Sou
autista..., eu disse recentemente, em alto e bom tom, ao iniciar uma palestra
para alunos de graduação de uma universidade federal. Nem mesmo os
cumprimentei, como de praxe fazem os professores ao iniciarem uma aula. Silêncio
constrangedor. Chocados, todos me encararam. Propositadamente, também os
encarei, em silêncio e com ar ainda mais sério, arrematei: também não sou
esquerdista e nem de direita. Continuamos, todos, em silêncio por mais alguns
instantes. Mas..., será possível que trouxeram para palestrar um doido, ou no
mínimo um esquisito que não fala com ninguém, vai ficar mudo e de cara fechada...?
Foi o que alguns pensaram, disse-me depois, no cafezinho, um dos alunos que
também disse que ficou muito curioso para ver em que final aquilo chegaria.
A moda atual é
o diagnóstico tardio de Transtorno do Espectro Autista – TEA, para qualquer um
que tenha pelo menos uma das características desse mal do século XXI. Não
bastam os diagnósticos para as crianças e adolescentes, os quais, diga-se, os
pais não mais dão conta ou nunca as educaram o suficiente. Estavam muito
ocupados com o trabalho fora de casa e terceirizaram a educação às creches ou
babás mais em conta, de pouca ou quase nenhuma instrução, mas de tempo integral
e ainda fazem outros pequenos serviços
da casa. É o “normal” dos dias de hoje, de uma sociedade ainda
patriarcal, onde o marido machista não pode dividir as tarefas domésticas com a
mulher. Esta, coitada, tem de cumprir jornada tripla e ainda estar à disposição
do maridão que, tranquilamente assiste seu futebol na TV, o “descanso do
guerreiro”, como gostam de dizer. Pois
bem, agora, não só os filhos, mas, também os pais recebem tal carimbo de
autista. E parece que a moda pegou mesmo, pois o que ouço de amigos se
“gabando”, sorridentes, ah..., eu também sou ou fui autista... Isto parece que
alivia a culpa pelo mal que aflige o filho. Mas, pelo que fui e vivi na
infância e juventude, tenho minhas dúvidas sobre tal diagnóstico para os
adultos ou idosos de hoje. Não sou nenhum especialista em psicologia ou
psiquiatria, mas tenho lá as minha observações, até mesmo para esses TEAs
atribuídos às crianças, quando portadoras de algum problema comportamental. O
problema está, na maioria das vezes, nas raízes. São mal-educadas e impõem
vontades desmedidas, pois foram criadas sem a presença dos pais.
Outro dia assisti a um vídeo de um professor, relatando um
caso interessante. Sua aluna norte-americana chegou mais cedo na sala de aula e
foi conversar com o professor, pediu licença para fazer uma crítica aos
brasileiros. Disse que estava assustada, porque aqui ninguém faz nada! Como
assim, indagou o professor. Ninguém estuda, a sala de aula parece um mercado
persa, uma vende trufas, outra, plano de viagem e outras, ainda, insistem para
que compremos uma profusão de roupas, sapatos, e bijuterias de suas sacolas
cheias e ainda organizam festas e vendem rifas. Nos Estados Unidos, quando eu não
estava em sala de aula, estava estudando na biblioteca. Aqui, eu vou à
biblioteca todos os dias e não encontrei um aluno. Ninguém faz nada aqui, não
estudam! As pessoas falam sem saber o que estão falando. O professor simplesmente
respondeu-lhe: bem-vinda ao Brasil! O que essa aluna norte-americana viu e
sentiu é o retrato da realidade brasileira. Aqui, a realidade é o inverso da
lógica, da seriedade, e é propagada pela TV, tornando-se um mote nacional:
levar vantagem em tudo, na leveza e malandragem. Ninguém estuda, não cumpre sua
obrigação, disse a garota norte-americana com a concordância do professor
brasileiro. Mal sabe ela que o primeiro “civilizado europeu” que aqui pisou, no
anos de 1.500, tratou logo de mandar ao “El Rei”, uma carta pedindo benesses
para si. Outros vieram mais tarde para, literalmente, saquear o ouro, aproveitando
também para amasiarem-se com as escravas índias e africanas e, assim, levarem
vantagem em tudo, pois quem fazia o trabalho duro era o escravo. Tudo isso ao contrário dos ancestrais da garota
estrangeira, que chegaram de navio fretado, com a família e ao se instalarem
nos Estados Unidos, a primeira providência foi construir uma escola para os
filhos e uma igreja para a prática do culto de gratidão a Deus. Dedicaram-se à
terra, derramando seu suor para conseguir o sustento de sua família. Esta é a
diferença cultural, construir/fazer contra o levar vantagem em tudo, sem nada
fazer. Uma garota estrangeira, com apenas alguns dias em nosso país, constatou
isso. Por lá, existe um senso arraigado de se preparar para enfrentar os
percalços da vida, trabalhar e produzir, com imenso sentimento de patriotismo.
Numa uma rua em Nova York você pode contar dezenas de bandeiras americanas
hasteadas nas fachadas dos prédios. Aqui em Brasília, a capital da república,
contei apenas duas, fora da Esplanada dos Ministérios. Uma no início da W3
Norte e outra na L2 Sul – 613.
Pura verdade o que a estudante
estrangeira disse ao professor brasileiro. Aqui a regra é inversa à lógica e
por isso, provoquei: “Sou Autista!”, reverberei aos alunos. Este teria sido o
meu diagnóstico quando criança e adolescente. Com certeza, pois destoava de
todos os demais. A moda era se enturmar, jogo de futebol, bola de gude, finca,
ping-pong (tênis de mesa), natação nos riachos, caçadas de passarinhos e
cavalgadas. Quando maior, as diversões em turma eram matar aula para jogar
sinuca, fumar escondido (Continental mais forte ou Hollywood mais suave, eram
os cigarros mais famosos, sem filtros nos anos 50 e com filtro nos 60 e eu os fumei
bastante... rsrs). Lá pelos 17 anos, além das estrepolias mais comuns,
apareciam as visitas a boates e as suas atrações de praxe. O menino que gostava
de leituras e mais tarde metido a estudar, ler, compreender e absorver os
conceitos de um tratado de literatura, química, física e matemática, ou
aprender idiomas estrangeiros, dedicava
mais tempo a esses atividades em vez de enturmar-se em botecos e outros locais
não muito recomendáveis. Assim, esses raros casos, atípicos entre a rapaziada, não
raras vezes recebiam pechas de calados, entupidos, retraídos, caxias, cdf e
outros qualificativos semelhantes ou piores. Tudo isso porque às vezes, ou
quase sempre se recusavam a juntar-se à turma. Mas, o que faziam esses poucos
“pirados” entre tantos outros? Ora, os “normais” eram os demais..., que nada
faziam de produtivo para seu futuro. O “anormal”, pirado, encucado, meio
tan-tan, seja lá que apelido recebesse, cumpria sua obrigação de estudar, ir à
biblioteca, pesquisar o assunto, matricular-se num curso complementar de
línguas estrangeiras... “Normal” era mesmo não fazer nada e só flanar.
Tinha
razão a estudante norte-americana ao criticar as colegas de sala de aula.
Talvez nem soubessem, onde era a biblioteca da escola. Nos anos 60 eram poucas
as escolas que mantinham biblioteca. No meu caso, na matemática, física,
química, geografia e ainda nos idiomas inglês, francês e espanhol, me valia das
bibliotecas particulares de cada professor. Além de atuar como monitor, ainda
fazia, já no final do segundo grau, traduções de textos técnicos de Física, que eram distribuídos pelo professor Roussaulière
Mattos aos alunos. De 250 colegas do segundo grau, somente um colega, Adelino
Moreira de Carvalho, fazia o mesmo que eu e por isso, nos tornamos amigos desde
então. Ele gostava e praticava o idioma alemão com os padres alemães do
colégio, e também recebia livros emprestados dos professores. Na faculdade, apenas
uma colega, Andirana Veiga, se aproximava desse perfil de interação com os
mestres. Dos mestres, havia dois que se destacavam, os professores de Solos,
Alfredo Scheid Lopes e o de Fitopatologia,
Paulo de Souza. Estavam sempre a nos incentivar e nos emprestavam seus livros
particulares. Para o de fitopatologia, fiz traduções de artigos sobre doenças
do tomateiro e da batata inglesa, retirados de capítulos de livros produzidos
na Universidade da Carolina do Norte, onde o Prof. Paulo de Souza fizera mais
tarde seu curso de doutorado (PhD). Lembro-me que, por ocasião se seu
doutorado, eu trabalhava na Michigan State University, na coordenação de 250 outros professores
brasileiros em cursos de PhD espalhados por 32 universidades americanas e, de
forma descontraída, brinquei: quer que eu ainda traduza artigos de
fitopatologia, como nos meus tempos de seu aluno? Este e alguns outros, foram
professores que fizeram diferença. Alfredão, de quase dois metros de altura,
atleta medalhado no país e no exterior, especialista em Solos do Cerrado, encaminhou-me para um estágio em São Paulo,
em uma grande empresa produtora de fertilizantes e fali percorremos vários
município produtores de hortifrutigranjeiros, cana de açúcar e café. Foi o
maior aprendizado que absorvi na área do agronegócio.
Mas
ainda no campo das bibliotecas, encontrei terreno fértil na USP, na Escola de
Engenharia de São Carlos quando, no início dos anos 70, cursei pós-graduação na
engenharia civil, nas áreas de Hidráulica
e Meio Ambiente. Nos conhecimentos biológicos dominava perfeitamente pois é
parte essencial da agronomia, já na computação, aliás área emergente na
ocasião, a dedicação precisou ser redobrada em Matemática superior, com
Matrizes, Vetores, Probabilidades, Transformadas de Laplace, Álgebra Linear e
outras que faziam parte dos mínimos
conhecimentos exigidos para se aprender Programação Computacional e criação de
aplicativos. Não era fácil e o jeito era “morar, viver “ na biblioteca.
Bibliotecárias qualificadas, experientes, bastava indicar o assunto e em poucos
minutos retornavam com os principais títulos de livros e periódicos. Era só
escolher os melhores, checando a ficha catalográfica que ficava na parte
interna da capa e mostrava todas as consultas já realizadas naquele título. Hoje temos o Dr Google que em
segundos nos fornece o resumo de cada obra e mais, ainda, a inteligência
artificial- IA que já compõe o texto desejado pelo cliente. Mas, vejam, mesmo naquela Escola de Engenharia, uma das melhores do país, a frequência à
biblioteca não era como esperado, mesmo sem a existência da internet que hoje
tudo resolve. Já nos anos 90, passei a
frequentar a biblioteca da UNB com maior assiduidade. Internet ainda
engatinhando, uma novidade nos sistema de consultas e já me pareceu que os
alunos a frequentavam com mais intensidade. Melhor assim, pois isto é o certo,
como bem observou a estudante estrangeira que notou a falta de vontade de se
dedicar aos estudos e apenas dará uma lida na matéria no dia da prova.
Mas,
e a questão de se posicionar como de esquerda ou de direita? Ora, trabalhei no
MEC por 35 anos, sendo trinta e quatro em tempo integral e mais um ano,
anterior, como consultor eventual. Atravessei períodos distintos de governos de
direita e de esquerda. Observei que a nossa Educação está impregnada das ideias
do educador Paulo Freire que aliás, foi declarado, em 2012, patrono da Educação Brasileira. Freire prega
que a Educação deve ser um instrumento de libertação, conscientizando a
população para uma transformação social, libertando o indivíduo da opressão,
tornando-o participativo na sociedade. Para ele, o principal objetivo da
Educação é criar consciência de classe. Educadores críticos à essa ideia, acham
que Freire defende uma pedagogia doutrinária, que promove o comunismo, criando
classes de cidadãos, tal qual na tese marxista, ao invés de se preocupar com a
educação como instrumento de ampliação do conhecimento, para se formar cidadãos
de fato, conscientizados, a serviço da produção e desenvolvimento da sociedade.
Não se pode, como defende Freire, limitar a formação de massa de militantes da
esquerda, pois no mundo inteiro os parâmetros de qualificação profissional são
os do conhecimento das ciências. Por isso o Brasil é fraco, extremamente fraco,
nos índices mundiais de classificação dos alunos, como o PISA-Programa
Internacional de Avaliação de Alunos e o IDEB, que é o índice de desenvolvimento
medido nas avaliações de aprovação e desempenho no Sistema de Avaliação da
Educação Básica no Brasil (Saeb). No PISA, a última avaliação, de 2022, o
Brasil ficou, na área da Matemática, entre os últimos colocados, com apenas 379
pontos, 93 abaixo da média (472 pontos). Em ciências, a pontuação foi de
403 pontos, 82 abaixo da média (485 pontos). Em leitura, o desempenho
brasileiro foi de apenas 410 pontos, muito abaixo da média de 476, dos países da OCDE. O PISA também avalia domínios
inovadores como resolução de problemas, letramento financeiro e competência global.
Há algo de muito errado na Educação Básica brasileira e enquanto perdura a
tesse esquerdista de foco na formação de classes sociais, ficará difícil para o Brasil sequer alcançar os índices de
seus vizinhos Chile e Argentina, por exemplo, sem falar de países mais
desenvolvidos.
Por
outro lado, aqueles que. aqui no Brasil, se preocupam mais com a qualidade da
Educação nas áreas tecnológicas, são às vezes taxados de “direitistas” e
acusados de ignorar a educação de classes de cidadãos, como massas sociais. Não
se trata disso, a educação não pode ser dividida dicotomicamente e nesse
sentido colocar o foco principal, como desejado por Freire, unicamente no
social, para supostamente “libertar o cidadão da opressão”. Formação social?
Sim, mas não se pode colocar em segundo plano o desenvolvimento científico e
tecnológico . Precisamos melhorar em Ciências, Matemática, Física, Química, Computação,
Inteligência Artificial e quantas mais necessárias ao progresso técnico,
científico e social. Felizmente, na
nossa área de atuação profissional contamos com verdadeiras e avançadas ilhas
de desenvolvimento tecnológico, em condições privilegiadas de competição
mundial na Agricultura e algumas subáreas da Engenharia.
Fanatismo e Inteligência
nunca moram na mesma casa, já dizia o poeta e pensador Ariano Suassuna. Mas,
diante de tantas diversidades e adversidades, que atitude o jovem de hoje
deveria tomar? Recomendo aquilo que eu e poucos colegas de faculdade fizemos e
deu certo: fazer diferença. Ah..., e a diferença não é ser o mais
inteligente da turma. Provavelmente pelo menos uns dez por cento tem QI igual
ou superior ao seu. A questão é fazer diferença em outro campo: DEDICAÇÃO! Não
fui autista coisa nenhuma, apenas fui focado nos objetivos e metas de estudar e
me preparar profissionalmente. Talvez, possa ser admitido o caso de um TEA bem leve, na categoria de alta performance, o
que explicaria a facilidade que tinha para aprender matemática, física, química
inglês e os idiomas francês, espanhol, italiano e até mesmo o Latim, língua que
ainda era utilizada nos textos sacros. aprendido e utilizado no Seminário onde
estudei por algum tempo. É bem verdade que tive dificuldades de me enturmar,
jogar futebol e outras atividades comuns aos jovens, preferindo ficar só...,
estudando, lendo ou ouvindo as rádios estrangeiras para praticar os idiomas. Confesso
que me preocupava por conta desse comportamento, estigmatizado como “anormal” à
época. Somente muito mais tarde vim a compreender que tenho o direito de ser do
jeito que sou e sinto-me aliviado e contente por sido assim e pude “fazer diferença”
Por
ser assim, focado nos estudos e na aprendizagem, não me sobrou tempo para
ocupar a mente com bobagens dicotômicas de esquerdismo ou de direita. Apenas
estudei com afinco. Hoje passaram a chamar isto de “hiperfoco” e está
classificado como sintoma de autismo, mas não é o único. Nem sempre o isolamento,
para se dedicar às tarefas, pode ser classificado como autismo. Na maioria das
vezes passa-se apenas como sujeito mal-educado, que só estuda, mas, lembrado
com “distinção” nos dias de provas, quando aqueles seguidores da lei do Gerson,
corriam a reservar para você um lugar bem ao lado deles, no fundos da sala de
aula. Identificada essa “distinção” interesseira, tratávamos de ser o último a
entrar na sala de aula e ocupava os lugares vazios, bem na primeira fileira, ignorando os chamados despistados: seu lugar
está reservado aqui, lá no fundão.
Façam
diferença, estudem muito! Desenvolvam suas habilidades e talentos. Educação faz diferença e um bom começo é meio caminho
andado para o sucesso. E o sucesso vem mesmo! Eu garanto, pois ele não vem por
acaso.
Brasília,
31 de julho de 2025
Paulo
das Lavras

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