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O meu primeiro amor- Renato e seus Blue Caps:
Demorei, mas encontrei
O meu primeiro amor.
Para mim tudo na vida
Agora tem valor...
O meu primeiro amor,
Que eu tanto quis, enfim
Chegou pra mim - o amor...
Como é bom a gente ter
Na vida alguém pra amar.
Tudo agora é tão lindo,
Eu vivo a cantar...
Foi só no primeiro olhar e eu
senti, então
Senti, então, bateu forte como nunca o meu coração...
O meu primeiro amor!...
Ricardo sempre
foi um menino certinho, como era normal nos anos 50 a 60 e,
tal qual na música de 1965, dos Beatles, You Gonna Lose That Girl,
versão cantada por Renato e seus Blue Caps, com a letra na íntegra, acima,
demorou para encontrar o seu primeiro amor, pois foi seminarista, ainda que
apenas por um ano só. Mas não demorou nem tanto assim, pois foi ali, naquela
ampla varanda da casa da fazenda de uma tia, que sentiu pela primeira vez o
bafejo do amor, o coração palpitar a mil por minuto, por amor de uma linda
menina, vitória e glória de sua vida pelos próximos anos.
A educação em um Seminário, com seu regime enclausurado, monástico, é um regime bastante triste, para se dizer o mínimo. Era assim nos anos 50 do século passado. Não era maneira de se formar homens sociais, com certeza! Tolhe, inibe, coíbe todas as manifestações espontâneas da alma, a imaginação e o desenvolvimento afetuoso do coração dos meninos. Aquele devotismo austero, rígido e os rituais eclesiásticos cultuados 24 horas ao dia com liturgias, sermões, cânticos gregorianos, missas e leituras infindáveis do breviário em latim, em constante oração, não deixavam espaço e tempo para nada mais do que o culto à vocação e o aprendizado litúrgico e teológico. Os meninos não eram preparados para enfrentar a vida, mas apenas para serem os pregadores de doutrinas e conhecedores das raízes teológicas. Doutrinas e dogmas que, ao mesmo tempo,lhes cerceavam o direito de viver em sociedade, tornando-os inábeis para o convívio com pessoas normais que trabalham, se divertem, constituem família, praticam esportes, tiram férias e, enfim, levam a vida com normalidade, com erros e acertos comuns a todos os seus semelhantes. Os clérigos constituem-se em castas, de regime de vida fechado, isolado da vida real, lutando contra as manifestações do corpo e da alma. Aqueles que passam alguns anos reclusos em seminários e desistem de seguir a carreira eclesiástica, apresentam problemas quando voltam para casa. Quanto mais tempo no seminário, maior o problema de reajuste à vida social. Por mais inteligentes e instruídos que sejam, passam por dificuldades quando em sociedade. Ficam inibidos, retraídos ao extremo e, pior, se porventura têm natureza tímida ficarão assim para sempre.
Ricardo foi
para o Seminário ainda menino, aos 12 anos, por única e exclusiva vontade própria.
Ninguém lhe sugeriu e tampouco o obrigou, mas, mesmo assim lá ficou apenas um
ano e voltou definitivamente para casa. Não tolerou a clausura e o freio que
lhe foram impostos, embora até apreciasse a rotina litúrgica com seus cânticos em
latim, as aulas de piano e o domínio da voz no coral ensaiado diariamente no
horário de recreio. Clausura, freio psicológico e ausência dos entes queridos
não são coisas facilmente toleráveis. Ficar preso entre quatro paredes, em meio
a dezenas de colegas, em absoluto silêncio, amarrado aos estudos e à oração,
era de fato uma tortura para o menino de 12 ou 13 anos acostumado que foi à
liberdade, seja na cidade ou na fazenda onde passava férias.
Além da clausura, Ricardo se
digladiava com sua própria consciência que se recusava a aceitar certos dogmas
da igreja. As respostas dos padres para essas questões mais espinhosas nunca
eram convincentes. Um deles respondeu-lhe de pronto: “O povo gosta de circo”. A
pergunta se referia ao culto de imagens e certos ritos religiosos,
indagando-lhe, qual a razão de haver procissões com imagens de barro carregadas
em andores e encenações de crucificação se o nosso Deus é Espírito e quer
apenas a felicidade de seu povo e não o sofrimento? “O povo gosta de circo”... e Ricardo se calou,
porém não concordou e contou mais tarde aos amigos que havia pensado em
responder ao padre, dizendo-lhe que não se pode fazer o povo de escravo da
ignorância. Era preciso instruir o povo, explicando melhor sobre a
espiritualidade de Deus e não transforma-lo em imagem de barro e colocar um
cofre a seus pés para oferendas de promessas e graças supostamente alcançadas
por “intercessão” de intermediários divinos, os santos de devoção de cada fiel.
Ricardo pensava tudo consigo próprio e suas meditações eram verdadeiras orações
dirigidas diretamente ao Criador. Contou aos amigos, anos depois, que aquele
frustrante diálogo se passara em abril, durante a Semana Santa e se porventura
tivesse replicado à resposta imbecil daquele padre teria sido expulso no ato.
Mas,
o garoto, adolescente abandonou o Seminário logo no final do primeiro ano
letivo. De volta à casa, passou os primeiros meses inibido, cansado de dar
explicações aos familiares e amigos que se surpreendiam com sua presença na
cidade já no período aulas. Passou por momentos difíceis com a sua própria
alma, sua vida. Aos poucos foi se libertando daquele “problema” de ter deixado
o seminário, contrariando certos dogmas da igreja e abandonado o desejo de ser
padre, pastor de almas e ainda ter que dar explicações para todo mundo. Afinal,
lá ficou um ano só, o suficiente para renegar o estilo de vida monástica e
conhecer certas hipocrisias de alguns religiosos que pregavam algo e agiam de
outra forma. Pesou muito aquela posição de ironia e culto à ignorância dos
fiéis, quando lhe responderam que o povo gosta de circo. Ora, as coisas de Deus
não podem ser tratadas como circo ou diversão. A alma é sublime., grandiosa e
reflete a presença de Deus.
Pouco mais de
um ano se passou e as férias escolares chegaram. Como era costume no interior,
com famílias conservadoras, aos meninos era permitido passar férias na casa de
parentes, geralmente nas fazendas de tios ou mesmo em outras cidades. Ricardo,
já recomposto e integrado ao seu meio,
embora ainda com algumas reservas, foi passar as férias na fazenda Vista
Alegre, pertencente a uma de suas inúmeras tias, situada bem próxima fazenda de
seus pais. Lugar conhecido, casa grande, bonita e ampla vista para as distantes
montanhas, gado, cavalos para passeios, era tudo que Ricardo queria...,
descansar, desfrutar do bucólico lugar e meditar sobre a nova vida que se
iniciava.
O tio levava semanalmente revistas e livros de bolso de histórias de far-west. Não era bem o estilo de leitura de Ricardo que estava acostumado aos clássicos, mas acabou gostando de O Coyote, escrito por J. Malorqui, um seriado mensal de umas 100 páginas em formato de livro de bolso, com histórias da resistência dos hispânicos à conquista americana da Califórnia. As leituras desse estilo literário serviam-lhe para atenuar o turbilhão de conflitos religiosos que ainda povoavam sua mente.
Mas,
tudo isso, as cavalgadas, os passeios pelas matinhas e ribeirões e até a
leitura do Coyote, desapareceu como num passe de mágica desde o dia em que
chegou à fazenda a linda menina, Glória Augusta, irmã de coração de Tibério, o
marido de sua tia Ivana. Ricardo ficou desconcertado com a menina de seus 14
anos e simpatia sem igual. Cabelos longos, sedosos e sorriso maravilhoso, foi
logo flechando o menino inexperiente nessas questões do coração. Como na letra
da versão de Renato e seus Blues Caps, o menino Ricardo assim se sentiu:
“Foi só no
primeiro olhar e eu senti, então, senti, então..., bateu forte como nunca o meu
coração...., encontrei o meu primeiro amor! Para mim, tudo na vida agora tem
mais valor, tudo é tão lindo e eu vivo a cantar!”
Motivos não faltaram a Ricardo para se sentir daquela maneira, pois, além
de tudo, a linda menina, Glória, revelou-se
muito culta, polida e estudava no melhor colégio interno da cidade. Irradiava alegria com seu
belo sorriso. Coincidentemente, viera também usufruir da hospitalidade e
belezas da fazenda Vista Alegre. Mas, imediatamente alguém percebeu o “clima”, foi a tia Ivana, que fez o maior gosto naquele
despertar juvenil para o amor.
Os
dias se passavam, passeios juntos pelo pomar em busca de frutas, o moinho de
fubá, a usina de produção de energia elétrica com um pequeno gerador movido
pela água represada acima, os passeios a cavalo, tudo agora lhe parecia encanto ao lado da
formosa donzela. Em menos de uma semana Ricardo entrara definitivamente no
“paraíso”, das paixões recíprocas, talvez pelo elo comum de que ambos passaram
por experiências quase idênticas, o internato. Ela com menor rigidez, pois no
seu internato colegial lhe era permitido passar alguns fins de semana com
parentes, na cidade ou na fazenda de seus pais. Mas, nos primeiros dias a
aproximação, ou melhor, a revelação dos sentimentos mútuos foi bem difícil.
Olhares de soslaio, sempre temerosos da reprovação da tia que a tudo estava
atenta e, principalmente a inibição própria dos adolescentes. Como iniciar uma conversa?
O que dizer? Como se expressar? A grande emoção do primeiro amor lançou uma
nuvem sobre a alma do menino e mais, com o coração disparado faltava-lhe fôlego
para falar. Falar o que se a língua ficou paralisada, travada, engasgada mesmo.
Dia seguinte, ainda meio mudos em relação aos sentimentos, estavam os dois na
varanda coberta da casa da fazenda conversando amenidades de colégio,
professores e colegas, quando Glória, sorridente e com ar provocador, correu
para o canto da varanda. Ricardo levantou-se, correu atrás e a encantoou entre
a parede e o guarda corpo da varanda em ângulo de 90º, cercando-a
com os braços abertos. Surpreendentemente ela o abraçou, com olhar mudo e o
primeiro beijo aconteceu espontaneamente, apenas o roçar dos lábios, puro, e
por um átimo de tempo, mas o bastante para marcá-los como “eternos” apaixonados.
Refeitos do “susto”, trataram de se afastar um pouco, até por medo de que a tia
os vissem. Mudos estiveram antes e durante aquele enlace espontâneo. Parecia
que o mundo desabou, tal a intensidade dos sentimentos. Nenhuma palavra foi
dita. Já assentados nas cadeiras de balanço da varanda, cada qual imergiu em
profunda meditação, imaginando o quão lindo era aquele estado de paixão da alma. Como era lindo o amor. Com o coração a mil, Ricardo caiu na real e deu graças a
Deus por aquele belo e puro sentimento de amor. Adeus seminário, aliás, adeus
às lembranças daquele tempo de clausura, adeus a rezar e fazer penitências
diárias com promessas de futura carreira ,sacerdotal... Tudo
fugiu de repente, desapareceu da mente do menino adolescente, pois a paixão pela
linda, meiga e sorridente menina foi maior que tudo e prometia um futuro só de
alegrias e amor. Que benção, tudo diferente e infinitamente melhor, pois o amor
compartilhado reforça os sentimentos da alma que se une a outra e nunca mais se
sentirá só ou aprisionada O amor liberta e o poeta Renato Barros bem
disse em sua canção acima: ... Para mim, tudo na vida agora tem mais valor, tudo é
tão lindo e eu vivo a cantar!”.
Ninguém dormiu naquela noite, tal a excitação da alma. Nem Ricardo, nem a menina Glória que, dia seguinte lhe dissera isso entre risos de alegria. Aliás, o dia seguinte foi a vez de ambos falarem. Ricardo, sentiu-se livre contou as agruras que passara no Seminário, mas que tudo se evaporara na tarde daquele memorável dia anterior. Desapareceram por completo aquelas lembranças dos tempos de solitário internato. Agora, já de mãos dadas, ali na mesma varanda onde tudo se iniciou, sentia-se leve, solto, flutuando. Glória contou-lhe sobre a rotina de seu internato, comandado por religiosas norte-americanas com disciplina bem rígida e sem nenhum contato com rapazes. Tinham permissão apenas para ficarem, nas noites de sábado, debruçadas sobre a mureta que separava o colégio em dois níveis, com a calçada da principal praça da cidade um pouco mais baixa. Morriam de inveja dos casais de namorados e muitos outros rapazes e moças que faziam footing. Apenas olhavam de longe sob supervisão das missionárias. Nenhum rapaz ousava se aproximar daquela calçada e se dirigir às meninas, mas mesmo assim Glória fez Ricardo prometer que todos os sábados fosse vê-la, ali naquela mureta, ainda que distante, pelo outro lado da rua e sem se aproximar da mureta. Fizeram juras de amor e trataram de achar uma forma de dizer à tia Ivana e pedir-lhe para que não deixasse Tibério saber do romance. Temiam que ele não aprovasse e os mandassem de volta, cada qual para a casa de seus pais. Nunca soubemos se ela contou ao marido, pois o importante era que ela, a tia, vibrou com o romance de seus queridos adolescentes, relembrando-lhe sua própria juventude. Também ele, o tio apreciador de contos do velho Oeste, nunca presenciou qualquer situação que pudesse denunciar a proximidade dos jovens apaixonados.
Ricardo, o
seminarista até os 13 anos e tanto, tinha 15 ao iniciar o namoro com a menina
Glória de 14 anos. Trocaram juras de amor e se encontravam nas férias escolares
do meio do ano e nas de dezembro a fevereiro, sempre na fazenda dos tios onde
tudo começou. Costumavam passear a cavalo, com os tios até a fazenda de seus
pais, numa cavalgada de uma légua. Era
divertido passar ali alguns dias, onde também se reuniam os primos e até mesmo
algumas colegas de internato de Glória. Difícil era suportar os olhares das
amiguinhas que ainda não tinham tido um amor para curtir. Mais difícil ainda
era guardar segredo de modo que os pais da menina de nada soubessem. Ricardo
era muito benquisto e por isso não despertava suspeita alguma. A fazenda dos
pais de Glória era bem maior, com ampla produção de café e leite, com fábrica
de laticínios que produzia os melhores queijos da região, exportados para o Rio
de Janeiro, maior consumidor desses famosos produtos do sul de Minas.
O
romance do menino ex-seminarista durou quase três anos. Terminaram o namoro nas
férias de um fim de ano. Ricardo temia a reação dos parentes, especialmente de
Tibério que estava sempre atento e rigoroso como era, jamais admitiria que algo pudesse acontecer com aquela jovem hóspede de sua fazenda. As famílias eram muito ciosas naqueles anos
50/60 e o namoro, para os padrões patriarcais de então, somente era permitido
quando os jovens já tinham planos e condições para se casar. Muito cedo ainda
para os jovens de 16/17 anos. A última vez que Ricardo viu sua adorada e bonita
Glória Augusta, foi em março de 1964, já algum tempo depois de terem terminado o namoro.
Participava do trote de calouros da faculdade, os quais eram obrigados a
desfilar de tanga e ligeiramente alcoolizados, ao longo da mureta que separa o
colégio da praça principal da cidade. Todas as demais 200 meninas do internato
ali estavam, debruçadas a contemplar aquele bizarro desfile de calouros da
faculdade. Glória lá estava e sabia a quem deveria procurar com os olhos entre
os calouros fantasiados e em plena algazarra semi-etílica. Felizmente ela não
viu aquele com o qual dividiu seu coração por bastante tempo e que ali estava e
nunca mais o vira. Ricardo portava um
grande cocar de penas coloridas e tinha a cara pintada de vermelho e preto. Ao
avistar Glória, a linda menina que foi a vitória augusta de sua vida, bem ali,
a um metro acima de seu colorido cocar indígena e cercada pelas colegas por sobre a mureta assistindo ao ridículo espetáculo, o rapaz bastante
envergonhado cobriu o rosto pintado com o lenço que estava dependurado em sua
lança indígena simbolizando uma bandeira de guerra ou competição. A flecha que
flechou seu coração não existia mais, quebrou-se para sempre. Passou-lhe pela
mente aturdida um misto de alegria e tristeza, sem ainda entender os desígnios do destino. Ricardo nunca mais viu a menina Glória, que, no ano seguinte
concluiu os estudos, deixou o internato, casou-se e foi cuidar de negócios da
família numa cidade vizinha, disse-lhe sua tia Ivana muito tempo depois. Ricardo
também se casou e constituiu família.
Sufocada a paixão ainda latente no peito, outras preocupações ocupariam a mente do menino. Já adulto, na universidade, era hora de priorizar seus projetos profissionais, mas as lembranças de Glória lhe traziam satisfação, pois aquele amor, puro, quase pueril, serviu-lhe para apaziguar a alma angustiada que muito lhe incomodava antes de conhecê-la. A dúvida estava sempre a martelar sua mente. Aquela drástica decisão de abandonar o Seminário. Teria sido correta? Não deveria ter se proposto a realinhar suas críticas aos dogmas eclesiais? Mas, a dura rotina clériga e enclausurada e principalmente as suas “desavenças”, nos mais profundos escaninhos da alma, o deixaram confuso, introvertido, diante de uma sociedade que tudo lhe inquiria e queria saber. Teria agido certo, sufocar aquela vocação de pastor de almas? Por que tantos lhe cobravam explicações? Teria sido algo muito errado? Mas, Deus, zeloso para com seus filhos puros de coração, cuidou de mandar-lhe um consolo para o coração ferido. A encantadora menina Glória, com sua meiguice d´alma, simpatia e beleza natural, dedicou-lhe afeto e assim, indiretamente, o fez compreender que a vida é amor e que há caminhos distintos para ser feliz. Ricardo nem entendera muito bem o quão auspicioso foi para a sua alma a presença de Glória Augusta. Ela lhe trouxera confiança, paz, amor pela vida sofrida diante da emblemática e dolorosa decisão que tivera que tomar, abandonando a vocação sacerdotal. Gostava de dizer, tempos depois, que o sacerdote, ou pastor, alimenta a alma das pessoas e ele, Ricardo, não conseguiu ser um pastor de almas para a seara do Senhor, como desejava aos 12 anos, mas tornou-se produtor de alimentos e assim, na seara dos campos das terras do Senhor, produziu alimentos que nutriram, não a alma, mas os corpos que são o sacrário da alma. Há lugar para todos que praticam o bem. Deus foi misericordioso demais para com o menino que tomou importantes decisões desde os 12 anos de idade. Enfrentou a solidão e o isolamento em clausura, longe dos amiguinhos e da família, enfrentou dilemas dogmáticos na religião e sofreu cobranças de todos por esses atos. A presença de Glória Augusta, que inesperadamente chegou para ocupar seu coração, foi um bálsamo para a sua alma sofrida.
Ricardo,
sempre foi grato a Deus por lhe conduzir nos caminhos certos da vida e afirmava
isto com frequência aos amigos. Para ele, a estada no Seminário se por um lado
foi dura, cheia de solidão e dilemas religiosos, por outro moldou-lhe o caráter
na retidão, iniciando-o na arte da meditação, como decorrência dos momentos de
solidão quase sempre devotados à oração a Deus. Ali, pôde também cultivar e
esmerar o aprendizado das artes, da cultura, das letras e muitos idiomas
estrangeiros, além das músicas clássicas e cânticos gregorianas, num ambiente
de respeito, de estudos e muita fé, que nunca lhe deixava tempo e espaço para
os maus pensamentos. Sua volta para casa foi seguida de questionamentos e
colocada em dúvida por todos e às vezes vacilava em relação à drástica decisão
tomada por conta própria. Mas, em meio a esse turbilhão de dúvidas que lhe
ocupavam a mente, apareceu Glória Augusta que por três anos ajudou-lhe a
compreender que havia outros caminhos para a vida, lindos, e que mereciam viver
a cantar com a alma repleta de alegrias. Seus tios, Ivana e Tibério, sem querer
e sem saber, abriram-lhe a janela descortinando a nova vida para o coração do
menino em puro e doce amor juvenil. Deus estava presente.
Certamente foi assim, pois, Ricardo embora nunca
mais tivera visto Glória Augusta, contava essa história até o dia de sua partida final, em paz!
Brasília, 29
de setembro de 2023
Paulo das Lavras