quarta-feira, 18 de junho de 2025

Dia Internacional dos Trabalhadores Domésticos e atavismo escravocrata

 

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 O jantar – prancha 7, 2º Tomo -  Debret – 1835 
As ilustrações de empregadas domésticas atuais ,encontradas na internet, 
são glamourizadas. Lindos uniformes, belos penteados, unhas bem-feitas e maquiagem 
impecável. Não retratam a realidade, por isso optamos pela ilustração artística do famoso pintor
Debret que esteve no Brasil  de 1817 a 1831e retratou a realidade brasileira de então.


 

            Há dois dias, em 16 de junho, celebrou-se o Dia Internacional dos Trabalhadores Domésticos, cuja data coincide com a assinatura, no ano de 2011, da Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Foi um ato de notável relevância,  assinado por grande maioria dos representantes de governos, empregadores e trabalhadores,  recomendando medidas para que o trabalho doméstico seja um trabalho digno e valorizado. O Brasil ratificou a referida Convenção, embora não tenhamos visto nenhuma comemoração oficial. Isto, Talvez, se deva à tradição católica brasileira que considera a data de 27 de abril como o dia da empregada doméstica. Esta data foi escolhida pelo Papa Pio XII, nos anos 40, proclamando Santa Zita como a padroeira das empregadas domésticas. Argumentava a igreja que Santa Zita foi empregada doméstica desde os 12  anos de idade, criança, ainda. Era muito humilde, caridosa e se contentava em trabalhar em troca de comida, roupa e um local para dormir. Não é de se estranhar, portanto, que na cultura brasileira, originada no estilo do colonizador português, a empregada doméstica tenha sido uma constante nos lares das famílias mais abastadas, desde os tempos da escravidão, como bem retratou o pintor francês Jean-Batiste Debret que aqui esteve por 14 anos. Quanto ao estereótipo adotado pela igreja católica,  em relação aos empregados domésticos, é preciso, antes, entender que ela sempre ignorou a escravidão, ao contrário, até mesmo estimulou essa prática quando o papa Nicolau V, em 1452, baixou uma bula papal concedendo a Portugal o direito de capturar e escravizar os negros da África, reduzindo-os à submissão perpétua, com o único o argumento de que não eram cristãos. À parte os atavismos e maus costumes de desrespeito à vida humana, fiquemos com os dias atuais que embora melhores, ainda temos muito a fazer.

Até há pouco tempo, era costume a empregada doméstica residir na casa dos patrões, sendo tratada quase que em regime de escravidão, com longas jornadas que se estendiam até à noite e sem nenhum direito trabalhista. Em minha cidade natal, no sul de Minas, berço das minerações de ouro e com grande número de escravos, as figuras de uma , duas e até três empregadas domésticas na casa grande era comum, até o final dos anos 70 do século passado. Vivi, convivi e presenciei essas situações muito comuns à época. Mas, história à parte, tratemos da importância do trabalhador doméstico, seja ele ou ela o responsável pela limpeza da casa, cozinha de forno e fogão, governanta, cuidador de idosos, babás, lavadeiras, motoristas particulares, caseiros jardineiros, vigias e empregados mensalistas, conforme são chamados hoje em dia. Representam um contingente de mais de 6 milhões de profissionais no país, conforme a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad) de 2023. Cerca de 91% dos trabalhadores domésticos são mulheres e estas ainda não contam com creches suficientes para seus filhos, deixando-os em casa aos cuidados de terceiros, geralmente os filhos mais velhos, crianças ainda, ou então com vizinhos. A taxa de informalidade beira os 75%, sem nenhum direito trabalhista, a começar pelo acesso à seguridade social, jornadas justas, férias e outros benefícios.

Por outro lado, essa situação injusta tem melhorado e recentemente o Ministério do Trabalho e Emprego lançou a Campanha Nacional pelo Trabalho Doméstico Decente, com o tema “O controle da jornada das trabalhadoras domésticas como direito essencial ao trabalho decente”.  Aquele regime de semi-escravidão,  que perdurou até os anos 70, é raro, pois, nos últimos 50 anos mudou-se o regime social brasileiro. Raramente há a “casa grande”, prevalecendo a moradia em apartamentos de cidades com mais de vinte mil habitantes. O quarto de empregada (um cubículo de 2 x 1,50m) nem existe mais nos prédios construídos nos últimos anos. Cresceu, por outro lado, o número de diaristas e babás, mas, com jornadas de trabalho dentro da lei e salários regulados com direito a vale transporte e outros benefícios. Houve, de fato, progressos sociais na profissão de trabalhador doméstico no Brasil. Afinal, reveste-se de grande importância e é reconhecido como “trabalho de cuidados”, envolvendo todas as atividades do lar, da casa, da cozinha aos cuidados  com crianças e idosos. Trabalho de cuidados essenciais para as famílias, a sociedade enfim. Mas, não tem recebido  atenção que merece e quase sempre há outros fatores que impedem seu justo reconhecimento . É um trabalho invisível e se torna mais injusto ainda quando envolve o sentimento, o afeto de quem se dedica, por exemplo aos cuidados com as crianças e idosos da família. Portanto, falar de sua importância não é difícil, pois seu trabalho possibilita que os membros da família tenham mais tempo para se dedicar a outras atividades e, muitas vezes, esses trabalhadores tornam-se verdadeiros membros da família, com laços afetivos duradouros. Esta é uma das principais características do trabalho doméstico e não à toa 91% das pessoas que o realizam são mulheres, que se destacam na dedicação, amor e afeto à casa, ao lar. 

 

Cuidador... ? Todos nós cuidamos e seremos cuidados ao longo de nossas vidas. Hoje, cuidamos de nossos entes queridos e das crianças e idosos que merecem atenção. Amanhã seremos nós que vamos merecer cuidados.  Por isso, nesse dia dedicado aos trabalhadores domésticos, devemos refletir sobre o seu trabalho e dedicar-lhes mais valor e respeito a seus direitos. É uma ótima oportunidade para a reflexão, reconhecer seus direitos, valorizá-los  e respeita-los, dando-lhes um ambiente de trabalho justo e digno para aqueles que cuidam de nosso lar com zelo, carinho e dedicação. Muitas vezes somos traídos pelo costume e não nos lembramos desta importante e necessária valorização. Num país com raízes escravocratas, onde tivemos a presença constante da ama-de-leite, da babá, do (a) menino(a) de companhia, cozinheira, lavadeira, quitandeira e quantos mais títulos houver na lida doméstica, nos acostumamos a esse atavismo e nem nos lembramos de valorizá-los hoje em dia. Agora, mais do que nunca, os empregados domésticos são mais que importantes, pois com a ascensão social da mulher, que busca seu lugar no mercado de trabalho, levou-a a se ausentar do lar e, portanto, entra a figura, a presença da empregada doméstica que passou a ser a gestora da casa, além de cuidar das crianças, em especial.  A empregada doméstica é, hoje, figura mais que importante na vida das famílias brasileiras. E já se foi o tempo em que eram tratadas em regime de semi-escravidão.

E por falar em passado escravocrata, outro dia assisti na TV um show deprimente, condenável, de um senador da República destratando uma mulher negra, humilde, porém, educada, ocupando cargo de Ministra de Estado. Ela foi firme contra os ataques misógino e racista, resquícios, segundo a crítica de um intelectual, o ex-senador Cristovam Buarque, da cultura atávica escravocrata que, a qualquer motivo gritava para os escravos: “ponha-se no seu lugar”, tal qual aquele outro senador atacara a ilustre Ministra, ali, ao vivo em audiência pública no Senado Federal. Deprimente e condenável, pois se ali no Senado Federal, não se respeita a humilde origem de trabalhadora rural e a cor de sua pele, imagine  em meio à sociedade com seus cidadãos comuns. Outro cidadão, indignado com esses tratamentos, veio à imprensa e se manifestou dizendo que o Brasil não aboliu a escravidão: terceirizou-a e casos como os das empregadas domésticas que cuidam de sua casa, virou racismo de estimação, concluiu o autor. Aquele senador que gritou, publicamente, “ponha-se no seu lugar”, como a perpetuar o pensamento da cultura escravocrata sobre alguém de cor negra e de humilde origem rural, não teria gritado assim com seus colegas, concluiu Cristovam Buarque, em recente artigo de jornal.

 

Mas, apesar desses percalços, o Brasil progrediu e continuará nessa linha de progresso social. Leis existem, a sociedade tem consciência do valor do trabalhador doméstico e todos lutamos por melhor educação e assistência a todos os brasileiros. Somente por meio da Educação e consequente conscientização de todos, atingiremos os níveis necessários para o respeito e valorização da profissão do trabalho doméstico.

 

Brasília, 18 de junho de 2025

 Paulo das Lavras

 

 


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