quinta-feira, 31 de julho de 2025

O autista, mal-educado, esquerdista ou de direita. O que você foi, ou ainda é?

 

Sou autista..., eu disse recentemente, em alto e bom tom, ao iniciar uma palestra para alunos de graduação de uma universidade federal. Nem mesmo os cumprimentei, como de praxe fazem os professores ao iniciarem uma aula. Silêncio constrangedor. Chocados, todos me encararam. Propositadamente, também os encarei, em silêncio e com ar ainda mais sério, arrematei: também não sou esquerdista e nem de direita. Continuamos, todos, em silêncio por mais alguns instantes. Mas..., será possível que trouxeram para palestrar um doido, ou no mínimo um esquisito que não fala com ninguém, vai ficar mudo e de cara fechada...? Foi o que alguns pensaram, disse-me depois, no cafezinho, um dos alunos que também disse que ficou muito curioso para ver em que final aquilo chegaria.

A moda atual é o diagnóstico tardio de Transtorno do Espectro Autista – TEA, para qualquer um que tenha pelo menos uma das características desse mal do século XXI. Não bastam os diagnósticos para as crianças e adolescentes, os quais, diga-se, os pais não mais dão conta ou nunca as educaram o suficiente. Estavam muito ocupados com o trabalho fora de casa e terceirizaram a educação às creches ou babás mais em conta, de pouca ou quase nenhuma instrução, mas de tempo integral e ainda fazem outros pequenos serviços  da casa. É o “normal” dos dias de hoje, de uma sociedade ainda patriarcal, onde o marido machista não pode dividir as tarefas domésticas com a mulher. Esta, coitada, tem de cumprir jornada tripla e ainda estar à disposição do maridão que, tranquilamente assiste seu futebol na TV, o “descanso do guerreiro”, como gostam de dizer.  Pois bem, agora, não só os filhos, mas, também os pais recebem tal carimbo de autista. E parece que a moda pegou mesmo, pois o que ouço de amigos se “gabando”, sorridentes, ah..., eu também sou ou fui autista... Isto parece que alivia a culpa pelo mal que aflige o filho. Mas, pelo que fui e vivi na infância e juventude, tenho minhas dúvidas sobre tal diagnóstico para os adultos ou idosos de hoje. Não sou nenhum especialista em psicologia ou psiquiatria, mas tenho lá as minha observações, até mesmo para esses TEAs atribuídos às crianças, quando portadoras de algum problema comportamental. O problema está, na maioria das vezes, nas raízes. São mal-educadas e impõem vontades desmedidas, pois foram criadas sem a presença dos pais.

Outro dia assisti a um vídeo de um professor, relatando um caso interessante. Sua aluna norte-americana chegou mais cedo na sala de aula e foi conversar com o professor, pediu licença para fazer uma crítica aos brasileiros. Disse que estava assustada, porque aqui ninguém faz nada! Como assim, indagou o professor. Ninguém estuda, a sala de aula parece um mercado persa, uma vende trufas, outra, plano de viagem e outras, ainda, insistem para que compremos uma profusão de roupas, sapatos, e bijuterias de suas sacolas cheias e ainda organizam festas e vendem rifas. Nos Estados Unidos, quando eu não estava em sala de aula, estava estudando na biblioteca. Aqui, eu vou à biblioteca todos os dias e não encontrei um aluno. Ninguém faz nada aqui, não estudam! As pessoas falam sem saber o que estão falando. O professor simplesmente respondeu-lhe: bem-vinda ao Brasil! O que essa aluna norte-americana viu e sentiu é o retrato da realidade brasileira. Aqui, a realidade é o inverso da lógica, da seriedade, e é propagada pela TV, tornando-se um mote nacional: levar vantagem em tudo, na leveza e malandragem. Ninguém estuda, não cumpre sua obrigação, disse a garota norte-americana com a concordância do professor brasileiro. Mal sabe ela que o primeiro “civilizado europeu” que aqui pisou, no anos de 1.500, tratou logo de mandar ao “El Rei”, uma carta pedindo benesses para si. Outros vieram mais tarde para, literalmente, saquear o ouro, aproveitando também para amasiarem-se com as escravas índias e africanas e, assim, levarem vantagem em tudo, pois quem fazia o trabalho duro era o escravo. Tudo isso  ao contrário dos ancestrais da garota estrangeira, que chegaram de navio fretado, com a família e ao se instalarem nos Estados Unidos, a primeira providência foi construir uma escola para os filhos e uma igreja para a prática do culto de gratidão a Deus. Dedicaram-se à terra, derramando seu suor para conseguir o sustento de sua família. Esta é a diferença cultural, construir/fazer contra o levar vantagem em tudo, sem nada fazer. Uma garota estrangeira, com apenas alguns dias em nosso país, constatou isso. Por lá, existe um senso arraigado de se preparar para enfrentar os percalços da vida, trabalhar e produzir, com imenso sentimento de patriotismo. Numa uma rua em Nova York você pode contar dezenas de bandeiras americanas hasteadas nas fachadas dos prédios. Aqui em Brasília, a capital da república, contei apenas duas, fora da Esplanada dos Ministérios. Uma no início da W3 Norte e outra na L2 Sul – 613.

 

          Pura verdade o que a estudante estrangeira disse ao professor brasileiro. Aqui a regra é inversa à lógica e por isso, provoquei: “Sou Autista!”, reverberei aos alunos. Este teria sido o meu diagnóstico quando criança e adolescente. Com certeza, pois destoava de todos os demais. A moda era se enturmar, jogo de futebol, bola de gude, finca, ping-pong (tênis de mesa), natação nos riachos, caçadas de passarinhos e cavalgadas. Quando maior, as diversões em turma eram matar aula para jogar sinuca, fumar escondido (Continental mais forte ou Hollywood mais suave, eram os cigarros mais famosos, sem filtros nos anos 50 e com filtro nos 60 e eu os fumei bastante... rsrs). Lá pelos 17 anos, além das estrepolias mais comuns, apareciam as visitas a boates e as suas atrações de praxe. O menino que gostava de leituras e mais tarde metido a estudar, ler, compreender e absorver os conceitos de um tratado de literatura, química, física e matemática, ou aprender idiomas estrangeiros,  dedicava mais tempo a esses atividades em vez de enturmar-se em botecos e outros locais não muito recomendáveis. Assim, esses raros casos, atípicos entre a rapaziada, não raras vezes recebiam pechas de calados, entupidos, retraídos, caxias, cdf e outros qualificativos semelhantes ou piores. Tudo isso porque às vezes, ou quase sempre se recusavam a juntar-se à turma. Mas, o que faziam esses poucos “pirados” entre tantos outros? Ora, os “normais” eram os demais..., que nada faziam de produtivo para seu futuro. O “anormal”, pirado, encucado, meio tan-tan, seja lá que apelido recebesse,  cumpria sua obrigação de estudar, ir à biblioteca, pesquisar o assunto, matricular-se num curso complementar de línguas estrangeiras... “Normal” era mesmo não fazer nada e só flanar.

 

Tinha razão a estudante norte-americana ao criticar as colegas de sala de aula. Talvez nem soubessem, onde era a biblioteca da escola. Nos anos 60 eram poucas as escolas que mantinham biblioteca. No meu caso, na matemática, física, química, geografia e ainda nos idiomas inglês, francês e espanhol, me valia das bibliotecas particulares de cada professor. Além de atuar como monitor, ainda fazia, já no final do segundo grau,  traduções de textos técnicos de Física,  que eram distribuídos pelo professor Roussaulière Mattos aos alunos. De 250 colegas do segundo grau, somente um colega, Adelino Moreira de Carvalho, fazia o mesmo que eu e por isso, nos tornamos amigos desde então. Ele gostava e praticava o idioma alemão com os padres alemães do colégio, e também recebia livros emprestados dos professores. Na faculdade, apenas uma colega, Andirana Veiga, se aproximava desse perfil de interação com os mestres. Dos mestres, havia dois que se destacavam, os professores de Solos, Alfredo Scheid Lopes  e o de Fitopatologia, Paulo de Souza. Estavam sempre a nos incentivar e nos emprestavam seus livros particulares. Para o de fitopatologia, fiz traduções de artigos sobre doenças do tomateiro e da batata inglesa, retirados de capítulos de livros produzidos na Universidade da Carolina do Norte, onde o Prof. Paulo de Souza fizera mais tarde seu curso de doutorado (PhD). Lembro-me que, por ocasião se seu doutorado, eu trabalhava na Michigan State University,  na coordenação de 250 outros professores brasileiros em cursos de PhD espalhados por 32 universidades americanas e, de forma descontraída, brinquei: quer que eu ainda traduza artigos de fitopatologia, como nos meus tempos de seu aluno? Este e alguns outros, foram professores que fizeram diferença. Alfredão, de quase dois metros de altura, atleta medalhado no país e no exterior, especialista em Solos do Cerrado,  encaminhou-me para um estágio em São Paulo, em uma grande empresa produtora de fertilizantes e fali percorremos vários município produtores de hortifrutigranjeiros, cana de açúcar e café. Foi o maior aprendizado que absorvi na área do agronegócio.

 

Mas ainda no campo das bibliotecas, encontrei terreno fértil na USP, na Escola de Engenharia de São Carlos quando, no início dos anos 70, cursei pós-graduação na engenharia civil,  nas áreas de Hidráulica e Meio Ambiente. Nos conhecimentos biológicos dominava perfeitamente pois é parte essencial da agronomia, já na computação, aliás área emergente na ocasião, a dedicação precisou ser redobrada em Matemática superior, com Matrizes, Vetores, Probabilidades, Transformadas de Laplace, Álgebra Linear e outras que faziam parte dos  mínimos conhecimentos exigidos para se aprender Programação Computacional e criação de aplicativos. Não era fácil e o jeito era “morar, viver “ na biblioteca. Bibliotecárias qualificadas, experientes, bastava indicar o assunto e em poucos minutos retornavam com os principais títulos de livros e periódicos. Era só escolher os melhores, checando a ficha catalográfica que ficava na parte interna da capa e mostrava todas as consultas já realizadas  naquele título. Hoje temos o Dr Google que em segundos nos fornece o resumo de cada obra e mais, ainda, a inteligência artificial- IA que já compõe o texto desejado pelo cliente.  Mas, vejam, mesmo naquela Escola de Engenharia,  uma das melhores do país, a frequência à biblioteca não era como esperado, mesmo sem a existência da internet que hoje tudo resolve.  Já nos anos 90, passei a frequentar a biblioteca da UNB com maior assiduidade. Internet ainda engatinhando, uma novidade nos sistema de consultas e já me pareceu que os alunos a frequentavam com mais intensidade. Melhor assim, pois isto é o certo, como bem observou a estudante estrangeira que notou a falta de vontade de se dedicar aos estudos e apenas dará uma lida na matéria no dia da prova.

 

Mas, e a questão de se posicionar como de esquerda ou de direita? Ora, trabalhei no MEC por 35 anos, sendo trinta e quatro em tempo integral e mais um ano, anterior, como consultor eventual. Atravessei períodos distintos de governos de direita e de esquerda. Observei que a nossa Educação está impregnada das ideias do educador Paulo Freire que aliás, foi declarado, em 2012,  patrono da Educação Brasileira. Freire prega que a Educação deve ser um instrumento de libertação, conscientizando a população para uma transformação social, libertando o indivíduo da opressão, tornando-o participativo na sociedade. Para ele, o principal objetivo da Educação é criar consciência de classe. Educadores críticos à essa ideia, acham que Freire defende uma pedagogia doutrinária, que promove o comunismo, criando classes de cidadãos, tal qual na tese marxista, ao invés de se preocupar com a educação como instrumento de ampliação do conhecimento, para se formar cidadãos de fato, conscientizados, a serviço da produção e desenvolvimento da sociedade. Não se pode, como defende Freire, limitar a formação de massa de militantes da esquerda, pois no mundo inteiro os parâmetros de qualificação profissional são os do conhecimento das ciências. Por isso o Brasil é fraco, extremamente fraco, nos índices mundiais de classificação dos alunos, como o PISA-Programa Internacional de Avaliação de Alunos  e o IDEB, que é o índice de desenvolvimento medido nas avaliações de aprovação e desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica no Brasil (Saeb). No PISA, a última avaliação, de 2022, o Brasil ficou, na área da Matemática,  entre os últimos colocados, com apenas 379 pontos, 93 abaixo da média (472 pontos). Em ciências, a pontuação foi de 403 pontos, 82 abaixo da média (485 pontos). Em leitura, o desempenho brasileiro foi de apenas 410 pontos, muito abaixo da média de 476,  dos países da OCDE. O PISA também avalia domínios inovadores como resolução de problemas, letramento financeiro e competência global.  Há algo de muito errado na Educação Básica brasileira e enquanto perdura a tesse esquerdista de foco na formação de classes sociais, ficará difícil  para o Brasil sequer alcançar os índices de seus vizinhos Chile e Argentina, por exemplo, sem falar de países mais desenvolvidos.

 

Por outro lado, aqueles que. aqui no Brasil, se preocupam mais com a qualidade da Educação nas áreas tecnológicas, são às vezes taxados de “direitistas” e acusados de ignorar a educação de classes de cidadãos, como massas sociais. Não se trata disso, a educação não pode ser dividida dicotomicamente e nesse sentido colocar o foco principal, como desejado por Freire, unicamente no social, para supostamente “libertar o cidadão da opressão”. Formação social? Sim, mas não se pode colocar em segundo plano o desenvolvimento científico e tecnológico . Precisamos melhorar em Ciências, Matemática, Física, Química, Computação, Inteligência Artificial e quantas mais necessárias ao progresso técnico, científico e social.  Felizmente, na nossa área de atuação profissional contamos com verdadeiras e avançadas ilhas de desenvolvimento tecnológico, em condições privilegiadas de competição mundial na Agricultura e algumas subáreas da Engenharia.

 

 

            Fanatismo e Inteligência  nunca moram na mesma casa, já dizia o poeta e pensador Ariano Suassuna. Mas, diante de tantas diversidades e adversidades, que atitude o jovem de hoje deveria tomar? Recomendo aquilo que eu e poucos colegas de faculdade fizemos e deu certo: fazer diferença. Ah..., e a diferença não é ser o mais inteligente da turma. Provavelmente pelo menos uns dez por cento tem QI igual ou superior ao seu. A questão é fazer diferença em outro campo: DEDICAÇÃO! Não fui autista coisa nenhuma, apenas fui focado nos objetivos e metas de estudar e me preparar profissionalmente. Talvez, possa ser admitido o caso de um TEA  bem leve, na categoria de alta performance, o que explicaria a facilidade que tinha para aprender matemática, física, química inglês e os idiomas francês, espanhol, italiano e até mesmo o Latim, língua que ainda era utilizada nos textos sacros. aprendido e utilizado no Seminário onde estudei por algum tempo. É bem verdade que tive dificuldades de me enturmar, jogar futebol e outras atividades comuns aos jovens, preferindo ficar só..., estudando, lendo ou ouvindo as rádios estrangeiras para praticar os idiomas. Confesso que me preocupava por conta desse comportamento, estigmatizado como “anormal” à época. Somente muito mais tarde vim a compreender que tenho o direito de ser do jeito que sou e sinto-me aliviado e contente por sido assim e pude “fazer diferença”

 

  

Por ser assim, focado nos estudos e na aprendizagem, não me sobrou tempo para ocupar a mente com bobagens dicotômicas de esquerdismo ou de direita. Apenas estudei com afinco. Hoje passaram a chamar isto de “hiperfoco” e está classificado como sintoma de autismo, mas não é o único. Nem sempre o isolamento, para se dedicar às tarefas, pode ser classificado como autismo. Na maioria das vezes passa-se apenas como sujeito mal-educado, que só estuda, mas, lembrado com “distinção” nos dias de provas, quando aqueles seguidores da lei do Gerson, corriam a reservar para você um lugar bem ao lado deles, no fundos da sala de aula. Identificada essa “distinção” interesseira, tratávamos de ser o último a entrar na sala de aula e ocupava os lugares vazios, bem na primeira fileira,  ignorando os chamados despistados: seu lugar está reservado aqui, lá no fundão.  

 

Façam diferença, estudem muito! Desenvolvam suas habilidades e talentos. Educação faz diferença e um bom começo é meio caminho andado para o sucesso. E o sucesso vem mesmo! Eu garanto, pois ele não vem por acaso.

 

Brasília, 31 de julho de 2025

 

Paulo das Lavras



 Foto: Senado Federal

 


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