Ninguém nasce odiando outra
pessoa pela cor
de sua pele, por sua origem ou
ainda por sua
religião. Para odiar, as pessoas
precisam
aprender
e, se podem aprender a odiar,
elas podem ser ensinadas a amar.
Novembro chegou... e com ele as reminiscências de uma das
questões mais tristes da história da humanidade e principalmente em nosso país,
a escravidão. Mas, uma luz no fim do túnel se acendeu, pois em recente pesquisa,
divulgada em maio do corrente ano, realizada pela Andifes- Associação Nacional
dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, indicou que 51,2%
(cinquenta e um vírgula dois por cento) dos estudantes matriculados em
universidades públicas são negros. Não é tudo o que desejávamos, pois no
mercado de trabalho ainda são minoria, mas, já é um grande ganho, um passo
gigantesco no sentido de alcançarmos a igualdade racial. Tudo começa com a
educação, com a qualificação da mão de obra. Dias melhores virão!
Mas,
por que só em novembro se abrem as discussões se o negro enfrenta problemas de
discriminação todos os dias? Por que então falar agora em “não discriminar”,
discriminando-se, criando-se um dia especial, o Dia da Consciência Negra?
Simples, pois, é verdade que todos os dias devem ser considerados igualmente
respeitosos ao negro, mas, não é assim na prática. Ainda hoje há muito
desrespeito, racismo mesmo, para ser simples e direto com as palavras. A data,
portanto, é simbólica e serve de alerta à sociedade.
Foi
em 1970 que um grupo de quilombolas gaúcho decidiu eleger o mês de novembro
como o mês da Consciência Negra. O patrono escolhido foi Zumbi, líder do
Quilombola dos Palmares, que se tornou o símbolo da luta de resistência contra
a escravidão. Tombou em 20 de novembro de 1695, no campo de batalha contra as
tropas coloniais, na Serra da Barriga, Alagoas.
A
História do Brasil retrata escravidão como pacífica, com o negro, escravo,
conformado, pacífico e que hoje desfrutamos de uma democracia racial. Não foi e
tampouco é assim! Houve e ainda há conflitos raciais. A escravidão por si
própria já é cruel. Quem, de sã consciência, admite perder a sua própria
liberdade? No final dos anos de 1970, vivi o medo dominante em certas regiões
dos EUA. Na região de Detroit, onde trabalhei isso era constante. Mais recentemente,
nos anos 90, no limiar do século XXI, assisti, ao vivo, in locco, numa colônia de um pais europeu, uma manifestação de
negros nativos, clamando pela independência da colônia, bem ali fronteiriço ao
Brasil. Aproveitaram a presença dos estrangeiros, numa recepção nos salões da
prefeitura, quando do encerramento de um grande evento internacional. Senti-me com a alma dolorida ao ouvir os
protestos, ainda que em outro idioma. Eram negros clamando pela sua própria
liberdade do jugo europeu.
Pois
bem, os escravos negros que aportavam no Brasil, em navios negreiros, eram capturados
à força e vendidos como mercadoria. Aqui chegaram desde os meados do século
XVI, ou seja, logo após o descobrimento do Brasil. Vinham das colônias
portuguesas da África, inicialmente para as lavouras de cana de açúcar no
nordeste e mais tarde, já no século XVII, destinavam-se principalmente para a
mineração de ouro em Minas e lavouras de café do vale do Paraíba e sul de
Minas. Não foi pacífica a escravidão no Brasil, pois logo, ainda no século
XVII, eclodiu a revolta dos Palmares na região nordeste produtora de cana de açúcar.
Não foi diferente em Minas Gerais, onde se concentrava boa parte da população
escrava em suas minas de ouro. Inúmeras foram as rebeliões nos Quilombos da
região, como o de Campo Grande, com suas mais de 27 vilas, maior até mesmo que
o dos Palmares (Trombucas
e Calunga foram dois quilombos que integravam as vilas do Campo Grande, situado a em Nepomuceno. O Quilombo do
Rei Ambrósio, foi o maior deles, situado em Cristais-MG, durou 20 anos e foi
atacado pelas tropas do governo em 1746,), havendo inclusive
participação de Lavras, na luta contra esses quilombolas a seu redor, até mesmo
próximo à Ibituruna, conforme relatos do capitão Francisco Bueno da Fonseca, um
dos fundadores da cidade de Lavras. Os comandantes das tropas eram, em sua
maioria de Lavras, pois ali era ponto estratégico para a logística daquela guerra
contra os negros. Ao final, Bartolomeu Bueno do Prado, um dos grandes vitoriosos,
apresentou 3.900 pares de orelhas dos negros abatidos nos campos de batalha,
segundo informa o historiador Nemeth-Torres (Németh-Torres,
Geovani, 1986 – História Geral de Lavras, Volume I- Lavras, MG. 2018. 296p).
Os
negros nunca tiveram a atenção e devido respeito, mesmo depois da abolição da
escravatura, em 1888. Aliás, o desrespeito prevaleceu mesmo durante o ato de
elaboração da Lei Áurea. Era intenção da Princesa Isabel, destinar em lei, um
pedaço de terra para cada família de escravo liberto. Seria o seu meio,
imediato, de subsistência, ao ser liberto ou expulso das fazendas, como de fato
aconteceu. Alguns poucos conseguiram a benevolência dos antigos patrões e ali
permaneceram a troco de comida e uma troca de roupa de algodão grosseiro. Mas,
a grande maioria correu para a cidade e então deu-se inicio a formação das
favelas nas periferias das cidades. Em todas elas, em todos os municípios a
miséria dos negros era vista nas favelas. Não importava o tamanho da cidade,
Minha própria cidade natal, Lavras, tinha em cada uma das estradas de saída
para as fazendas, um a fieira de miseráveis casinhas de adobe ou pau a pique.
Visitei muitas delas, em 1967, em trabalhos de pesquisa estudantil, de
sociologia rural do curso de agronomia. Foi assim nos casebres das saídas para
ponte do Funil, da Rua do Capim próximo à igreja de N.S Aparecida, da ruela à
esquerda do túnel em direção ao antigo Batalhão de Infantaria (hoje Rua Donato Bauth),
a viela na saída para a Ponte Alta, enfim em todas as direções onde havia uma
estrada que ligasse a cidade à zona rural, lá estavam as fileiras de casebres,
onde se abrigavam os antigos escravos libertos e seus descendentes diretos. Ali
permaneciam ainda nas décadas de 1950 e 60, paupérrimos, sem teto digno e
passando privações de toda a ordem, da comida à saúde e a falta de
escolaridade. Triste cena, triste sina a dos ex-escravos e seus descendentes
diretos, na minha terra por onde andei e percorri as vielas, em situações não
diferentes em todo o Brasil.
Não
vamos aqui desfiar estatísticas sobre a fome, desemprego, criminalidade e
mortes, em números muito maiores no segmento da raça negra em nosso país (75.6%
das vítimas de homicídio em 2017). São por demais
conhecidas. Queremos sim buscar corrigir as injustiças atávicas e para isso, enfatizamos
as palavras do grande líder sul-africano, Nelson Mandela e aqui colocadas em
epígrafe logo após o título desta crônica.
Precisamos ensinar nossa pátria a amar aqueles que um dia foram
prejudicados pelo maior erro da humanidade, a escravidão. Precisamos batalhar
para mudar o olhar da sociedade sobre a questão do preconceito racial em
relação aos negros. Tenho orgulho de ter trabalhado e contribuído, aqui no
Ministério da Educação, para a aprovação das cotas raciais em universidades,
pois nossa dívida social para com os negros é impagável e tudo que fizermos
para mitigar os efeitos dessa injustiça social ainda será pouco. Bem vinda Lei
das Cotas (Lei 12.711/12). Graças a ela, temos hoje um empate técnico entre o percentual de população e de estudantes
universitário nas universidades públicas. Aí está o primeiro grande passo para
a igualdade e equidade racial, com imparcialidade e justiça, pois afinal todos
nós, independentemente de raça, cor, religião ou outro critério social,
ajudamos a construir a nossa Nação.
Que
nesse mês de Novembro, quando se comemora a Consciência Negra, tenhamos de fato
consciência da nossa responsabilidade social e possamos contribuir para
educação de nosso povo, com amor e não o ódio, como bem nos ensinou o Sr.
Mandela. Que em breve, possamos falar dos negros iniciando-se pelos seus
grandes feitos, suas contribuições em todos os ramos da ciência e da tecnologia
em prol de nosso povo e não tenhamos que deles falar iniciando-se pela
escravatura e seus efeitos maléficos sobre a humanidade. Tenho certeza que em
breve teremos muitos expoentes, negros, em todos os campos do saber. Longe se
vai o meu tempo de estudante. Entramos 250 meninos na primeira série do ginásio
(atual Ensino Fundamental, anos finais), com apenas uns dez coleguinhas negros.
Destes, apenas dois chegaram ao 3º científico (atual Ensino Médio). Ambos não
puderam pagar cursinhos pré-vestibulares e até tiveram que interromper os
estudos para trabalhar e ajudar no sustento da família. Só ingressaram na
universidade dois e cinco anos depois. Um deles foi meu aluno no último ano do
curso de Agronomia. Longe se vai, também, meu tempo de menino convivendo com idosos
filhos de ex-escravos e os netinhos nossos companheiros de brincadeiras, cavalgadas,
caçadas e natação nos córregos e ribeirões das fazendas. Nenhum desses
amiguinhos conseguiu concluir sequer o curso primário. Há alguns anos visitei
um deles, numa humilde casa na periferia da cidade, sobrevivendo com pequena
aposentadoria do antigo Funrural. Doeu a alma, doeu o coração com tanta
injustiça social, até mesmo cravada em leis e regulamentos que proibiam atividades
ou a participação de negros na sociedade. No futebol (lembram-se do apelido de um time
carioca? Pó-de-arroz, porque passavam esse pó nos jogadores mulatos para encobrir
a negritude e parecer que eram da raça branca..., pode isso?), ou
então nas artes, como a proibição, até os anos de 1930, de qualquer referencia
cultural como o samba e a capoeira. Bem vinda a lei das Cotas Raciais nas
universidades publicas. E pensar que ainda há quem proteste
contra essa mais que justa reparação. Será que também protestaram contra a lei
que proibia sambas e capoeiras ou ainda a presença de jogadores negros no
futebol?
Dias
melhores virão, pois a Educação é a principal ferramenta para combater a
discriminação entre nossos irmãos que, tanto quanto nossos pais trabalharam
para a construção de nossa Nação. Afinal, quase 70% dos brasileiros são
miscigenados.
Brasília,
01 de novembro de 2019
Paulo
das Lavras
Neste mês da
Consciência Negra, homenageio, com alegria, um dos colegas engenheiros, negro com muito orgulho,
ali, no mais alto foro de representação dessa classe profissional, o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, onde atuei por 12 anos.