo social? Sim, outro ambiente, longe daqueles colegas que sempre o
acompanhavam e ali estavam para o bem ou... para as eternas gozações próprias
de amigos que têm camaradagem, companheirismo. Ah..., tempos bons, nos
lembramos hoje, com muita saudade, 50 anos depois. Que saudade matadeira que
faz derreter nossos corações. Quanta ternura na alma, relembrar os doces tempos
e as figuras do colegas, sempre a sorrir e prontos para lhe “pegar” em algum
escorregão, falha, que serviria de piada a semana inteira.
Tempus
fugit, diz o clássico ditado... o
tempo voa, e de repente nos damos
conta..., caramba, já são passados 57 anos de nossa formatura na faculdade! E
onde estão os colegas? Nem éramos tantos..., apenas 30 formandos na turma de
Agronomia/1967 da velha e hoje centenária ESAL/UFLA. A cada cinco anos nos
reunimos e revivemos aqueles bons tempos. Famílias crescidas, com netos e
bisnetos, alegrias e bençãos que Deus
nos envia para prolongar nossos dias de
glória na Terra. Encontro de irmãos que exala, transpira alegria, contentamento
e gratidão por termos sido tão gratificados ao longo de nossa existência e em
especial durante aquele tempo de convivência sadia com os colegas de escola,
ali reunidos, a apresentar-nos suas famílias com a maior alegria e orgulho do
mundo e ainda nos contando sobre seus sucessos profissionais. Que benção!
Mas,
infelizmente, ao longo desse quase sessenta anos que separam a nossa formatura
e despedida escolar, temos também recebido duros golpes com o passamento de
queridos colegas, aos quais sequer pudemos dar um último adeus. A distância,
quase sempre, nos impede de chegar a tempo e temos que nos contentar com a
solitária reflexão e dor do luto. Foi
assim, justo no dia de meu aniversário, sem nenhum aviso prévio,
apareceu na tela do celular uma mensagem com o obituário e convite para o
velório do nosso doce, o mais gentil e prestativo colega de faculdade, aliás
desde os tempos de colégio em Lavras: João Júlio dos Santos. Duro golpe, dor
lancinante no coração... Lá se foi o mais doce dos colegas, aquele que estava
sempre a sorrir e a nos levar a passear em sua linda, charmosa e histórica
perua Chevrolet ano 1929, conhecida por
Tereza. Ah, meu caro João Júlio... , seu lago sorriso, como naqueles passeios,
desfilando alegremente pelas ruas de Lavras na “nossa” Tereza , patrimônio
carinhoso e zelado por todos nós, ficará eternamente em nossas memórias..., a
sua alegria contagiante, finesse no trato e amor fraterno.
Que Deus nos conforte a todos,
especialmente à sua querida família, ali
na cidade dos Perdões, vizinha a minha cidade natal.
Brasília, 06 de abril de 2024
Paulo das Lavras
terça-feira, 8 de outubro de 2024
Gigante pela própria natureza
Foto – AFP – FAB/ KC 30- 2901- 06/10/2024, chegando
em São Paulo
Dizem que o
Brasil é gigante pela própria natureza.
É gigante também pelo coração e acolhimento...
Rudy El Azzi/Cônsul do Líbano em São Paulo
Minha cidade natal, Lavras e outras como São Lourenço, no
sul de Minas, receberam muitas levas de migrantes sírio-libaneses. Gente
laboriosa, tangida pelas contingências econômicas, políticas e religiosas,
sobretudo pelos cristãos que fugiam do domínio mulçumano, turco do Império
Otomano. Por causa do domínio desse império, os imigrantes sírios e libaneses
tinham até o ano de 1892, seus passaportes emitidos pelos Turcos. Daí, surgiu o
equívoco dos brasileiros, especialmente em minha cidade natal, de chamar os imigrantes libaneses de turcos.
Aprendi isto nos anos de 1960, quando meu colega de ginásio, Luiz Chalfoun,
corrigiu-me educadamente: “... não somos turcos, somos sírio-libaneses. Em
Lavras, os primeiros imigrantes sírio-libaneses, chegaram na virada do século
IX para XX, intensificando-se a
imigração nos anos 20 e 30 seguintes.
Descendentes dos fenícios, tradicionais comerciantes desde os primórdios
da humanidade, os sírio-libaneses eram exímios na arte de negociação e por isso
se destacaram no comercio varejista e atacadista.
A imigração sírio-libanesa para o Brasil originou-se das viagens de Dom Pedro II, em 1871 e 1876, ao Líbano, Síria, Palestina e Egito. Ficou encantado com a cordialidade dos árabes e decidiu incentivar a imigração para o Brasil. A grande maioria dos sírio-libaneses (80%) se estabeleceu no comercio de tecido e varejo de armarinhos. O Sul de Minas Gerais foi o preferido e quase todas as cidades os receberam e ali estabeleceram extensa rede comercial de varejo. Em Lavras e toda a região (Ribeirão Vermelho, Itumirim, Nepomuceno, Perdões e outras), há inúmeras famílias descendentes de sírios- libaneses, quase todos no ramo do comércio. Entrar numa loja desses comerciantes é quase 100% certo de que não sairá dali sem levar a mercadoria desejada. Se o preço praticado na praça era 100, não era incomum levar-se o produto por 50 ou 60, pelo simples prazer que o comerciante tinha de servir ao amigo que, realmente precisava da mercadoria e o dinheiro estava curto.
Continuando o
périplo pela principal rua da cidade, onde os comerciantes sírio-libaneses
dominavam mais 70% das portas, chegamos, em seguida à loja de Chafic Chalfoun,
pai de meu colega de ginásio Luiz Chalfoun, seguindo-se a Casa das Noivas, de Elza e Leila
Murad, Abraão Curi, A Vencedora (móveis) de José e Elias Curi, Casa Santa
Branca de Joseph Farage, Loja de Elias Semaan, Casa Raffe Haddad, Casa Alberto
Murad, Abraão Curi, Ciro Arbex, do outro lado da rua, com sua Concessionária
Chevrolet, que vendia carros para meu avô desde a sua fundação na década de
1920. Ali também comprava meus Chevrolet Opala e ainda admirava a
competência de seus chefe de oficina,
João Foguete que de tudo entendia e nunca nos deixava na mão, qualquer que
fosse a pane do veículo. Ciro Arbex , tinha para si, lindos cadilacs rabo-de-peixe,
especialmente um vermelho dos anos 50.
Continuando e
descendo a rua, havia outras libaneses, Casa Salem, de José Rachid e o
belíssimo Hotel Vitória, onde gostava de me hospedar e degustar um peixe a
belle meunière. Seguia-se a Casa
Curi, de José Curi onde comprei meu uniforme esportivo (flamenguista) para
levar para o internato, aos 12 anos, no distante Seminário de Itaúna. Do outro
lado da praça, o jardim de Lavras, o consultório do Dr. Orlando Haddad, mais
tarde Hospital e Maternidade. Dr. Orlando Hddad foi um dos fundadores do
Colégio Aparecida em 1942, juntamente com meu avô Anisio (Gaspar) Alves de
Abreu. Havia muitos outros comerciantes
como Abdala Mustafá
Zorkot, da Esquina Perfumada, Abílio Elias Ticle/máquinas de costura, já na rua
Raul Soares. Inúmeras outras famílias de sírio-libaneses atuavam no comercio
local, Mansur, Assad, Farah, Bachir, Jamil Lasmar/Padaria,
Asmar (sem o “L” inicial), Salim, Fouad, Daher, Abbi-Saber, Simão,
Chible/Padaria Santo Elias, Jorge Murad e ainda o engenheiro, do qual fui estagiário
em seu Escritório de Engenharia, Dr. José Alfredo Unes, pessoa extraordinária,
de enorme coração. Muitas outras famílias descendentes de sírios libaneses
viviam em Lavras, mas, não sou capaz de me lembrar de todos. O certo é que,
além de nos marcarem com a presença de seus filhos, nossos coleguinhas de
ginásio e colégio, como Michel Haddad, Toninho Chalfoun, Nelson Curi, Rui
Haddad, Boueri, Mauro Assad e outros,
ele trouxeram a cultura árabe, que valoriza a lealdade, a honra, o
tradicionalismo, a hospitalidade, o respeito, a paciência e a privacidade.
Dentre os costumes árabes de negociação, trouxeram e implantaram a arte de
vender a prestações a perderem de vista, facilitando aos mais humildes a
aquisição de bens de valor mais elevado, da geladeira e TV ao automóvel. Até parecia lei: entrou na loja..., não sai de
mão abanando. Leve para casa..., depois “babai” paga e se não quiser, pode
devolver! Qual o pai que voltaria à loja para devolver uma bola que já havia
sido usada de imediato pelos filho? Os árabes eram terríveis na arte de venda.
Também pudera, desde os tempos dos fenícios cruzavam os mares na busca de novos
mercados.
A cordialidade e hospitalidade no trato com as
pessoas eram as marcas registradas dos sírio-libaneses que se instalaram em
Lavras. Conheciam a todos pelos nomes e sobrenomes. Mas, tinham um segredo que
não revelavam a ninguém... “os códigos” usados para marcar os preços da
mercadoria. Segredo de polichinelo. O Sr.
Raffe Haddad tira vários pares de sapatos da prateleira ou do estoque, nos
fundos da loja e nos fazia experimentar a todos. Bastava manifestarmos o gosto
por determinado modelo e pronto. Parecia que nos tornávamos prisioneiros, pois
não nos permitia sair da loja sem levar os sapatos. Ele cultivava dois
segredos: Primeiro o cliente jamais sabia o preço do produto. Segundo passo,
oferecer todos e deixá-lo escolher o de sua preferência, Pronto, depois disso,
pegava a caixa do sapato, lia o preço em código e dizia-nos: é 100, mas para
você, amigo da família, faço por 80, para levar agora e pague quando quiser e
em quantas vezes for necessário e puder pagar. Eu já sabia... se oferecesse 40,
ele baixaria a oferta para 60 e ao final
eu pagaria só 50. A cada lance naquele leilão de preço, literalmente, ele
consultava o código escrito na caixa do sapato. Dava um largo sorriso, como a
dizer... “você nem imagina o valor que aqui está escrito...”. Sabíamos que ali
estava anotado em código indecifrável, o mínimo pelo que ele poderia vender e
ganhar seu lucro. Mas não sabíamos e nem nunca soubemos quanto, pois ninguém
era capaz de decifrar aquele código das arábias... A única certeza era que, se
ali ficássemos uma hora ou mais e o impedíssemos de atender a outros clientes
que chegassem à loja, ele sempre acabaria cedendo por um preço próximo à metade do valor inicial. Às vezes
era desgastante, mas quase sempre a conversa era agradável e eu, curioso, o
provocava, pedindo para contar sua história de imigrante, sobretudo, sobre os
parentes libaneses que não vieram para o
Brasil e estavam sofrendo com as guerras do Oriente Médio, já nos anos 60/70.
Os irmãos Raffe e Haical Haddad, exímios comerciantes, marcaram minha vida em
Lavras, desde os tempos de menino, quando acompanhava os pais nas visitas às
suas lojas e mais tarde, já professor na UFLA, não deixei frequentar seus
estabelecimentos. Como era bom conversar com eles e descobrir coisas das
arábias. Estavam sempre alegres, calorosos. Acolhedores. Tinham um vínculo
fraternal com meus pais e avós. Nos tratavam com distinção e carinho familiar.
Assim foram e são os descendentes desses laboriosos imigrantes sírio-libaneses,
que se radicaram em Lavras e em todo o Sul de Minas, Rio e São Paulo. Muito
contribuíram e contribuem para o progresso da cidade.
Uma certeza eu
tenho, de conversas e longas discussões históricas com o Sr. Haical Haddad e
Rafe Haddad sobre eventos e guerras religiosas naquela região árabe, nos anos
70. E eles vieram para o Brasil,
tangidos muito antes, fugindo da perseguição religiosa. Eram muito bem
informados, pois eram assinantes de jornais libaneses. Em Lavras, todos eles
eram fervorosamente católicos e sempre admirei isso, pois os observava, quando
eu era coroinha na Igreja Matriz e acolitava a distribuições da comunhão nas
missas dominicais. Depois que conheci os motivos da imigração para nossa
cidade, passei a admirar ainda mais a fibra dos sírio-libaneses de Lavras e os
respeitava por isso. Coração grande, amigos, laboriosos, acolhedores... O
cônsul de São Paulo sabia do que estava falando. Eles são assim também. Quem
duvidar, que leia os livros de um grande amigo de Lavras, residente em São
Lourenço, Filipe Nacle Gannam, sobre suas viagens ao Líbano. Puro amor e
acolhida sempre!
Foi assim ,com
esse olhar carinhoso do passado, que vi e ouvi o Consul libanês de São Paulo,
declarar, à chegada do primeiro voo da
FAB de resgate dos brasileiros-libaneses que foram obrigados a deixar o Líbano:
... É mesmo, pensei de imediato e me emocionei. Bem assim mesmo. Foi assim, como descrevi, que os libaneses me trataram e a todos de minha família, ali em Lavras, por todo o tempo e ainda hoje quando lá retorno, observo o mesmo comportamento. Cidadãos probos, religiosos, caridosos, amigos. Que Deus proteja seus familiares ali no Oriente Médio em guerra. Nosso coração brasileiro também é gigante e acolhedor, como bem disse o Sr. Rudy El Azzi/Cônsul do Líbano em São Paulo e não pude deixar de me emocionar ao assistir o desembarque daquelas mães, pais e suas crianças, portando bandeiras e desabando em apertados abraços de conforto nesta terra
Foto- arquivos de Rogério Farah, in:https://www.facebook.com/rogerio.farah.
1/posts/pfbid028HXzV6XxmQKiVJNkxc1g9Zzx9bXhJNiQiWm8tRc7ZgQFXioBon9ECmHJf7PPnDX1l