Você sabe por que você tem facilidade ou dificuldade em relembrar fatos acontecidos na sua infância?
Você sabe por que você chega ao supermercado e só se lembra de um item dos três que deveria comprar?
Descobri que pesquisadores da Universidade da Pensilvânia
demonstraram que crianças, em ambientes com laços afetivos fortes, desenvolvem
mais rapidamente habilidades nos campos da linguagem e da memória. As crianças
sujeitas a estímulos cognitivos, como jogos e atividades educativas, se saíam
melhor em exercícios de linguagem, enquanto as que recebiam mais atenção se
destacavam em testes relacionados à memória. As crianças foram observadas dos 4
aos 8 anos e o teste foi repetido com elas já adolescentes. Concluiram os
autores, diante de testes cognitivos e exames de ressonância magnética no
cérebro, que aquelas que receberam maior atenção e estímulos aos 4 anos, tinham
a região do hipocampo maior e respondiam com maior acerto as questões. O
hipocampo é a região do cérebro responsável por guardar lembranças e
experiencias. E por que alguns guardam mais
lembranças que outros? Simples, segundo Rubens Wajnsztein,
neurologista da infância e da adolescência, tudo dependerá de como a criança
foi tratada, criada na primeira infância. Os primeiros mil dias de vida são um
dos principais momentos para a criança adquirir um ganho maior de aprendizagem.
Por isso, atenção e afeto são fatores importantíssimos nesse período e hoje,
compreendo melhor que as mães que trabalham fora deveriam matricular seus bebês
em creches, em vez de os deixarem com babás, a maioria desqualificadas para a
educação infantil. Nessa fase de crescimento são formadas trilhões de conexões
neurais, as trilhas chamadas de sinapses.
A criança precisa receber estímulos. Sem estímulos
não se formará a trilha neural responsável pelo encontro dos impulsos elétricos
das células. Assim, sem estimulação, setores específicos do cérebro deixarão de
funcionar, pois “não foram treinados” e deixaram de abrir, criar, a “trilha” por
falta de trânsito intenso. Assim, não aconteceu o engrossamento, o espessamento
do calibre neurológico. Quanto mais “grosso”, espesso esse caminho, maior terá
sido o “tráfego do treinamento”, como na decoreba em que repetimos muitas vezes
o enunciado que queremos decorar, memorizar. Por outro lado, quanto maior o
calibre do circuito neurológico, mais rápido e intensamente circularão os
impulsos neurais (elétricos) em busca das informações ali armazenadas. Quanto
mais “stress” (as repetições da decoreba, por exemplo), mais se engrossa o
calibre da trilha e assim, por essa “larga e ampla avenida” chega-se mais
rápido ao armazém da memória. Simples assim, o processo repetitivo da
“decoreba” engrossa os feixes de neurônios a tal ponto que depois, devido a
velocidade facilitada naquela grossa via, instantaneamente nos lembramos da
resposta à questão perguntada nas provas do colégio.
Em relação à essa teoria comprovada pelos
cientistas, de estímulo e desenvolvimento da capacidade cognitiva, tenho duas
experiências opostas e muito marcantes ocorridas na infância. A primeira,
bastante positiva foi que, em decorrência de delicada cirurgia torácica,
passei, literalmente, nove meses no colo de mãe, pai e demais familiares. Com
100% de atenção e afeto o menino pôde desenvolver, com melhores condições, as
habilidades cognitivas como a memória, linguagem, raciocínio lógico, percepção
e aprendizado. A segunda experiência, porém, de cunho negativo, foi um acidente
que feriu o olho direito, cegando-o, por impedir a entrada de luz.
Decepcionado, anos mais tarde, quando quis fazer um transplante de retina, mas,
ouviu do médico oftalmologista: “impossível você enxergar, ainda que uma nova
retina lhe seja implantada, pois seu cérebro não “criou” as trilhas que levam a
luz captada e reproduzida pela retina e a transforme em imagens”. A parte de
seu cérebro, responsável por receber a luz, não saberá identificar os estímulos
luminosos, completou o oftalmologista. Assim, perdi para sempre a visão do olho
direito pois à época do acidente, aos 5 anos de idade, não havia recursos
técnicos para implante de retina. Não entrou luz nenhuma depois e, então, as
trilhas se retraíram, “morreram” e hoje aquela parte do cérebro não tem
capacidade para produzir imagens. Assim, de nada adiantaria um transplante com
nova retina. Dois exemplos, portanto, um com estímulo e outro sem estímulo algum.
No primeiro desenvolveu-se a inteligência, enquanto no outro “matou-se”
completamente a visão de um olho por falta de estímulo proveniente da retina. Contento-me
com a visão monocular, mas por outro lado regozijo-me pela facilidade de
raciocínio cognitivo e principalmente pela memória privilegiada em relembrar,
com clareza, os acontecimentos desde os dois anos de idade, como também a facilidade
nas ciências exatas, letras e aprendizado de idiomas. Felizmente não prosperou
em mim a sofomania, mas sim a curiosidade pelo saber e facilidade no
aprendizado.
De outra
parte, em situação oposta, temos os exemplos de crianças rejeitadas na infância
e que na vida adulta se tornam revoltados, de mal com a vida e não raras vezes
escambam para a marginalidade. O Dr Antônio Lisboa, conceituado pediatra em
Brasília, mapeou a vida de inúmeras crianças e afirma com segurança:
“do ponto de vista da personalidade, do caráter e do
comportamento, somos o que éramos aos 6 anos de idade, ...., portanto, as
medidas para prevenir os distúrbios da personalidade e do caráter terão que ser
tomadas antes dos 6 anos, preferencialmente antes dos 3”.
Felizmente, sempre haverá maioria de crianças que têm
assistência completa dos pais durante a primeira infância, com melhores chances
de se tornarem adultos dotados de mentes sadias e brilhantes. Uma amiga,
contemporânea, órfã de pai, teve sua infância cercada de atenção e afeto por
parte de familiares e amigos, desde os primeiros dias da orfandade, quando
sequer conhecera o pai, pois ainda era um pequeno bebê de colo. Sua vida foi
distinguida pelo brilho da inteligência e grande capacidade de amar o próximo.
No colégio era a preferida pelos professores, tanto pela sua alegria como pela destacada
inteligência. Não resta a menor dúvida que o amor dedicado às crianças se
reverte em benefícios imensuráveis por toda a vida.
Mas e a questão do “esquecimento” da lista de apenas
três itens de compras no supermercado? Esta é outra questão e nada tem a ver
com a formação das trilhas neurais, sinapses, durante a infância. Aqui trata-se
de outra questão, o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade,
conhecido por TDAH. É o mesmo que não se lembrar onde deixou a chave do carro
ou o celular. Essa é uma angústia mais comum que se possa imaginar, não saber
onde colocou o controle remoro da TV, aquele documento especial bem guardado...,
enfim são lapsos que podem ocorrer com qualquer pessoa, independentemente da
idade. Mas, geralmente acontecem com mais frequência com aqueles que tem mentes
agitadas, inquietas, fervilhantes e que sempre as têm ocupadas na busca de
solução de problemas outros ou novas ideias que neles surgem a todo instante.
Perdemos as coisas por desatenção, pois não nos concentramos naquela ação de
guardar um livro ou memorizar a pequena lista de supermercado. Pensamos outras
coisas e não naquela pequena tarefa. Por essa razão, a desatenção, não
codificamos na memória a informação de onde guardamos as chaves, o livro ou o
que devemos comprar, embora a lista de itens seja mínima. Nossa mente estava
ocupada com outros pensamentos mais importantes do que aquelas pequenas tarefas
e daí vem o esquecimento que, neste caso, é conhecido por “transiência”, ou
redução da acessibilidade da memória com o decorrer do tempo (transitório, que
não dura). É o oposto do stress da decoreba, da repetição do assunto para que
fique gravado na memória para sempre, ou na melhor das hipóteses até o dia da
prova da matéria do curso. Ou seja, no caso da “transiência” não houve formação
de sinapses, as trilhas neurológicas.
Muitos se preocupam com tais esquecimentos e até pensam que a mente está falhando e talvez seja sinal da doença de Alzheimer, mas nem se lembram que o fato se repete desde jovem e nada tem a ver com declínio cognitivo, a chamada demência e sim com o déficit de atenção, próprio das mentes fervilhantes, inquietas. Para quem já sofreu muito com esses “esquecimentos” de pura desatenção, recomendo alguns truques que tenho usado há tempos e que nos salvam do desespero, da agonia de não nos lembrarmos de algo importante, ainda que momentaneamente. Neste particular, aprendi muito com os norte-americanos, com os quais trabalhei por quatro anos aqui e nos EUA. São extremamente organizados e obedecem às hierarquias dos cargos e funções. Registram tudo que lhes foi dito, em forma de Memorandum, seja em reuniões presenciais ou via telefone, conforme cópia abaixo, onde foram transcritas todas as decisões tomadas num simples telefonema, daqui do Brasil com o administrador de nosso escritório nos EUA.
Um clássico Memorandum vindo do nosso escritório em Michigan, nos EUA. Registram-se todas as decisões tomadas na conversação telefônica entre o diretor/Brasília e o coordenador de campus.
Foto do autor- arquivos do MEC
Contumaz deficitário de atenção no clássico modelo
psicanalítico, adotei de imediato o sistema americano de tudo registrar, até
mesmo como lembrete para mentes agitadas que, quando sintonizadas em problemas
maiores e mais importantes, não prestam atenção e por isso não codificam na memória
as informações menos importantes que são recebidas naquele momento. Os registros
manuscritos, digitados ou de imagens, são as maneiras mais práticas de se
combater a desatenção, a dificuldade de se lembrar algo que, dada a
circunstância, não foi “registrado” na mente, no típico padrão de TDAH. Nem
sempre podemos contar com eficientes secretárias e assistentes técnicos que
tudo anotam, preparam expedientes e até nos lembram dos cuidados com a saúde no
clima seco de Brasília que exige constante hidratação do organismo.
Na segunda foto, equipe de assitentes técnicos e secretária, em Brasília, tendo ao centro o zeloso garçon com cafezinho e água de hora em hora, providência sempre esquecida pelos que têm déficit de atenção. Ali, estávamos bem assessorados e não havia “esquecimento” da água no seco clima do planalto central.
Mesmo com todas as facilidades proporcionadas pelas
assessorias e serviços, buscamos criar regras e pequenas atitudes que pudessem
minimizar os efeitos dos constantes “esquecimentos” do portador de TDAH. Experimente,
veja as dicas que colecionei em 50 anos de atividade profissional,
principalmente de outras culturas, como a sociedade norte-americana que é
bastante pragmática:
– escreva bilhetinhos com lembretes. Liste as atividades
para o dia que se
inicia. Carregue-os consigo e confira algumas vezes as tarefas. Hoje os
celulares têm dispositivos de agenda e anotações, com busca extremamente
facilitada.
- deixe cada coisa no lugar certo, não troque de
lugar objeto nenhum, nem mesmo
a escova de dentes ou as roupas em gavetas já definidas.
- não desarranje o layout de seu escritório. Em dias
de faxina, supervisione a empregada e comande a operação. Não confie nos
arranjos e decoração de autoria dela. É preferível sua bagunça onde você sabe e
vê o lugar de cada livro, documentos ou objetos de uso no ambiente.
- quando estacionar o carro observe bem o local,
anote ou fotografe a placa indicativa do setor, principalmente em grandes
shopping centers. Certa vez num deslocamento do MEC para um hotel onde deveria
apresentar palestra em evento, fui no próprio carro, pois o carro oficial
demoraria. Terminada a palestra o carro oficial já estava me aguardando e
tranquilamente voltei nele para o Ministério. À noite, no final do expediente,
bateu o pânico... “roubaram meu carro aqui no estacionamento do MEC”, bradei
para o segurança da portaria. Mas, professor..., eu vi o senhor chegar, depois
do almoço, no carro oficial e não no seu próprio... Só então atinei para o fato
de que havia esquecido o carro no hotel e lá fui buscá-lo, gargalhando do meu
déficit de atenção, da cara de espanto do porteiro do Ministério e o riso
contido do mesmo motorista.
- Cuidados
em viagens:
- quando dormir em hotéis ou ambientes estranhos, memorize o layout do quarto:
os armários, geladeira, telefone, tv, portas de saída e principalmente do
banheiro, etc. Apague a luz, tente localizá-los mentalmente e depois acenda a luz
e confira. Faço isto sempre, desde quando, ao levantar-me no escuro, bati com a
cabeça na TV afixada na parede.
- fazendo as malas... Antes
disso, ainda em casa, faça uma checklist de documentos de trabalho, roupas e
objetos de uso pessoal que deverão ser levados na viagem. Ao deixar o hotel,
confira cada ambiente de seu quarto, abra armários, gavetas e toque o seu interior
com as mãos, como a tatear em busca de algo, pois assim haverá tempo para se
concentrar e o cérebro racionar em cima de possíveis objetos ali guardados e
esquecidos. Não deixe de olhar debaixo da cama e no cofre, locais campeões para
se esquecer algo, até mesmo passaporte e dinheiro. Barbeadores elétricos havia
coleção no escritório, pois os hotéis nos EUA costumam fazer a cortesia de
devolvê-los pelo correio.
- cole
uma fita bem colorida circundando sua mala de viagem. Isto ajuda a identificá-la
na esteira do desembarque nos aeroportos e evita enganos de se pegar malas
alheias ou levarem a sua. Certa vez emprestei uma mala para a filha. Ao
desembarcar em Florianópolis lá estava um colega de trabalho a esperá-la. Ao
ver a fita espalhafatosa com as cores do arco-íris quis saber a razão. É de meu
pai, disse ela. De pronto o amigo perguntou: ele é gay?...rsrs. Quando me
contou, tratei de retirar a faixa “colorida de arco- íris” e coloquei uma
vermelha bem destacada.
- na recepção do hotel, quando do checkout, confira
os bolsos para não levar as chaves do quarto. Nos EUA as chaves tinham etiqueta
de plástico com o nome e endereço do hotel. Caso você a levasse por
esquecimento, bastaria colocá-la na primeira caixa de correio que encontrasse,
em qualquer parte do país. Hoje quase não é necessário pois a maioria das
chaves é digital.
Em outras situações:
- use
trechos de música ou frases mnemônicas para se lembrar de seus itens. Quando
estudante de agronomia, o professor da disciplina de Geologia, Alfredo Sheid
Lopes, fazia-nos memorizar a escala de dureza dos minerais com a seguinte frase
mnemônica: Tia Gertrudes, CAso Fores Passear,
QUeira Trazer COisas Doces... Assim era fácil se lembrar escala de dureza
mineral: 1-talco, 2-gipsita, 3-calcita, 4-fluorita, 5-phósforo (assim mesmo, com “ph”), 6-quatzo,
7-topázio, 8-corindon e 9-diamante, o mais duro dos minerais e até usado para
cortar vidros. Numa de minhas viagens à Lavras, 55 anos depois daquele ano de
1965, quando aprendi a escala de dureza dos minerais, encontrei-o no banco da
praça central. De longe gritei aquela frase mnemônica que ele nos ensinara...,
gargalhou muito e exclamou... “o Paulo bagaço sempre foi bom aluno...”. Meses
depois, em 23 de maio de 2020, ele, o querido e saudoso Prof. Alfredão, faleceu.
Inesquecíveis, ele e seu método de ensino. Uma parte de nós que se foi, mas
ficou eternamente no coração a figura do grande mestre.
- diga em voz alta o lugar dos objetos que
você guardou
- procure não entrar em pânico
com os esquecimentos, naquele famoso “deu branco”, pois se estiver calmo o
cérebro poderá até se lembrar dali a instantes. É como se você tivesse feito um
boot no computador (desliga/religa) quando ele não está respondendo. Ao
religar, a memória será reiniciada sem o tilt.
- nos livros e anotações destaque as
palavras-chaves com marca textos
- no computador ou celular use a tecnologia
digital, com alarmes, para marcar datas, eventos e anotações.
- use o GPS do carro ou do celular, sempre.
Foto do autor – Esal/Ufla 2012
Como se vê, para tudo pode-se dar um jeito. Não
deixe que o TDAH torne sua vida um inferno. Nem ligo mais para os meus
esquecimentos ou lerdeza, como se dizia antes. Já no campo das memórias e
sinapses positivas, relembro aqui um velho e verdadeiro adágio que reforça as
teses dos pais, avós, psiquiatras infantis, psicólogos e pediatras que julgam
que o amor, afeto e atenção à infância estão na base do desenvolvimento da
personalidade, do caráter da saúde mental e sobretudo da inteligência da
criança, adulto de amanhã:
“Aquilo que o coração amou a
memória não esquece. Criança amada, adulto feliz!”
... e ainda acrescento que esse adulto se torna mais
aguçado e curioso, fazendo perguntas inteligentes, desenvolvendo o senso
crítico de busca do saber, distinguindo-o do adulto comum que se limita a
repetir conhecimentos que lhe foram repassados. Faça diferença, “eduque” uma
Criança. A sociedade agradece e para finalizar, cabe ainda lembrar que um dos
maiores efeitos da atenção e carinho dedicados à criança, é sem dúvida a
felicidade do adulto. O idoso que assim viveu a infância sente-se mais jovem do
que a idade real, têm mais satisfação na vida e menos emoções negativas como
culpa e raiva, proporcionando-lhe, assim, um aumento geral da sensação de bem-estar.
Ao contrário, indicam as pesquisas científicas, aqueles que não têm boas recordações
da infância e guardam mágoas no coração, envelhecem mais rápido e aparentam ter
mais idade que a real. Eles sabem disso, sentem-se mais velhos e a expressão
facial deles tem estampada a tristeza e as rugas implacáveis do tempo cruel. Viu
um adulto feliz, gargalhando por qualquer coisa? Pode ter certeza e aplicar o
adágio acima: Criança amada, adulto feliz!