(crônica com 1.308 visualizações em 06/09/2022- 20:00h - blogger)
Num país com
45.760 estupros registrados em 2015 e com baixíssimos índices de condenação dos
culpados (o IPEA estima em mais de dez vezes esse número, passando para 527.000
estupros, só naquele ano, o que daria uma média de um estupro por minuto), não é de se admirar que a autoridade máxima
do país, um político julgado e havido como personalidade culta, tenha declarado
no dia especial da mulher que elas se destacam pelo papel na administração do
lar. Inacreditável que ainda hoje, no ano de 2017, predomine aquela máxima medieval
que lugar de mulher é na cozinha, em casa, de onde só deveria sair em três ocasiões
especiais. Foi o padre Antônio Vieira que, em seus sermões escritos e publicados
entre 1660 a 1680, disse que a mulher só deveria sair de casa para o batizado, o
casamento e o próprio enterro. E ele, o missionário jesuíta, foi longe em suas
diatribes contra a mulher, dizendo, por exemplo, que a mulher vaidosa é a fonte
de todos os males e que se houvesse espelho no Paraíso, nem teria sido
necessária a maçã proibida para que de lá fossem expulsos, ela e seu
companheiro Adão. Chegou a lamentar a revogação da proibição do uso de espelhos
por parte das mulheres (homem podia?). Para as mulheres corajosas, como as
Marias que foram ao túmulo de Jesus (os apóstolos se acovardaram e não foram),
ele chega a dizer que essas “são mulheres pouco mulheres, eram mulheres
varonis, eram tão homens...”.
Quanto
machismo nessas afirmações do padre Vieira que para distinguir alguma a chama
de “mulher varonil”. Esse era, aliás, o paradigma da mulher ideal segundo a
cosmovisão italiana da época. Hoje, talvez, Freud explicasse que o próprio
autor dessas desastradas afirmações tivesse sofrido muito com os conflitos de
sua teoria celibatária diante das índias que, supostamente, deveria evangelizar
na solidão das praias da terra dos gentios. Melhor teria produzido se houvesse
dedicado suas horas de solidão, de meditação, à busca das verdadeiras
qualidades da mulher no campo da sabedoria. Nas próprias palavras das Sagradas
Escrituras há interessantes registros sobre ações de mulheres, como aquela em
que a sábia esposa Abgail, salvou de morte o seu marido insensato, falastrão e
todos de seu reino que cairiam sob a espada do rei David, o qual tivera pouso e
comida negados às suas tropas de passagem por ali (Samuel 1- 25). Ou, se
quisesse falar sobre vaidades, deveria tomar os versículos 30 e 31, de Provérbios
- 31: “A formosura é uma ilusão, e a
beleza acaba, mas a mulher que teme o Senhor Deus será elogiada. Deem a ela o que merece por tudo o que faz,
e que seja elogiada por todos”. Ou então que destacassem os versículos 25
e 26: “É forte, respeitada e não tem medo do futuro. Fala com sabedoria e
delicadeza”.
Mas,
elucubrações à parte, valem as citações introdutórias apenas para confrontar
comportamentos machistas de antes, e bem antes, como os de hoje em dia, 500 ou
2.000 anos depois.... Falemos, então, dos 50 anos, o Jubileu de Ouro da
formatura de Engenheiros Agrônomos, turma de 1967 da antiga Escola Superior de
Agricultura de Lavras - ESAL, hoje Universidade Federal de Lavras- UFLA. Numa
turma de 30 estudantes, do 1º ao 4º ano, existia apenas uma mulher, linda
morena, cobiçada por 11 entre 10 rapazes. Cabelos pretos, longos, olhar firme e
largo sorriso esbanjando simpatia. Nunca a vimos de mau humor ou reclamar da
vida e tampouco dos colegas. Hoje, cinquenta anos depois da formatura,
apresentou-se do mesmo jeito, bonita, alegre, de bem com a vida e com os
antigos colegas. Impossível notar diferenças, fossem na aparência ou no pensar,
no agir. E não resisti e perguntei o que teria a dizer sobre essa turma de
colegas nos períodos do curso e depois de meio século de vida profissional e
familiar. A resposta já era a esperada, pois fui protagonista em meio aos
colegas que sempre a trataram com especial distinção e carinho. Nunca se falava
ou fazia piadinhas na sua presença, nada de palavrões ou gírias e era, portanto,
tratada como uma de nossas irmãs, a quem devíamos respeito e proteção contra
quem se aventurasse a contrariar aquele pacto implícito de 29 colegas ao redor.
Bons tempos,
disse-me ela. “Tenho saudades da ESAL, dos professores, das aulas em sala e no
campo, e principalmente dos colegas que sempre me trataram com muito respeito e
carinho”. Mas, e agora, hoje, aqui, meio século depois, o que acha? Melhor
ainda, respondeu e emendou: “a mesma turma, os mais quietos, os mais
brincalhões, os mais dedicados aos estudos, enfim, com as mesmas
características e todos bem sucedidos na vida profissional e familiar”. Pura
verdade! Eu mesmo tive a oportunidade de estudar/rever matérias, em sua casa e
sempre saboreando, ao final, o cafezinho com quitanda servido por sua mãe, Dona
Cecília Veiga, uma das melhores professoras de piano da cidade. Se havia prova
bimestral daquelas matérias que ela não gostava muito (só tirava notões nas
demais) era quase certo estudarmos juntos, por exemplos, a Topografia e
Estradas, Construções Rurais, Hidráulica e Irrigação dentre outras. Fazíamos
isto com prazer, pois ambos tínhamos a oportunidade de rever e melhor gravar na
memória os conhecimentos recebidos nas aulas teóricas, nos laboratórios ou no
campo.
Sempre foi uma
estudante dedicada, acostumada aos primeiros lugares nos rankings, desde os
tempos de colégio. A única brincadeira que nos permitíamos fazer era dizer que
ela “chorava” quando esperava uma nota dez na prova e o resultado vinha 9,5 ou
9,8 e nunca abaixo de oito. Mas então não éramos nós, os guapos rapazes dos
anos 1964/67, machistas? Não discriminávamos a única mulher da turma de trinta
jovens e irreverentes estudantes de curso superior? Não houve nenhum que se
engraçou para os lados dela ou a pediu em namoro?.... Não, não mesmo e é
surpreendente, pois a tínhamos como verdadeira irmã, da família, até porque ela
tinha namorado fixo (sim naqueles tempos só se considerava “namoro”, depois que
o rapaz fosse conhecer os pais da garota e “declarasse” sua intenções....).
Ademais, era respeitadíssima por suas qualidades intelectuais e por estar
sempre nos primeiros lugares em várias matérias do curso durante os quatros
anos de formação superior.
Assédio? Mas
que assédio? Machismos exacerbados? Por que então começar essa crônica com
longa introdução sobre estupros, machismos desde dois mil anos atrás? O
dicionário Aurélio define Assédio: ... 3-
comportamento desagradável ou incômodo a que alguém é sujeito repetidamente.
Há outras quatro definições associadas ao termo, inclusive dizendo que é o
mesmo que assédio sexual. Mas, escolhi propositadamente a de úmero três, acima,
em itálico, pois nunca os colegas assediaram a única e bonita moça, companheira
de classe na faculdade e de estudos em grupo. Provavelmente ela foi muito
assediada durante os quatro anos de faculdade, mas exclusivamente pelos seus exemplares comportamentos social e
estudioso. A primeira em tudo, simpatia, respeito, cordialidade e nas notas
escolares, com inteligência privilegiada. E isso era motivo para todos a
elogiarem, sempre e repetidamente, ainda hoje, o que talvez possa ser
classificado como assédio positivo (se é que possa existir esta definição),
pois tenho quase certeza que ela se sentia incomodada ao ouvir isso,
repetidamente. Brincadeiras à parte, o que podemos afirmar, com certeza e até
mesmo em razão de suas declarações, sinceras, é que nunca houve assédio algum à
nossa querida colega Andirana Cardoso Veiga, desde primeiro dia de aula na
faculdade até os dias de hoje. Que bom, se o mundo fosse assim, diferente
daquele descrito na introdução desta crônica. Um mundo com educação de berço
faz toda a diferença quando adulto, como acontecido e passado entre 29 rapazes e
uma moça, no auge do vigor físico. Ali todos os colegas, indistintamente, a
viam como Mulher digna de seu status feminino, que merecia, e efetivamente
recebeu, o máximo respeito humano pelas suas qualidades morais e inteligência,
colocando-a em igualdade profissional em meio aos seus colegas masculinos.
Assim, nossa turma de 50 Anos de Formatura, marcou tento, fugindo dos atávicos
clichês machistas que vêm desde os tempos bíblicos, passando pelos tempos do
padre Vieira e que, infelizmente, ainda perdura com intensidade impressionante
e pior, reprisada em discursos presidenciais. A mulher vale pelo que ela é e
não pelo que os homens a julgam ou desejam, ainda que secretamente.
Parabéns,
Andirana, parabéns colegas formandos do dia 18/12/1967, por não terem seguido o
clichê machista, mesmo diante da beleza física inconteste daquela que soube ser
mulher com classe, respeito e fazendo-se respeitar sem nada impor ou reclamar, mas
tão somente pelas suas marcantes qualidades morais e intelectuais. Foi o que todos
disseram naquela maravilhosa festa de três dias de duração do nosso Jubileu de
Ouro.
Brasília-DF/Lavras-MG,
30 de setembro de 2017
Paulo das
Lavras
Cinquenta anos depois da formatura na faculdade.
Andirana e os colegas
Paulo Roberto, João Virgílio e Nilton Passos – Esal/Ufla - 2017
Relembrando os tempos de estudante na faculdade – 50 anos
atrás, sem computador e sequer calculadora eletrônica então inexistentes. Não
era tarefa fácil manusear régua de cálculo e ábacos nas planilhas de
topografia, estradas, irrigação.... O jeito era estudar juntos, em grupos e
compartilhar os conhecimentos. Bons tempos, dura vida de estudante que forjava
bons profissionais que hoje, em festa no Jubileu de Ouro, podem celebrar o
sucesso de seus esforços. Satisfação imensurável.