(crônica com 1.228 visualizações em 06/09/2022- 20:00h - blogger)
Adeus
para sempre nunca existiu na minha vida. Acostumado a constantes viagens de
trabalho, o ir e o vir tornaram-se rotina. Nas despedidas sempre estava
presente o fator “plano de viagem”, com data de retorno e logo a seguir a
previsão de nova partida, para outro diferente lugar. Por isso as despedidas
eram sempre mais suaves do ponto de vista emocional, embora chegasse a passar
mais de 200 dias por ano fora de casa, em sucessivas viagens. Foi assim até
mesmo quando me mudei para Brasília e deixei o torrão natal, nas Minas Gerais.
Havia um plano para se ficar apenas dois ou três anos e em seguida retornar
para a universidade, onde exercia as funções de professor e pró-reitor. Porém isso não aconteceu e eis que já se
passaram 40 anos. À parte as primeiras
despedidas chorosas, dos filhos pequenos, sempre engambelados com a promessa de
uma lembrancinha de viagem, pode-se dizer que essas despedidas eram recheadas de
certa alegria, ainda que tímida, pela certeza de que na volta ganhariam
“novidades” compradas em outros lugares, especialmente dos EUA, de onde vinham
as maiores surpresas de brinquedos inovadores, inexistentes no Brasil. Foi
assim com o mini-projetor de filminhos clássicos de White Snow, Three Little
Pigs e muitos outros com locução em inglês, o que até motivou as crianças no
aprendizado daquele idioma. Em outra vez foi a sirene de carro de policia,
própria para instalação na bicicleta e um jogo de radiocomunicação walk-talk.
Uma perfeição e quando tocavam a sirene, todos se confundiam até mesmo os
adultos daquele final dos anos 70 e início dos 80. Na escola, com os mini-projetores
da Fisher Price, ou ainda na área de lazer do prédio, com as estridentes e
idênticas sirenes de carro de polícia, o sucesso era certo, pois todas as
crianças queriam experimentar as novidades, ainda inexistentes nas lojas
nacionais. Assim, para as crianças, as constantes despedidas no aeroporto
soavam mais como um papai-noel que iria buscar os presentes.
Embora
quase não tivesse havido chororôs nas despedidas, o coração sempre apertava e a
solidão nos longos voos internacionais, a demorada permanência fora de casa em
ambientes totalmente desconhecidos faziam rolar, muitas vezes, lágrimas doídas e
inevitáveis, como a contradizer a “falsa alegria” da viagem. Pensando bem, acho
que as promessas de presentes novidadeiros foram apenas uma tática usada para
enganar o coração, pois os registros do subconsciente da alma desmentem-nos a
toda hora. Lembro-me de um longo chororô, ocorrido aos 12 anos de idade, quando
da despedida do pai e da irmã que deixaram o menino no internato do Seminário,
a 16 horas de distância, por trem maria-fumaça, passando por Ribeirão Vermelho,
terra dos ancestrais, a caminho da capital mineira. Ainda hoje, a memória
insiste em transformar o passado em presente e se recusa a apagar aquela
marcante passagem de minha vida. Da mesma forma, procuro enganar a mente
tentando desligar as lembranças de pessoas queridas, os parentes e amigos
distantes, pois morando a quase 1.000 km de distância, ficamos alijados das
visitas dominicais, almoços, aniversários e confraternizações. A distância
impede a presença mais constante de parentes, amigos de infância ou de colégio.
Brasília é a capital dos brasileiros, nova e eclética, sem tradições
centenárias de laços familiares e do bem acolher, receber na cozinha, como se faz
na terra dos mineiros. Aqui estão os brasileiros de todas as regiões, com os
mais distintos costumes e sotaques. Familiares por aqui são raros, apenas os
filhos. E nesse contexto, a partida em longa viagem do pai de família deve
mesmo abalar os sentimentos de quem fica e também de quem parte. Os
presentinhos só enganam as crianças, pois para elas não existem passado e nem
futuro, é só o hoje, o agora. Por isso vivem a perguntar, meu pai vai chegar
hoje? E quando eles próprios estão em viagem, logo nos primeiros minutos
perguntam se já está chegando a casa da vovó, ou o destino combinado.
Mas,
nesse campo do chororô da saudade a mente não trai. Ela sabe quando destampar a
bica das lágrimas. Mas ela, a mente, também não me engana mais, pois aprendi
que ela só deixa verter as lágrimas quando a experiência do passado foi
marcante e assim permanece indelével na alma. Felizmente nossa mente tem
capacidade de armazenar muito mais as boas experiências do que as ruins. Assim,
quando for visitar algum lugar, especialmente os da infância, ou simplesmente
deixar bater a saudade de alguém querido, saiba que não adianta querer enganar
o coração. A mente já determinou previamente que as lágrimas vão rolar e assim
deixe o chororô falar mais alto e mostrar que você é feliz! As lágrimas lavam a
alma. Um filósofo disse que elas são o supremo sorriso. O certo é que elas são
o transbordamento de emoções que, de tantas, nem cabem no coração. Representam
palavras não ditas e que aquecem os corações cheios de amor. Por isso elas não
doem e expressam uma esperança ou certeza.
Ah..., o título da
crônica é “Chororô, lágrimas de despedida”? Errei..! Deveria ser “Chororô de chegada”, pois era quando eu
desabava, comprovando que o melhor da viagem é a volta para casa, o porto
seguro da alma, sobretudo quando, antes mesmo do desembaraço das bagagens,
avistava ao longe as crianças alegres, de olhinhos arregalados, ansiosas a
correr para o abraço. Foi assim no primeiro dia de chegada de minha família,
quando fui busca-la no aeroporto de Brasília, a cidade que escolhemos para
morar. E chegadas assim se repetem a cada reencontro no lar. É preciso viajar
muito para saber o valor de sua casa, seu lar, refúgio da alma. Lágrimas para
que te quero.... Não sei por que a imprensa e o cinema teimam em só mostrar os
chororôs das despedidas. O adeus não existe para mim, pois quem tem uma família
nunca estará só, ainda que esteja distante e em longas viagens.
Brasília,
08 de junho de 2016
Paulo
das Lavras
Um chororozinho despistado, por detrás da câmera, na melhor
chegada de viagem
que assisti, do alto da sacada do aeroporto de Brasília,
quando recepcionei a família
chegando para morar na capital, em 1975. Duas gêmeas com as respectivas babás e
a mãe, à frente, com a menor no colo
a mãe, à frente, com a menor no colo
Viajar, ainda que por muitos dias, com a promessa de
trazer um presente
diferente..., evitava o chororô das despedidas, tanto
do pai quanto das filhas
pequenas. E esse projetor com vários filmes
infantis, realmente
era surpreendente, pois não havia nada igual no país
naqueles difíceis tempos de importação. Há poucos dias, uma
das filhas,
remexendo caixas
lacradas, na chácara, chegou até mim, com esse brinquedo
que aparece na foto. Esse
gesto, por si, demonstra as boas lembranças que ela cultiva
de um presentinho
recebido depois da viagem do pai. Os cartuchos de filmes estavam
intactos, as engrenagens e respectiva manivela que fazem
girar o filme, também. Os netos, crianças de hoje, 35 anos depois, vibraram com
a descoberta desses “dinossauros” diante das
modernas parafernálias
eletrônicas de touch screen dos tablets e smartphones.
A sirene de
Polícia, instalada nas bicicletas, fez sucesso entre
a meninada do prédio. A reposição de baterias
era constante
Após minha chegada
de viagem e ainda no estacionamento do aeroporto,
parece que alguém
mais queria usar o sombrero
depois de quase 40
anos, assisto a uma chegada diferente, Sarah aos
cinco anos, em sua
primeira Corrida Kids... é correr para o
abraço, com
chororô na certa....
outra chegada
diferente, depois de quase 40 anos..., o neto chega ao
final do ano, com troca
de faixa. Pedro, de 6 anos... Um abraço e....
As lágrimas lavam
a alma. São o supremo sorriso, transbordam as emoções que, de tantas, nem cabem
no coração. Representam palavras não ditas e que aquecem os corações cheios de
amor. Por isso elas não doem e expressam uma esperança ou certeza.
E crianças são
especiais demais. Tantas vezes, ao chegar de viagem, sentei-me, de terno e
gravata, no chão do aeroporto e derramei lágrimas ao receber o abraço dos filhos.
Agora, veja a belíssima foto acima, a mãe voltando da guerra do Iraque e ouvir:
Hi, mom.. I miss you... e então diga: quem não choraria? Pode ser que o chororô
da despedida seja protagonizado pelos que ficam, mas na chegada em casa... Nunca
tive vergonha de chorar, sentado no chão do salão de desembarque com três
crianças agarradas no meu pescoço. Alma lavada...., coração explodindo!